quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O país está a perder estrangeiros. Em Bragança e Beja estão a aumentar

Mais oportunidades de emprego e acordos com instituições do ensino superior nestes distritos terão motivado o aumento de imigrantes entre 2008 e 2016. A tendência é contrária à evolução do resto do país. Em mais nenhum outro local o crescimento da imigração foi tão grande.
No ano passado, viviam mais 972 estrangeiros em Bragança do que em 2008. No total, em 2016, contavam-se 2685 residentes de outras nacionalidades. Um número que representa apenas 2% da população do distrito, mas um aumento de 56,7% entre os dois períodos em análise, indicam dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (incluem títulos de residência e vistos de longa duração). Quando o objecto de análise é a variação entre 2015 e o ano passado, Bragança também aparece no topo da lista, com um aumento de 11,6%.

Esta tendência é contrária à manifestada a nível nacional. Entre 2008 e 2009, registavam-se os números mais elevados de estrangeiros a residir em Portugal. Hoje, apesar de um ligeiro crescimento entre 2015 e 2016, a diferença em relação aos valores da década passada ainda é negativa.

Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, salienta que este aumento em Bragança foi conseguido na sequência de um maior número de residentes cabo-verdianos, búlgaros e espanhóis.

Cada indivíduo terá os seus motivos para imigrar para este distrito, mas no que respeita às motivações de cada nacionalidade é possível identificar tendências. O aumento da população cabo-verdiana, por exemplo, está relacionado com os acordos firmados entre instituições de ensino e outros organismos em Cabo Verde. Numa fase inicial, os estudantes terão sido os principais beneficiários destas políticas, mas depois disso “há um efeito de rede” que traz também as pessoas que lhes estão ligadas, comenta Pedro Góis.

Quanto aos búlgaros, vêm na sua maioria para executar tarefas agrícolas, uma vez que “há menos mão-de-obra disponível nestes territórios”. Por sua vez, o movimento de espanhóis decorre da proximidade de fronteiras naquele ponto geográfico.

No que diz respeito à população brasileira, mais tradicionalmente presente em todo o país e também neste distrito, a evolução foi mais comedida. Contudo, Pedro Góis avisa que não quer dizer que há menos residentes de origem brasileira. Há, sim, mais gente a pedir a nacionalidade portuguesa e, por consequência, desaparece destas estatísticas.

Mas o mais “surpreendente” de tudo, diz Pedro Góis, é a maior diversidade na origem destes estrangeiros. Durante o período analisado, Bragança recebeu cerca de 30 novas nacionalidades. Outro aspecto “interessante” é o equilíbrio entre homens e mulheres, quando a tendência global é a de uma feminização da imigração. Isto sugere uma intenção de estadia a longo prazo, uma vez que “vêm ambos os elementos do casal”.

Agricultura puxa por Beja
Jorge Malheiros, investigador do Centro de Estudos Geográficos, explica que o aumento do número de estrangeiros residentes em Beja prende-se com o “desenvolvimento da agricultura de mercado, razoavelmente intensiva e bastante organizada” nesta região. Foi este fenómeno, com especial impacto em Odemira, que “ajudou a fixar a mão-de-obra imigrante”.

O número de estrangeiros a residir no distrito de Beja passou dos 5260, em 2008, para os 7624, em 2016. Odemira é um dos dez municípios com mais estrangeiros em relação à população residente. São cerca de 16,9%. Desses dez, é o único que não se situa no distrito de Faro. Albufeira, por sua vez, é o concelho onde a proporção de estrangeiros entre os residentes é maior (são um em cada quatro).   

Em 2008, a comunidade brasileira era a principal no distrito de Beja. Mas, em 2016, foi ultrapassada por gente vinda da Tailândia, Roménia e Bulgária, que nesse ano passaram a ocupar os primeiros lugares da lista de estrangeiros com estatuto de residente. A comunidade nepalesa em Beja também cresceu exponencialmente neste período.

A responsável pelo Observatório das Migrações, Catarina Oliveira, admite que o aumento registado em alguns locais “pode não ter sido devido a novos fluxos, mas a pessoas que se movimentaram dentro de Portugal”. Os estrangeiros “são mais flexíveis em relação à actividade económica praticada e à região onde vivem”.

Importância da integração
Para Jorge Malheiros, a integração destas comunidades será mais facilitada quando os imigrantes são estudantes, uma vez que a população tem “uma certa empatia” por eles. “Animam o sítio e há uma boa percepção da presença das instituições de ensino superior.”

Quando se trata de imigrantes laborais, o caso é diferente e colocam-se “grandes desafios sociais”. O geógrafo dá o exemplo de São Teotónio, uma localidade em Odemira, distrito de Beja, onde o número de imigrantes aumentou na sequência do desenvolvimento da agricultura na região. “A imigração para esta localidade tende a ser sobre-masculinizada, de uma cultura diferente, e por vezes a ocupação do espaço público gera alguns focos de tensão”, explica.

Mas para Mário de Carvalho, presidente da Associação Cabo-verdiana de Lisboa, ainda “falta representação política”. “Precisamos de estar nos sítios onde se decide”, nomeadamente na Assembleia da República e no poder local. Caso isso não aconteça, “há um afastamento das pessoas”.

No sentido de facilitar a integração da população imigrante, já há alguns municípios a adoptar planos para a sua integração — Odemira é um deles. Segundo o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), há outros 37 municípios com Planos Municipais para a Integração de Migrantes (PMIM).

Além disso, “existem ainda parcerias formalmente estabelecidas com o ACM, com mais de 60 municípios, para a dinamização de Centros Locais para a Integração de Migrantes, entre os quais estão também representadas as regiões com menor incidência de população estrangeira residente, como é o caso de Macedo de Cavaleiros ou Figueira de Castelo Rodrigo”, adianta Pedro Calado, responsável pelo ACM, em respostas por escrito.

O Observatório das Migrações também tem trabalhado na desconstrução de alguns mitos que rodeiam a população imigrante, com o objectivo de promover e agilizar o processo de integração. Por exemplo, o mito de que a população imigrante desgasta o sistema de segurança social do país. Se é verdade que “os imigrantes estão em maior risco de pobreza”, também o é que há um saldo positivo de 400 milhões de euros entre contribuições e benefícios dos residentes estrangeiros em Portugal, detalha Catarina Oliveira.

Preferência pelo litoral
Um relatório produzido pelo Observatório das Migrações em 2017, sobre as tendências da imigração, destaca que “nem todos os distritos de Portugal atraem da mesma forma a população estrangeira”.

De facto, apesar do crescimento em Beja e Bragança, a maioria dos imigrantes ainda vai para os distritos do litoral. No total, metade dos estrangeiros está concentrada em dez municípios. Seis são no distrito de Lisboa, dois em Faro, um em Setúbal e outro no Porto.

Neste documento lê-se: “A elevada concentração de estrangeiros na região de Lisboa resulta em grande medida das primeiras vagas de imigração provenientes dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], embora a partir de meados da década de 1990 novas vagas de imigração conduziram a uma ligeira diminuição da sobre-concentração nessa região e contribuíram para uma maior dispersão geográfica dos estrangeiros dentro do território português.”

Ainda assim, quase todos os municípios do interior do país são afectados pelo saldo migratório negativo. Só 80 dos 278 municípios de Portugal Continental apresentaram saldos migratórios positivos. O maior número de entradas em relação ao total de saídas foi registado em Loures, onde entre 2015 e 2016 esta diferença foi de mais 1249 imigrantes do que emigrantes. Por sua vez, o saldo migratório mais negativo foi registado em Guimarães (-1142). Depois deste município, os saldos migratórios mais baixos verificaram-se em Vila Nova de Gaia (-1033), Barcelos (-887) e Braga (-806).

Quanto a tendências globais, Jorge Malheiros defende que o “aumento [do número de imigrantes] vai continuar”. Porém, “não vamos chegar aos valores do início do século”, avisa.

Há várias razões que suportam esta teoria de crescimento, diz o geógrafo. Em primeiro lugar, “a economia está a mexer”. Depois, “há uma imagem boa do país, uma ideia de que é tranquilo e tem uma boa qualidade de vida”. Há também o efeito de rede, que tem a ver com a forma como as pessoas se atraem umas às outras. Por fim, a questão dos refugiados que, apesar de comparados com outros países serem em muito menor número, também será um factor que fará aumentar a quantidade de estrangeiros a viver em Portugal.

Rita Marques Costa
Jornal Público

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