quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

«D. Fr. José Maria de Sant’Anna e Noronha, por mercê de Deus e da Santa Sé Apostolica Bispo de Bragança e Miranda, do Conselho de Sua Magestade Fidelissima que Deus Guarde, etc.

Aos habitantes do territorio de Miranda Paz e benção em Jesus Christo, Nosso Senhor. Contando-nos, na occasião em que visitamos as parochias do territorio de Miranda neste nosso Bispado, o barbaro e intoleravel festejo com que as gentes das aldêas celebram em honra dos Santos da sua devoção e com que julgam dar culto a Deus no extravagante jogo das lutas com tanta evidencia que até quasi debaixo das nossas vistas em distancia de meia legua se exerceu no dia 18 de setembro com bastante magua nossa, julgamos conveniente levantar a nossa voz pastoral contra estes gestos de gentilismo e reprehender um costume vergonhoso entre catholicos como escandaloso a todas as nações civilisadas. Descobre-se nestas lutas um verdadeiro duello disfarçado com o especioso titulo de festejo, em que os mancebos ostentando de forças e buscando a victoria sobre os seus contrarios com infracção manifesta das Leis os deixam estirados sobre a terra mortos ou os inhabilitam para continuar o manejo do trabalho que lhes sustenta a vida.
Que incoherencia pretender dar culto a Deus e offende-lo na mesma criminosa acção em que se pretende honra-lo; que cegueira entregarem-se os homens voluntariamente á morte ou a um damno irreparavel para festejar Santos em cujos corações como discipulos d’um Deus de paz reinou a mansidão e a caridade; que intoleravel mistura Deus e Belial, fé e suprestição, religião e crime; que confusão para catholicos ver reproduzidos os antigos gladiadores do Paganismo entre povos meridionaes, onde Jesus Christo é adorado com respeito, onde as sementes da impiedade não teem fructificado com progressos e aonde a falsa philosophia do seculo não tem superado os sentimentos da religião nem destruido o magestoso edificio da Egreja Catholica. Não será possivel, amados filhos, afiar-vos (sic) por mais tempo um costume que vós mesmos não podeis deixar de reconhecer criminoso.
Não será preciso dizer-vos que elle é barbaro e oposto á caridade, que a religião o crimina, que a humanidade o reprehende, que o sangue humano derramado por irmãos em pulsos de vangloria e ostentação desafia os castigos do Céu; finalmente o nome de christãos de que vos honraes é incompativel com a barbaridade que exerceis. Cumpre porem declarar-vos que Nós dirigindo-vos agora a voz de Pae que ternamente ama os seus filhos e a de Pastor que deseja encaminhar as suas ovelhas pelas veredas da verdade, usando do meio suave da palavra não pouparemos outros mais fortes se este não bastar. Horrorisaes (?) os paes de familia a ver os vossos filhos expostos á morte ou á ruina por um delirio desventurado.Mancebos robustos, empregae as vossas forcas na cultura dos campos que vos sustentam e não priveis os vossos paes do apoio e auxilio que esperam de vós na sua cansada velhice.
Governanças dos lugares, oponde-vos com firmeza aos impetuosos desejos da mocidade indiscreta e não auxilieis um tão abominavel costume. Pastores encarregados dos rebanhos de Jesus Christo, exortae-os com eficacia a que suspendam a carreira errada que os conduz ao precipicio.
Habitantes das terras de Miranda salvae a Nação da nota de barbaridade, a religião da afronta que padece, a caridade e justiça do desprezo publico que soffre a voz do desgosto que nos opprime e a El-Rei Nosso Senhor da dôr que ferirá o seu religioso coração se chegar ao seu real throno a triste noticia de que no meio dos seus vassallos grassam impunemente os costumes que o seu animo pio e santo detesta e abomina. Nós como vigia dos costumes, defensor da moral santa e depositario da doutrina do Evangelho, prohibimos por nossa auctoridade ordinario debaixo de pena de excommunhão a nós reservada aos leigos que continuarem estas lutas de ferocidade, estes combates de horror e estes jogos de brutalidade, e os ecclesiasticos debaixo da pena de suspensão dos seus officios e exercicios de suas ordens, que auxiliem, auctorizem ou assistam a ellas. A todos rogamos pelas entranhas misericordiosas de J. Christo que nos não obriguem ao uso d’estas armas espirituaes que communicamos, fazendo a maior violencia ao nosso coração, mas que certamente poremos em pratica para com os desobedientes pertinazes e teimosos. Acodi, povos mirandenses, ás vozes do vosso Pastor que se acha no meio de vós, que ternamente vos ama, que veio com o unico fim de vos chamar dos caminhos do erro, que se não poupa a fidalguia (?) e trabalho por amor de vós, que até tem obrigação de derramar por vós a sua vida e o seu sangue, e seja a emenda d’este tão detestavel exercicio uma prova da vossa gratidão, da vossa docilidade, da vossa obediencia. O E. Santo, que tantas vezes temos invocado sobre as vossas almas na administração do santo Sacramento da Confirmação, vos banhe com as luzes, vos infflame com a sua caridade e vos arme com a sua fortaleza para resistirdes ás tentações e conservae-vos fieis na verdadeira religião que seguis.
Ordenamos aos Rev.dos Parochos... (Ordena a leitura da Pastoral e a explicar os effeitos das penas retro e registá-la). Dada em visita no lugar de Genizio aos 21 de Setembro de 1825. – Fr. José Maria, Bispo de Bragança e Miranda».

Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança

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