segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Carta Gastronómica de Bragança - DA IMPLANTAÇÃO DA REPÚBLICA AO 25 DE ABRIL DE 1974

A notícia da implantação da República chegou a Bragança via telégrafo e não terá provocado grande desassossego no seio da abastada família Carmona, até porque na altura do acontecimento, o titular da secular e formosa Quinta da Rica-Fé, António Paulo Gil F. Carmona, forçosamente convivia ou pelo menos ouvia falar nos ideais republicanos. Homem de grande visão que duplicou a área produtiva da Quinta, agricultor informado, vitivinicultor esclarecido, criador de gados e arguto negociante, tinha um filho defensor e divulgador da causa republicana.

Marmita de Alumínio
Tratava-se de José Morais Carmona, juiz de direito, também vitivinicultor, amante da arte de carpintaria e conservação de madeiras de castanho que mais tarde empregou as empregou no restauro da Casa Senhorial.
No Arquivo que os netos do juiz republicano zelosamente conservam figura uma Agenda Doméstica do ano de 1911, onde estão registados os gastos na compra de alimentos destinados à manutenção da família e servidores.
O documento aponta gostos, a diversidade e o custo dos mantimentos ao longo de cada mês, ganhando saliência por se tratar de uma Quinta de centenas de hectares a obrigar a despesas com a utilização de mão-de-obra para a realização de trabalhos agrícolas e pastoreio, tarefas de desbravamento de terras e conservação dos bosques. A este dispêndio juntava-se a já referida manutenção da Casa a qual se obrigava a receber a melhor sociedade, acrescida dos alimentos destinados à família e respectiva criadagem. A enunciação das despesas mostra quais eram os produtos de maior gasto, igualmente os menos usuais na composição das refeições, ainda aqueles a merecerem a classificação de “luxos”.
Se um detective versado em economia e sociologia estudasse a referida documentação elaboraria palpitante e saboroso relatório estabelecendo os vectores alimentares de uma família de grossos cabedais, mas muito terra a terra nos seus hábitos alimentares. Consome bons produtos em quantidade (atente-se à lista de compras e estabeleça-se o confronto com os preços praticados no Mercado Municipal), no entanto, pouco atreita a delicadezas gastronómicas à venda nas mercearias finas, confeitarias e pastelarias da moda, não existentes em Bragança, mas que vendiam ao domicílio os seus refinamentos. O detective detaria coerência nos consumos, por exemplo: muitos ovos, mais leite, mais açúcar, logo mais doces e lambiscos. Compra substancial de aves, menos compra de carne de vaca e vitela. Não tardaria a estabelecer a correspondência entre a sazonalidade e a aquisição das matérias-primas e de outros produtos de longa duração.
No livro de contas do Padre Francisco Manuel Alves, Abade da Baçal respeitante a comeres, beberes e enfeites, o famoso erudito anota gastos com charutos e conhaque. Curiosamente, no livro de despesas da casa da Rica-Fé prazeres semelhantes não integram as contas.
Os dois singulares documentos são do mesmo tempo.
Leiam e analisem as despesas da casa da Rica-FéNo mês de Janeiro (só dois dias) os gastos foram de: 50 réis em pão, 150 em leite, 170 em ovos, 560 em carne de vaca, 80 carne de porco, 60 hortaliças, 540 peixe, 60 em banha, 150 em feijão, 200 em frutas, 45 em vinho, 20 em vinagre, 100 em azeite, 10 sal, 390 petróleo, 140 em lenha, 240 em cebolas e alhos.
No mês de Fevereiro despendeu 1490 rés em pão, 340 de leite, 430 de açúcar, 490 em ovos, 780 réis em carne de vaca, 1000 em carne de vitela, 230 em carne de porco, 400 em aves, 560 em hortaliça, 1410 em peixe, 1125 em bacalhau, 60 em batatas, 420 em banha, 500 em feijão, 100 em grão-de-bico, 180 em presunto, 160 em frutas, 130 em arroz, 1135 em vinho, 1300 em azeite, 35 em sal e pimenta, 490 em petróleo, 380 em carvão, 1000 em lenha, 100 em rins, 60 em miolos, 20 em limões, 80 em boroa.
No mês de Março os gastos cifraram-se em: 4.460 réis em pão, 60 em leite, 280 em chá, 90 em café, 2765 em açúcar, 2030 em manteiga, 1180 em ovos, 2940 em carne de vaca, 4220 em carne de vitela, 100 em carneiro, 1000 em aves, 270 em cabrito, 340 em hortaliça, 3045 em bacalhau, 3425 de peixe (550 de conservas, 200 em enguias, 875 de pescada e 400 de polvo), 1225 em batatas, 360 em banha, 300 de grão-de-bico, 1430 de arroz, 2030 de vinho, 120 em vinagre, 400 em queijo, 4150 de azeite, 70 em pimenta e sal, 380 em boroa, 310 em farinha, 560 de bolachas, 280 em rebuçados, 40 em avelãs, 120 em nozes, 10 em limões, 120 em ervilhas, 220 em azeitonas, 40 em figos, 60 de castanhas e 3400 em lenha.
No mês de Abril despenderam-se: 2000 réis em pão, 80 em leite, 540 em café, 1180 em açúcar, 1820 em manteiga, 1100 em ovos, 1095 em carne de vaca, 2115 em vitela, 300 em carne de carneiro, 490 em carne de porco, 300 em aves, 270 em cabrito, 500 em hortaliça, 1500 em peixe indiferenciado, 240 em enguias, 2025 de bacalhau, 975 em batatas, 350 em banha, 250 de grau, 130 em presunto, 170 em língua e rim, 25 em massas, 300 em fruta, 895 de arroz, 2160 em vinho, 130 em vinagre, 2570 em azeite, 20 em sal e pimenta, 30 em alhos, 100 em cebolas, 150 em farinha, 120 em avelãs, 120 em nozes, 120 em broa, 1000 em vinho do Porto, 1050 em bombons, 250 em pão-de-ló, 20 em pão ralado, 10 em limões. No mês de Maio o dispêndio foi de: 3610 réis em pão e boroa, 105 em leite, 370 em café, 1040 em açúcar, 1250 em manteiga, 1370 em ovos, 1990 em carne de vaca, 2400 em vitela, 80 em miolos de vitela, 690 de hortaliça, 980 em peixe, 1635 em bacalhau, 810 em batatas, 460 em banha, 340 em feijão, 100 em grão, 25 em presunto, 140 de língua, 40 em massas, 270 em frutas, 780 em arroz, 7230 em queijo, 1870 em vinho, 120 em vinagre, 2030 em azeite, 40 em pimenta e sal, 20 em alhos, 120 em cebolas, 10 em limões, 195 em farinha, 200 em sardinhas e atum, 180 em azeitonas, 20 em tremoços, 50 em morangos.
Em Junho gastou-se: 4920 em pão, 250 em chá, 1560 em açúcar, 440 em manteiga, 920 em ovos, 1240 em carne de vaca, 2395 em carne de vitela, 1250 em hortaliça, 1050 em peixe, 1920 em bacalhau, 890 em batatas, 200 em banha, 250 em feijão, 140 em mão de vitela, 40 em massas, 975 em fruta, 900 em arroz, 960 em vinho, 90 em vinagre, 1440 em azeite, 10 em pimenta e sal, 80 em cerejas, 70 em morangos, 40 em alhos, 80 em cebolas, 40 em tremoços, 195 em farinha.
No mês de Julho (27 fias) as despesas cifraram-se em: 2580 réis em pão, 455 de leite, 40 em chá, 1040 em açúcar, 710 em manteiga, 1330 em carne de vaca, 720 em carne de vitela, 200 em ovos, 120 em aves, 200 em caça, 570 em hortaliças, 870 em peixe, 270 em bacalhau, 940 em batatas, 60 em banha, 410 em presunto, 880 em fruta, 600 em arroz, 300 em vinho, 60 em vinagre, 2640 em azeite, 30 em pimenta e sal, 120 em boroa, 100 em chocolate, 80 em cebolas, 20 em alhos, 65 em farinha, 50 em pimentos.
No mês de Agosto os gastos foram de: 1980 réis de pão, 1850 em leite, 1495 de açúcar, 590 de manteiga, 1450 em ovos, 2300 em carne de vaca, 590 em carne de vitela, 2360 em aves, 130 em caça, 915 em hortaliças, 590 em peixe, 1040 em batatas, 780 em fruta, 850 em arroz, 50 em vinho, 60 em vinagre, 1870 de azeite, 40 em pimenta e sal, 350 em chocolate, 20 em cebolas, 195 de farinha, 60 em salsa, tomates e tremoços, 80 em alhos, 1270 em milho, 170 em bolachas.
No mês de Setembro (14 dias) as despesas atingiram: 1360 réis de pão, 590 de leite, 1040 de açúcar, 380 de manteiga, 80 em ovos, 740 em carne de vaca, 755 em carne de vitela, 100 em carne de porco, 360 em aves, 220 em caça, 315 de hortaliças, 290 em peixe, 110 em bacalhau, 220 de frutas, 260 de arroz, 20 de pimenta e sal, 10 em tremoços, 20 em cebolas, 130 em farinha, 50 em chocolate.
No mês de Outubro gastaram-se: 2840 réis em pão, 1230 em leite, 110 em café, 980 em açúcar, 500 em manteiga, 790 em ovos, 1620 em carne de vaca, 1010 em carne de vitela, 100 em carne de carneiro, 180 em carne de porco, 1240 em aves, 210 em caça, 520 em hortaliças, 320 em peixe, 1220 em bacalhau, 330 em fruta, 60 em feijão, 835 em arroz, 5010 em vinho, 30 em vinagre, 1190 em azeite, 30 em pimenta e sal, 260 em farinha, 250 em milho, 240 em castanhas.
No mês de Novembro as despesas atingiram: 2680 réis em pão, 45 em chá, 1080 em açúcar, 500 em manteiga, 985 em ovos, 2080 em carne de vaca, 785 em vitela, 800 em carne de porco, 320 em hortaliças, 570 em peixe, 1615 em bacalhau, 520 em batatas, 400 em feijão, 50 em grão, 40 em fruta, 520 em arroz, 100 em vinho, 45 em vinagre, 2380 em azeite, 60 em pimenta e sal, 240 em castanhas, 120 em boroa, 250 em milho, 180 em cebolas. No mês de Dezembro (oito dias) os gastos foram: 1010 réis em pão, 110 em chá, 280 em açúcar, 500 em manteiga, 60 em ovos, 450 em carne de vaca, 180 em carne de vitela, 400 em carne de porco, 80 em hortaliças, 380 em peixe, 610 em bacalhau, 140 em batatas, 60 em banha, 60 em arroz, 40 em vinho, 5 em vinagre, 1620 em azeite, 40 em boroa, 280 em milho.
O Anuário Comercial do ano de 1911, no rol dos grandes agricultores figura o proprietário da Quinta da Rica-Fé, António Gil Carmona, a par de Artur M. Jorge de Lima, José António Terroso, José António Paulo, José Diogo de Morais. José Maria Silva e Manuel Joaquim Paulo. Nomeia ainda: negociantes e comerciantes trinta e quatro, uma padaria (havia diversos fornos), uma agência bancária, quatro correspondentes de companhias de seguros.
Nesse ano estavam abertos ao público três Hotéis: o Hotel Brigantino, o Hotel Transmontano, e o Hotel Imperial.
No ano imediato (1912) os Hotéis passaram a utilizar o termo Grande, antes da sua designação, assim surge o Grande Hotel Brigantino, desaparece o Transmontano substituído pelo Grande Hotel Virgínia, mantém-se o Hotel Imperial, de João Batista Fernandes.
O Anuário Comercial relativo a 1920, anota uma pastelaria e bilhar, já o relativo a 1930, menciona duas agências bancárias – BNU e Banco de Portugal – e três correspondentes bancários, duas confeitarias, três hotéis, Virgínia, Transmontano e Moderno, três tabacarias que também vendiam de bebidas, ainda duas padarias.
Documentos respeitantes a despesas mensais realizadas pelo Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Bragança no mês de Dezembro de 1919, de Junho de 1920, e de Janeiro de 1922, para a aquisição de géneros alimentícios, dizem-nos que, fundamentalmente, as compras foram: açúcar, arroz, azeite, bacalhau, batatas, leite, pão alvo e pão centeio, unto e vitela. No mês de Dezembro de 1919, gastou-se $15 em açúcar, 19$20 em arroz, 9$80 em azeite, 7$80 em bacalhau, $96 em leite, 22$00 em pão alvo, 35$80 em pão de centeio, 5$60 em unto, 106$78 centavos em carne de vitela; no mês de Junho de 1920, gastou-se 28$90 em arroz, 13$80 em azeite, 13$32 em leite, 18$00 em pão alvo, 32$40, em pão centeio, 6$60 em unto, 99$30 em carne de vitela; no mês de Janeiro de 1922, as despesas foram: 56$98 em arroz, 38$50 em azeite, 35$45 em bacalhau, 26$00 em batatas, 1$35 em café, 8$15 em hortaliças, 24$60 em leite, 4$00 em macarrão, 45$60 em pão alvo, 75$75 em pão de centeio, 23$10 em unto, 120$52 em carne de vaca.
A amostragem oferece-nos pistas relativamente à composição das refeições dos doentes, sendo de assinalar a entrada do café e do macarrão no mês de Janeiro de 1922.
Os doentes internados nesses meses foram de nove, número mínimo, catorze, número máximo.
Em 1935, existiam dois hotéis, o Grande Hotel Brigantino e o Hotel Imperial que passou a ser gerido pela viúva de João Batista Fernandes.
Em 1936, principia a guerra civil espanhola, o Anuário Comercial diz-nos laborarem em Bragança quatro cafés, sete casas de pasto, quatro farmácias, dois depósitos de farinhas, duas fábricas de chocolates, duas leitarias, existirem oito marchantes, trinta e sete mercearias, duas moagens, duas padarias, cinco pastelarias, seis negociantes de peixe fresco, quatro pensões, um exportador de presunto, uma fábrica de refrigerantes, seis tabacarias, cinco depósitos de tabaco, sete casas de venda de enchidos, seis negociantes de vinho.
O Anuário Comercial do ano de 1939 (eclode a II Guerra Mundial) informa que se pode dormir nas Pensões Internacional, Moderna e Virgínia, comer e beber nas Casas de Pasto de: Américo Vaz, Viúva de António Fulgêncio, Anselmo Fernandes, Artur das Neves, Caridade Machado, César Augusto Fernandes, Conceição Rucha, Dárida Correia, José Vilares. Podia-se adquirir doces nas pastelarias Eduardo & Roque, Carlos Machado e Francisco Ferreira, fabricavam-se chocolates nas fábricas de Domingos Manuel Lopes e Manuel Dominguez, Os doces regionais vendiam-se em oito casas.
As leitarias de António Augusto Dias, António Manuel Nogueiro, Maria Madalena Fabião serviam as senhoras e cavalheiros, podia-se tomar café e outras bebidas nos cafés Chave de Ouro, Machado, Moderno e Poças. O abastecimento de pão era assegurado por sete padarias, o de carne através de três talhos, o de peixe fresco ocupava seis negociantes, vendiam-se enchidos em sete estabelecimentos apropriados.
No mês de Dezembro de 1943, a salazarista Panorama revista de grande beleza gráfica e bem escrita insere o artigo “Bragança – Uma Bela Cidade a Descobrir” – e ainda o rol de pratos da sua cozinha regional que são:

“alheiras (na época própria – de Outubro a Fevereiro), – alheira assada – almôndegas de lebre – arroz de lebre e de repolho – bifes de presunto com batatas fritas – bifes de vitela com batatas fritas – cabrito assado ou guisado com batatas – caldo verde – chouriço de pão assado cozido com grelos – cozido transmontano – empada de sardinhas – enguias fritas ou assadas – folar – frango albardado – grelos com bacalhau às tiras com pedaços de ovos cozidos – grelos de couve penca guisados com ovos batidos – leitão assado – lombo de porco assado – migas de bacalhau – pastéis de lebre – perdiz assada ou de cebolada – rabas guisadas com ovos – salpicão assado – trutas fritas de escabeche e assadas na grelha – tabafeias, etc. – Doçaria: bolo doce – súplicas – cavacos – amêndoas doces (confeitadas com canela) – doce de melão – doce de chá – pastéis de ovos – folares, etc.”

Esta valiosa lista de receitas de estirpe bragançana revela quanto se perdeu ou está em lugar desconhecido, além de por um lado demonstrar a estreiteza dos receituários compilados ao longo dos últimos setenta anos, por outro estabelece clara distinção entre alheiras e tabafeias a desmentir todos quantos diziam e dizem que alheiras e tabafeias eram e são a mesma coisa. De realçar, o regime de consumo estava agregado à sazonalidade. A indústria do frio estabeleceu calendário anual desvirtuando o conceito de sazonalidade, apesar de o mesmo manter todas as suas virtudes.
No ano de 1945 (fim do conflito mundial) o Anuário Comercial enuncia cinco cafés: Central, Chave de Ouro, Moderno, Poças e Progresso, duas casas de venda de carnes fumadas e preparadas: Américo Vaz e Manuel Mirandela, doze casas de pasto: Américo Vaz, António Fulgêncio (Viúva de), Anselmo Fernandes, Artur das Neves, Caridade Machado, César Augusto Fernandes, Conceição Rucha, José Vilares, Maria Camões, Maria da Conceição Ferreira, Maria José Teixeira, Mariana Correia. Três depósitos de farinha: Afonso, Lopes e C.ª Lda., António Augusto Dias e Mariano e C.ª Lda. Negociantes de fruta dois: Alberto Augusto Franco e Fernando Henriques. Mantinham-se as mesmas três leitarias. Aumentou o número de talhantes para nove, a saber: António Maria de Carvalho, António dos Santos Barata, Delfim Gonçalves, João Batista Barata, João Veloso, José Augusto de Carvalho, José Manuel Veloso, José Veloso, Manuel António Veloso e Manuel Barata.
A cidade dispunha de quarenta e nove mercearias, seis casas de venda de enchidos, cinco padarias e diversos fornos de cozer pão, quatro pastelarias, três pensões e dois depósitos de tabaco.
Em 1961 (começo da guerra colonial), o Anuário Comercial informa que em Bragança são nove os fabricantes de alheiras, nove os negociantes de batatas, quatro os de batata de semente, oito cafés, seis negociantes de carnes fumadas, dez casas de pasto, dezanove cervejarias (algumas também cafés), uma leitaria e quatro restaurantes – Machado (Cura), Moderno (da Pensão Moderna), Poças, Sport –, trinta negociantes de vinho agregando os sazonais.

No ano de 1970, existiam em Bragança os seguintes serviços públicos:
Arquivo Distrital, Biblioteca e Museu do Abade Baçal, Albergue Distrital da Misericórdia, Bombeiros, Caixa Geral de Depósitos, Câmara Municipal, Campo de Aviação Plácido de Abreu, Comissão Municipal de Assistência, Comissariado do Desemprego, CTT, Direcção do Distrito Escolar, Direcção de Estradas do Distrito, Direcção da Hidráulica do Douro, Direcção de Urbanização do Distrito de Bragança, Escola Industrial e Comercial de Bragança, Escola do Magistério Primário, Escolas de Aplicação, Asilo-Escola de S. Francisco, Liceu Nacional de Bragança, Estação Meteorológica, Brigada de Fiscalização da Inspecção-Geral de Finanças, Direcção de Finanças do Distrito, Repartição de Finanças, Federação Nacional para Alegria no Trabalho, Governo Civil, Guarda Fiscal, Guarda Nacional Republicana, Guarnição Militar – Batalhão de Caçadores N.º 3 – Carreira de Tiro, Instituto de Assistência à Família, Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos, Instituto Maternal, Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, Intendência de Pecuária, Junta de Colonização Interna, Junta Distrital, Juntas de Freguesia, Legião Portuguesa, Misericórdia – Hospital – Posto de Protecção à Infância Mocidade Portuguesa, Notário, Obra das Mães pela Educação Nacional, Organismos Corporativos – Associação Mútua de Seguros de Gados do Nordeste Transmontano – Caixa de Crédito Agrícola Mútuo – Cooperativa Agrícola – Caixa de Previdência – Comissão Reguladora de Moagens de Ramas – Federação dos Grémios da Lavoura – Federação Nacional dos Produtores de Trigo – Grémio do Comércio – Grémio da Lavoura – Junta Nacional do Azeite, Junta Nacional dos Produtos Pecuários – Junta Nacional do Vinho, PIDE (Posto de Quintanilha), Polícia de Segurança Pública, Registo Civil, Registo Predial, Saúde Pública, Serviços Agrícolas – Serviços Florestais, Tribunal Judicial, Tribunal do Trabalho, União Nacional. A listagem revela o facto de a estrutura social citadina estar funcionalizada, incluindo os militares.
Na esfera comercial a existiam quatro fabricantes de alheiras (durante anos e anos anúncios referiam tabafeias), um armazenista e um lagar, três agências bancárias, Banco Nacional Ultramarino, Banco de Portugal, Banco Totta-Aliança, e dois correspondentes bancários, estes números realçam o anémico movimento neste sector. Estamos em 1970!
Outros dados o confirmam: apenas doze cafés (alguns também detinham a classificação de cervejaria), Café Almeida, Café Cervejaria Avenida, Café Cervejaria Paris, Café Chave de Ouro, Café Central, Café Lisboa, Café da Pensão Moderna, Café Progresso, Café Restaurante Transmontano, Confeitaria Flórida e Confeitaria Machado. Vendiam-se carnes fumadas e preparadas nos estabelecimentos de Américo Vaz, António Augusto Pimparel, António Manuel Fernandes e Beatriz Nazaré Veloso. Duas casas de hóspedes, duas fábricas de chocolate: Domingos Lopes e Companhia, José Maria Gomes & Filhos, quatro depósitos de farinha, cinco farmácias, sete lojas de vendas de frigoríficos, seis criadores de gado, dez cultivadores de lúpulo, quarenta e seis mercearias, sete armazéns de mercearia, três moagens, cinco padarias, cinco negociantes de peixe fresco, nove pensões com serviço de refeições, cinco restaurantes mas só um sem serviço de hospedaria, nove talhos, e vinte e seis produtores de vinhos incluindo a Cooperativa Agrícola da Terra-Fria.
Os documentos consultados e as referências atrás manifestadas são a prova provada da já referida funcionalização do burgo bragançano a partir do aumento dos efectivos militares, e da burocracia administrativa, que alimentava e se «alimentava» nas dezenas de tabernas, de importância desigual, sendo todas ruidosos centros de convívio.
No concelho de Bragança proliferavam os vinhedos, até a filoxera os atacar duramente, o concelho exportava entre vinte mil a vinte e cinco mil pipas de vinho para Espanha.
A praga dizimou as vinhas e outras espécies vegetais substituíram-nas, no entanto, o consumo de vinho não esmoreceu até porque auxiliava os burocratas e os militares a suportarem o tédio e fornecia energias necessárias a todos quantos trabalhavam arduamente, única forma de honestamente ganharem o pão derramando litros de suor.
A venda do vinho fazia-se, de um modo geral, nos cafés, cervejarias, pensões e restaurantes. No essencial, era nas Tabernas que o vinho assumia o estatuto de bebida privilegiada, sem rival. Sazonalmente quando as colheitas extravasavam abriam-se postos de venda de vinho, as Adegas, algumas bizarramente baptizadas. No entanto, ainda nos anos setenta do século passado as tabernas levavam a palma no tocante ao consumo de vinho, geralmente, incentivado por petiscos de variados teores, conforme a especialização de quem os concebia; as cozinheiras, quase sempre em dupla função, a de igualmente serem taberneiras. Do mesmo modo alguns taberneiros também se aventuravam a agarrar sertãs e tachos.
Muitas das ditas tabernas alcançaram merecida fama a correr sérios riscos de se esfumar, porque as afectivas e socializadoras tabernas desapareceram e/ou sofreram profundas modificações levando ao seu varrimento da nossa memória colectiva, com o consequente prejuízo do património imaterial e material.
No desejo de atenuar a perda recordam-se algumas delas lembrando o nome das proprietárias e proprietários.

Leiam-se:
Fortunata Gonçalves, Piedade da Conceição, na Cidadela, Antónia Hortas, Florência Pires, José Martins, Luís Carvalho, Maria da Assunção, Maria de Lurdes Neves, na Rua Abílio Beça, Anselmo Dias, Ana Botelho, Caridade Costa, Guilherme Rodrigues, Manuel Fernandes, na Rua Almirante Reis, António Afonso, Teresa Silvestre, Maximiano Moreno, e José Maria Gomes na freguesia da Sé, Agostinho dos Santos, António Dias, António Moura, António Pereira, Beatriz dos Prazeres, César Fernandes, Dárida Correia, Francisco Pires, João Sampaio, João Barros, Teresa Pires, Mariana e Maria Emília Moreno, localizadas na Rua Alexandre Herculano, Maria José na Rua do Tombeirinho (5 de Outubro), Alfredo Cavaleiro, Ernestina Pires, na Rua do Loreto, Adriano Rodrigues, João Carneiro na Praça Camões, Manuel Alves Velho, na Rua do Picadeiro, Clarisse Rodrigues, Francisco António dos Santos, na Rua Marquês de Pombal, Alfredo Vidal, Laurinda, na Rua 1.º de Dezembro, Manuel João na Rua do Toural, João Saldanha na Rua dos Gatos (também detinha uma adega), José Jerónimo na Rua de S. João, Albina Amado, Camila, Rua dos Batoques, Isaura Pires na Viela do Bispo, José Garcia Rodrigues na Rua Trindade Coelho, Francisco Silva, na Rua do Paço, e Joana na Rua do Norte.
A singela evocação destas mulheres cozinheiras/taberneiras, e eles taberneiros aptos a comprarem os «melhores vinhos», enquanto acrisoladamente defenderam as suas tabernas, a maioria, carregava alcunhas de todo o género ganhas por um simples engano, apimentada piada solta, ou simplesmente devido a uma gentileza aos clientes, como é exemplo a Taberna de Manuel Cândido da Silva, ter passado a ser a Taberna do Figo Seco como a seguir se dá conta.
Por volta de 198, Manuel Silva abandona a aldeia de Mogrão (Macedo de Cavaleiros) e demanda Bragança em busca de melhor condição, onde adquiriu uma taberna.
Acompanha-o a família, trazem os pertences, incluindo alentada quantidade de figos secos, os quais iam sendo escoados na qualidade de gratuito aperitivo, estimulante de beberes dado o seu alto teor de açúcar. Aperitivar figos secos levou a os clientes saltarem as barreiras linguísticas passando a dizerem – vamos ao Figo Seco – sem tirar nem pôr, obrigando o Sr. Manuel, apesar de contrariado, a aceitar o apodo.
Naquele meio circular, rápido na veloz progressão do chiste, não havia jeito de fugir à designação.
A alcunha não produzia o repudiar os clientes, mantinha-se o estrídulo relacionamento, nalguns casos quase familiar, existindo um livro de assentos – do fiado – regularizado no fim de cada mês, excepto no último mês do ano, na mira de receberem o presente sempre certo – uma garrafa de vinho fino – os fiéis consumidores acertavam contas na noite de Consoada. Assim era prática com o senhor Manuel Silva.
Sendo as tabernas ponto de encontro (primacialmente masculino) dos moradores da cidade e das quintas periféricas, nelas discutia-se baixinho o que tinha de ser assim, ruidosamente todo o resto, aos berros os diferendos futebolísticos. Homens e rapazes de barba a despontar exercitavam as mentes nos jogos de cartas, às damas, dominó, e na Taberna do Sr. Manel, entre outras, os tacos do bilhar russo (o chamado NEGUS) sofriam contínuas agressões propagadas ao pano quase sempre verde.
Nas tabernas elaboravam-se pitéus de apurado gosto e sensibilidade, nos dias de feira alargavam a oferta. Na do «Figo Seco» comiam-se não só as usuais iscas de fígado, o bacalhau debaixo de várias preparações, o capatão frito e o polvo da mesma forma, faziam-se refeições completas, destacando-se o caldo à moda antiga, o rancho forte e fagueiro, e o polvo cozido com batatas.
As tabernas nas aldeias, quase todas exerciam dupla funcionalidade taberna/mercearia, além da especificidade de «socorro de madrugada». Centro de socorro muito concorrido era a Taberna do Sr. Alberto Fernandes, sita na vizinha povoação de Gimonde. Com efeito, as vendedoras de brasas e carvão vindas da Lombada e da dita povoação, ainda não tinha rompido o dia e já se acotovelavam gritando: “Beatriz, Beatriz abre a porta e vende-nos uma ou duas coroas de aguardente.” O pedido de urgente socorro contra o penetrante frio intercalava quentes palavrões a solicitarem rapidez na entrega do remédio. A mulher do Sr. Alberto vendia a bebida milagrosa, e as compradoras «matavam o bicho» à mofina friagem. Afamada cozinheira a Dona Beatriz deixou várias receitas, algumas delas integram esta obra. Noutras tabernas a aguardente operava os conhecidos milagres, não causando admiração a poderosa água de vida receber a companhia de pão, peixe frito em escabeche, tiras de bacalhau do mesmo modo, ovos cozidos, nozes e… figos secos.
O desfiar das agruras ou alegrias das vidas nestes cenáculos de estreitamento das sociabilidades que eram as tabernas, tinham no copo de vinho cheio até às bordas e no petisco preparado a preceito pelas Mestras argutas e hábeis nos temperos incluindo os das respostas aos homens de língua solta, a ânima, o fermento de longas conversas ou, quantas vezes, de meditabundas murmurações.
O lento declínio das tabernas no seu duplo papel – convívio e consumo de bebidas – iniciou-se a partir do paulatino regresso das sucessivas fornadas de tropas mobilizadas no fito de os movimentos de libertação das colónias serem sustidos.
A partir de 1964, milhares de ex-combatentes começaram a regressar de África, trazendo mazelas no espírito e novos hábitos de consumo no corpo, ainda os de preenchimento dos lazeres. A obrigatória ida ao «Ultramar» implicou o conhecimento de insólitas paisagens, de
outras pessoas, de cor diferente, de outras linguagens, de outros trajes, fundamentalmente, de outros comeres e beberes.
As estranhas frutas, de estranhas cores, de esquisitos sabores, passaram à condição de familiares: abacaxis, bananas, cocos, mamões, mangas, papaias, mais o amendoim e o caju salientam-se na numeração.
Novidade picante o frango de churrasco, a caldeirada de carnes consoante as existências territoriais (cabritos, gazelas, impalas, pacaças, galinhas do mato, aves), só por si, significaram grato enriquecimento da paleta de sabores dos forçados combatentes. E, os quase grátis mariscos? E, a tentadora cerveja? E, os refrigerantes, entre eles a Coca-Cola banida na Metrópole? E, o óleo de amendoim, o óleo de palma, o caril, o gindungo ou piripiri? E, a galinha à cafreal, do charéu de galinha, do cozido de banana com peixe?
Estas e outras interrogações podemos formular – a iniciação à bebida uísque, à mistura catembe, ao gin –, ilustram as causas do progressivo desvalimento das tabernas a favor de outras estruturas (o snack-bar, o bar) atinentes a comeres e beberes consolidadas nas vésperas do 25 de Abril de 1974.

Carta Gastronómica de Bragança
Autor: Armando Fernandes
Foto: É parte integrante da publicação
Publicação da Câmara Municipal de Bragança

1 comentário:

  1. Lapso:
    2º parágrafo

    Tratava-se de João Morais Carmona...

    Na verdade chamava-se José (Hipólito) Morais Carmona
    (Há uma rua com o seu nome)
    lm

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