sexta-feira, 16 de março de 2018

OUTEIRO: Capela do Santo Cristo

• Dia 3 de Maio • A ele concorrem sempre continuamente em romagem e com maior concurso que se faz uma solene festa à imagem do Senhor exposto com a chaga no peito. Milagres: «O Santo Cristo é uma imagem que inculca a maior devoção, quando se patenteia, que é com muita solenidade e grandeza.
Porém para dar uma notícia de gosto e com clareza a respeito deste milagroso Senhor, deste portento dos portentos, é de saber que nesta vila de Outeiro, que é da Excelentíssima Casa de Bragança, no meio dela, aonde chamam as Eiras do Meio, estava uma capela da invocação da Santa Cruz, obra pequena que a piedade de seus moradores edificou. E para nela com mais devoção louvarem a Deus, colocaram na dita capela uma imagem de Jesus, pequena de estatura, que terá pouco mais de três palmos de alto, mas muito perfeita, devota e de muita veneração neste lugar.
Era buscado este Senhor com frequência, assim dos moradores como da gente da terra, principalmente no tempo da Quaresma e festas de Cristo, aonde se celebravam missas e havia concurso de gente. E muito mais no dia de Quinta Feira Santa, no qual só consta saísse fora da capela a imagem, e por isso saudosos, os moradores e vizinhos concorriam em procissão, a que se fazia de penitência, doendo-se e pesando-lhe a todos de o ter ofendido, pedindo misericórdia e perdão de suas culpas.
Nesta forma se passaram muitos anos que esta sacrossanta imagem foi adorada, venerada e estimada de todo o povo, até que Deus Senhor Nosso, por sua misericórdia, foi servido no ano de mil seicentos e quarenta livrar seu Reino das garras do de Castella, ao depois de sessenta anos de cativeiro, e dá-lo ao muito alto e poderoso Senhor Rei D. João, o Quarto, que santa glória haja, e pôr este Reino naquela liberdade que antes tinha desde o princípio que o dito Senhor dele fez mercê ao muito grande Rei, o Senhor D. Afonso Henriques.
Como porém fosse necessário que os senhores reis deste Reino se defendessem das cruéis guerras que os de Castela faziam a este para o pôrem debaixo do seu domínio, também era preciso que os vassalos se ocupassem nesta justa defesa, uns acudindo às praças, outros com bagagens e carretos, e com estes pretextos se foi esquecendo a devoção do nosso Santo Cristo. Já nam havia concurso de gente, já ninguém se lembrava de tal imagem, já era preciso fechar a porta da ermida para que os gados não entrassem dentro a tomar a sesta que no cálido que tinha era contínuo, enfim, estava totalmente abolida a lembrança da imagem.
Até que no ano de mil e seiscentos e noventa e oito, no dia vinte e seis de Abril, foi Deus, Senhor Nosso, servido usar um dos maiores que se tem visto nem ouvido de prodígios e milagres. Que depois de dizer missa na referida capelinha, o reverendo padre Fr. Luís de S. José, religioso de Nossa Senhora do Carmo dos Calçados, assistente nesta vila com seu irmão, o doutor juiz de fora, foi visto pelo dito religioso suar gotas de água a imagem do Santo Cristo, o que também foi visto pelo padre João de Almeida e Filipe de Almeida, desta vila. E dando-se parte ao reverendo pároco do milagre e prodígio que tinha sucedido pelas onze no dia relatado, viera ao sol posto, e indo com pessoas fidedignas à ermida, e olhando para a imagem vira em o braço esquerdo gotas de água e no dia seguinte, que era Domingo, dia vinte sete do mencionado mês, foi visto por muitas pessoas suar a imagem por várias partes do corpo gotas de água, de cujo facto deu logo parte o reverendo Agostinho da Cunha, que era cura, digo, o padre João Rodrigues de Coronha, cura actual, ao reverendo doutor provisor, que era José de Frias, cónego da Sé de Miranda, que pessoalmente veio a esta vila indagar, autenticar o prodígio que achou o dito reverendo doutor provisor por muitas pessoas e testemunhas, auto de exame, que fez ser verdadeiro o sucesso recontado. E que para memória e lembrança de tão grande prodígio, se lançasse nos Livros do Santo Cristo este sucesso e que no mesmo se escrevessem as testemunhas, e tudo o mais que judicialmente se processou. Com tão nova maravilha concorreu a gente não só desta terra, mas de toda a Província e ainda de Castela, Galiza, com procissões e voluntárias oblações, estando no entanto o Senhor em novenas, no qual tempo se despovoam os lugares vizinhos e cidades, como de Bragança e toda sua terra, e Miranda, donde consta não ficou homem, mulher, nem senhoras que não viessem a tributar cultos e render adorações.
Os milagres que o Senhor fazia eram muitos, digam-no os cegos, ainda a nativitate, que lhe restituiu vista, os coxos, os mudos, surdos, hidrópicos, febricitantes e todos os enfermos de todas as qualidades que concorriam depois de conseguirem o alívio, a agradecer o benefício e juntamente mostrar-se agradecidos ou com as suas promessas, ou com suas esmolas. Como os milagres continuaram sem peso, nem medida, também parece o não havia em oferecer grandiosas esmolas, assim deste Reino, como de Galiza, donde houve cavaleiros que deram seiscentos mil réis de esmola e quatrocentos. Com estas e outras esmolas determinaram fabricar um templo de grande arquitectura para nele pôr a imagem do Senhor, e logo erigiram uma confraria e irmandade de irmãos, que é governada por oficiais de juiz, procurador, tesoureiro, escrivão, irmãos de mesa, é eclesiástica. 
Logo na sua criação teve cinco mil irmãos, em que entram seculares, eclesiásticos de toda a graduação, paga cada um uma quarta de pão anualmente e faz-lhe a confraria, quando falecem, um ofício de nove lições com seis missas.
por vivos e defuntos anualmente um aniversário de quantos sacerdotes se juntam, que são muitos».

Memórias Paroquiais de 1758 do Distrito de Bragança

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