quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

CONTRATAÇÃO PÚBLICA (NOTAS DE REFLEXÃO)

Entrou em vigor, a 1 de janeiro do corrente ano de 2018 o novo Código dos Contratos Públicos de acordo com a redação que lhe é dada pelo Decreto Lei 111-B/2017 de 31 de agosto. Numa altura em que está na ordem do dia o tema do financiamento dos partidos e a sua respetiva regulação é oportuno abordar este assunto de forma direta, clara e sem qualquer escamoteamento. Sendo a última alteração significativa de 2012 (DL 149/2012 de 12 de julho) deve atentar-se, por um lado nas alterações introduzidas, enquadrá-las nas justificações inseridas no preâmbulo do diploma e olhar para o passado recente de vigência legal que, temporalmente se sobrepõe ao último quadriénio autarquico.
Comecemos por aqui. Em consulta ao portal da contratação pública, verifica-se que, no distrito de Bragança, que é o que interessa para o caso, (nada indica que tenha sido diferente no resto do país) o recurso à contratação pública por parte das autarquias atingiu valores notoriamente exagerados. Não é preciso recorrer ao estafado adágio de que à mulher de César não basta ser séria, para ter como certo que o uso dos dinheiros públicos deve ser criterioso, transparente e parcimonioso. Ora, dos procedimentos habituais para adjudicação de obras e fornecimentos, o Concurso Público e o Ajuste Direto é aquele e não este, que cumpre esta norma que deveria ser a diretiva primordial dos responsáveis das autarquias. E tanto assim é que se atentarmos nas declarações públicas de Presidentes de Câmara, sobretudo na apresentação de contas às respetivas Assembleias Municipais, usam e abusam de terminologia onde abundam qualificadores de rigor, transparência e equidade. Curiosamente, tal acontece quando na respetiva Câmara o Ajuste Direto foi regra quando devia ser exceção. No nosso distrito as adjudicações diretas ultrapassaram, em valor, as concursais e se é certo que houve municípios em que não chegaram aos 32%, outros houve em que ultrapassaram os 80% o que é, notoriamente, exagerado!
Ganha pois significado a intenção do legislador expressa no preâmbulo legislativo de melhoria da transparência e boa gestão pública sendo uma delas, precisamente a limitação do uso do Ajuste Direto. Assim é pois os limites para esta modalidade já que os anteriores valores de 150.000 euros nas empreitadas e 75.000 euros nos fornecimentos baixam drasticamente para 30.000 e 20.000 respetivamente. Igualmente se acabam com os malfadados CPV cuja manipulação habilidosa “permitia” aos cotratantes ultrapassarem os limites cumulativos de adjudicações à mesma entidade. Apesar da nítida melhoria, neste aspeto não se foi tão longe quanto se podia e devia, na minha modesta opinião. Os valores acumulados deviam ter um âmbito temporal superior e abranger a totalidade da legislatura autárquica precisamente para prevenir outros riscos que, como é sabido, mesmo que não admitido, têm a ver com o financiamento das campanhas eleitorais.
É sintomático que o legislador tenha a preocupação de para a necessidade de introduzir “medidas para prevenir e eliminar conflitos de interesses nos procedimentos de formação dos contratos” e ainda que o convite a apresentação de propostas esteja proibida a entidades que tenham feito fornecimentos, a título gratuito, no ano em curso e nos anteriores o que parecendo um nonsense, em boa verdade não o é. Então receber gratuitamente bens não é vantajoso para o erário público? Com toda a probabilidade, não. Como não se cansa de repetir João César das Neves, não há almoços grátis e a esmola, quando gorda, leva o pobre a desconfiar. Neste aspeto também penso que se deveria, se possível, ir um pouco mais longe. Os convites a apresentação de propostas deveriam ser igualmente vedados a todas as entidades que tenham contribuído em dinheiro ou em géneros, para as campanhas eleitorais das entidades que governam as respetivas autarquias. Seria aliás relevante que todos os presidentes de Câmara tivessem a iniciativa de divulgarem publicamente a lista completa de todos os contribuites privados das atividades partidárias. Igualmente deveria ser sabido quem foram os fornecedores dos materiais de campanha, onerosamente ou não (sobretudo neste último caso) para que fosse afastada a suspeição de “compensação” posterior com recurso a adjudicações futuras pagas com o dinheiro público.



José Mário Leite
in:jornalnordeste.com

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