sábado, 26 de maio de 2018

"É preciso acabar com o medo e o preconceito em relação aos deficientes" na Igreja

A irmã Verónica Donatello vai passar por várias dioceses portuguesas até 30 de maio, para mostrar como não há nada que impeça o acolhimento e a integração de pessoas com debilidade física ou mental na Igreja.
Verónica Donatello
“Venho partilhar as coisas belas que tenho visto”, começa por dizer à Renascença a irmã Verónica Donatello, especialista em educação para a inclusão eclesial da Conferência Episcopal Italiana.

Responsável, há sete anos, pelo setor da catequese para pessoas com deficiência, já tinha experiência pessoal nesta área por ser filha de pais surdos e ter uma irmã com debilidade intelectual. “Aprendi a comunicar em casa”, conta, para sublinhar logo de seguida que o fundamental é rejeitar a visão do ‘coitadinho’, que muitos têm destas pessoas, e acabar “com o medo e o preconceito em relação aos deficientes”.

E ainda há muito a fazer? “Há. Há preconceito e há medo, por exemplo, dos autistas e das pessoas com debilidade mental, porque se comportam de forma estranha”, explica a irmã Verónica, lembrando que, às vezes, “são as próprias famílias que se envergonham e não levam os filhos deficientes à Igreja". É aí, ressalta, "que o trabalho dos padres é muito importante”.

Para esta religiosa italiana, a formação dos sacerdotes “não pode ser apenas teológica”. Devem “saber mediar a presença de todos na comunidade”, porque “o que é estranho é deixar estas pessoas de parte".

"A presença na Igreja de pessoas com deficiência, ou com debilidade mental, ajuda a voltar à essência do Evangelho e a recordar que a fragilidade é uma condição humana.”

Mas será possível evangelizar quem sofre, por exemplo, de debilidade mental? “É possível, sim”, responde a irmã Verónica, lembrando que Santo Agostinho dizia que “cada um tem uma porta por onde Cristo entra, e a relação com Deus, a fé, não é só compreender, é um encontro. O que temos de descobrir é essa porta por onde Cristo entra.” A sua experiência mostra que os deficientes intelectuais “podem e devem ser incluídos na catequese”. Considera mesmo “um pecado” achar-se que eles não devem ter acesso aos sacramentos.

Evolução positiva em Itália

Em Itália, o esforço dos últimos anos permitiu que já se tivesse evoluído bastante. “60% das dioceses têm serviço pastoral para pessoas com deficiência e temos muita formação inclusiva. Nas dioceses de norte a sul do país não há projetos iguais e isso é uma grande riqueza”, afirma a religiosa, dando como exemplo o que se passa em relação aos deficientes auditivos. “Há muitos cursos de língua gestual básica. É habitual que numa comunidade haja uma pessoa que faz essa formação para ser intérprete durante a missa, mas depois toda a assembleia sabe dizer pelo menos ‘bom dia’ e ‘como está’, e acompanha e canta com as mãos.”

Muitas comunidades católicas foram ainda mais longe e, neste momento, têm “pessoas com autismo a ajudar catequistas, cegos que fazem parte do coro, rapazes com síndrome de Down que são acólitos e que também cantam e ajudam na missa”, conta a religiosa italiana, que considera também fundamental a Igreja apostar nas novas tecnologias. “O seu uso é uma bênção para os jovens deficientes, alguns deles comunicam com esses instrumentos, que também ajudam a encurtar distâncias.”

“Em Itália já temos algumas missas transmitidas pelo Facebook, em streaming, temos vários instrumentos para o autismo nos iPad, temos o catecismo em eBook, adaptado para os disléxicos, e com língua gestual, áudio, imagens e legendas, ou seja, um único instrumento que vale para todos”, diz-nos Verónica Donatello, que trouxe alguns dos materiais para mostrar nas dioceses portuguesas por onde vai passar até dia 30 de maio.

Périplo por Portugal

A religiosa, das Suore Francescane Alcantarine, está em Portugal a convite do Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, da Igreja Católica, para partilhar o seu pensamento e as suas experiências com um público alargado, desde agentes de pastoral, párocos, educadores, professores, catequistas, famílias, pessoas com deficiência, comunicação social e público em geral.

A visita começa esta sexta-feira pela diocese do Algarve. Para amanhã, sábado, está prevista uma sessão interdiocesana, em Lisboa. No domingo segue para Braga, para um encontro com a pastoral dos surdos, seguida de uma passagem pela diocese de Bragança-Miranda na segunda-feira, diocese essa que tem um serviço pastoral para pessoas com deficiência. No dia seguinte, 28 de maio, irá a Coimbra.

Para além do contacto com os bispos de cada uma destas dioceses, Verónica Donatello vai também reunir-se com D. José Traquina, atual bispo de Santarém, que tem a seu cargo esta área pastoral no âmbito da Conferência Episcopal Portuguesa.

Editado por Ângela Roque
Rádio Renascença

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