terça-feira, 10 de outubro de 2017

Humanos pré-históricos já formavam grupos que viviam em redes sociais complexas há 34 mil anos

Um novo estudo, publicado na revista científica Science, demonstra que há pelo menos 34 mil anos os grupos de seres humanos caçadores-recolectores já tinham desenvolvido redes sociais complexas. 
Detalhe de um dos locais onde se encontravam enterrados restos mortais em Sunghir, na Rússia. Neste estudo, os investigadores sequenciaram os genomas de quatro indivíduos enterrados no local e descobriram que eles eram, no máximo, primos em segundo grau, indicando que eles estabeleceram relações sexuais para além do seu grupo social e familiar mais próximo.

Estas redes sociais eram constituídas por pequenos grupos de indivíduos ligados a uma rede mais ampla de grupos entre os quais os parceiros sexuais eram escolhidos, o que lhes permitia evitar os riscos da endogamia – a reprodução sexual entre indivíduos consanguíneos, da mesma família. 

As espécies animais desenvolveram diversos mecanismos que lhes permitem evitar os riscos da endogamia. No caso dos humanos, estes mecanismos incluem complexas estratégias sócio-económicas, que ampliam as vantagens de partilhar recursos com indivíduos que não sejam familiares diretos. Tais estratégias moldam a diversidade social e cultural entre os caçadores-recolectores e outras pequenas sociedades atuais, mas o momento no qual estas estratégias surgiram não é claro.

Neste estudo, os investigadores analisaram a informação genética dos restos mortais de humanos anatomicamente modernos, da nossa espécie Homo sapiens, com cerca de 34 mil anos. Estes restos mortais encontravam-se enterrados em Sunghir, um local arqueológico do Paleolítico Superior situado a cerca de duzentos quilómetros a este de Moscovo (Rússia). As ossadas correspondem a quatro indivíduos que viveram na mesma altura: um homem adulto, duas crianças enterradas juntas, e um fémur simbolicamente modificado de outro adulto. Para surpresa dos investigadores, os resultados revelaram que os indivíduos não eram próximos do ponto de vista genético.

“Contrariamente ao esperado se estes indivíduos vivessem em grupos familiares isolados, as análises genéticas permitiram concluir que as duas crianças enterradas juntas não eram irmãs mas sim, no máximo, primas em segundo grau”, explica Vítor Sousa, atualmente investigador do cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais , sediado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). O investigador, que iniciou este estudo durante um pós-doutoramento na Universidade de Berna (Suíça) e o concluiu já integrado no cE3c, foi o responsável pela análise dos genomas dos quatro indivíduos para investigar a relação entre os indivíduos de Sunghir, os humanos modernos e os Neandertais.

Estes resultados sugerem que os primeiros humanos modernos procuravam voluntariamente parceiros sexuais para lá da sua família mais próxima. Provavelmente os seus grupos sociais estavam ligados a uma rede mais ampla de grupos dentro dos quais os parceiros sexuais eram escolhidos, evitando assim a endogamia.

Este estudo resulta da colaboração de uma equipa internacional, liderada pelas Universidades de Cambridge (Reino Unido) e de Copenhaga (Dinamarca). Eske Willerslev, coordenador do estudo e investigador em ambas as universidades, frisa: “Estes resultados significam que os seres humanos do Paleolítico Superior, que viviam em pequenos grupos, compreendiam a importância de evitar a endogamia. Os dados que temos sugerem que a endogamia era evitada de forma propositada. Se estes pequenos grupos de caçadores e recolectores se estivessem a reproduzir de forma aleatória, veríamos evidências muito superiores de endogamia do que aquelas que observamos”.

“Pela primeira vez conseguimos sequenciar os genomas de vários membros de um grupo de indivíduos que viveu no Paleolítico. Até aqui, a maior parte dos dados provinham de sítios arqueológicos com apenas um individuo, o que não permitia responder a questões sobre a composição e evolução dos grupos sociais na nossa espécie.

Estes dados são importantes para compreender como é que os humanos conseguiram colonizar praticamente todo o planeta, e qual o papel da migração e dos contactos dos humanos modernos com os Neandertais. A nossa diversidade genética atual resulta dessa história de migração e contactos entre grupos. Perceber como é que isso ocorreu é fundamental para por exemplo descobrir quais os genes associados a doenças complexas, como o cancro ou a diabetes”, conclui Vítor Sousa.

Os investigadores sugerem também que o desenvolvimento precoce destas redes sociais complexas pode explicar, pelo menos em parte, o motivo pelo qual os seres humanos modernos foram bem sucedidos - enquanto que outras espécies rivais, como os Neandertais, não o foram. No entanto, é necessário obter informação genómica mais antiga tanto dos primeiros humanos modernos como dos Neandertais para testar esta ideia.

Referência do artigo: 
M. Sikora et al. Ancient genomes show social and reproductive behavior of early Upper Paleolithic foragers. Science. Publicado online a 5 outubro, 2017. doi: 10.1126/science.aao1807 

Gabinete de Comunicação do cE3c - Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais 
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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