quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Dizeres e Ditos - Carta Gastronómica de Bragança

Ana da Conceição Alves
Sr.ª Dona Ana da Conceição Alves68 anos, vive em Parada. 
Não vivi muito mal. Não teve pai, a Mãe trabalhou muito para a criar a ela e ao irmão. Cozia pão, fiava, tecia linho e fazia mantas farrapeiras.
Antes ir para a Escola, a Mãe dava-lhe uma torradinha com pingo.
No tempo das castanhas, cozia-se um pote delas, todos os dias. Gostava tanto de bacalhau que lhe tirava lascas e nem sequer as demolhava. O sardinheiro trazia as caixas de sardinhas e de chicharro no lombo dos burros. O polvo era mais para o Natal. O irmão pedia à Mãe para comprar aquilo dos ilhoses dos sapatos. Era o polvo.
O azeite comprava-se às remeias, a gordura mais usada era o pingo. Vitela só na festa, assada. Marmelada todos faziam.
Comiam as cerejas caídas (passotas) sem as lavar, às vezes trincávamos areias.
O porquinho remediava tudo. Na matança juntavam-se vizinhos e familiares. Nunca faltavam os ovos. Açúcar era biqueiro. Dava-se aos meninos um carolo coberto de açúcar, o que fazia sede, iam beber à fonte.
Ana Maria Prieto Fernandes
Sr.ª Dona Ana Maria Prieto Fernandes64 anos, vive em Aveleda.
Natural de Rio-de-Onor espanhol. Nunca passou fome. Nas duas aldeias fronteiriças reinava a harmonia, trocavam trigo por centeio porque na casa dela não havia o tão empregue cereal. No Natal comiam polvo, bacalhau e marisco que os familiares traziam de Madrid. As comidas nas duas aldeias eram mais ou menos iguais, o que se cultivava também.
Na Páscoa em Espanha comia-se o cabrito, no lado de cá o cordeiro. A grande diferença residia no facto de no lado de lá (Espanha) comerem as tripas do cabrito, e aqui não. Mesmo ao pequeno-almoço comiam tripas guisadas como mata-bicho.
O avô sardinheiro tanto vendia de um lado, como do outro. Ajudava muito o seu negócio. Integrou-se bem em Portugal, estranhou o azeite por ser mais forte, não se deu muito bem a princípio.
Na festa cozia-se uma galinha velha para se fazer sopa. Aos doentes serviam-se aguinhas só com um bocadinho da carne da galinha, senão fazia-lhes mal. Tinham de dividir. Às pessoas sem dentes davam-lhe sopas fervidas de ovo ou de tomate.
As castanhas aguentavam até o mês de Maio. Dizia-se: se não comerdes castanhas no primeiro dia de Maio, os burros vão roer-vos as orelhas.
Anabela Fernandes Pires
Sr.ª Dona Anabela Fernandes Pires49 anos, vive em Sortes. O forte era comerem batatas cozidas quase em todas as refeições. Mesmo que fizessem arroz ou massa, coziam-se batatas, à mesma. Conservavam-se as batatas e as castanhas em covas revestidas a palha e terra por cima. É terra de batata de semente.
O pai caçava coelhos, lebres e perdizes.
Na Páscoa preparam cordeiro assado. Os mais velhos preferem comer cabrito. No dia dos Santos faz-se o magusto. No tempo das castanhas apanham-se míscaros e pinheiros (cogumelos). As frutas mais consumidas sãs as maçãs (assadas, cozidas e cruas), as cerejas abundam e as uvas também não.
Ana Olívia Pires
Sr.ª Dona Ana Olívia Pires, 39 anos, vive em Paradinha Nova. Explica que finalizado o período de apanha da castanha, ajuda a Mãe a apanhar a azeitona verde. Posteriormente usando uma joga (pedra redonda) parte as azeitonas de maneira a ficarem abertas e não amassadas, originando boas alcaparras. A seguir tira-lhes o caroço, mete-as numa saca misturadas com ossinha e orégãos e coloca-as na água em movimento contida num poço durante quatro dias.

Carta Gastronómica de Bragança
Autor: Armando Fernandes
Foto: É parte integrante da publicação
Publicação da Câmara Municipal de Bragança

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