terça-feira, 28 de julho de 2020

A EMIGRAÇÃO NO CONCELHO DE BRAGANÇA

A emigração dos bragançanos, como dos habitantes do Distrito de Bragança – para além das migrações temporárias para Espanha –, foi muito reduzida até à segunda metade do século XIX. Ainda em 1843, a Junta Geral do Distrito referia que a região era “pouco sensível à emigração”, não podendo, assim, responder ao inquérito nacional da emigração que então foi realizado.
Por outro lado, verificamos que, enquanto os governos civis do Norte de Portugal, desde a sua constituição em 1835, passaram a dispor de livros de registo de passaportes – uma vez que a emissão destes constituía uma das atribuições dos governadores civis –, em Bragança, tal só aconteceu a partir de 1844, ano em que se regista a emissão de um passaporte. Entre 1844 e 1852, registam-se escassíssimas concessões de passaportes no Concelho – o que não quer dizer que não tivesse havido negligência por parte dos serviços do Governo Civil no registo dos que emigravam, que alguns dos seus habitantes saíssem clandestinamente do País, ou obtido o seu passaporte noutro Governo Civil. Neste último caso, podemos aventar a hipótese de que, numa primeira fase, dar-se-ia uma migração interna, com a deslocação de habitantes de Bragança para o Alto Douro, Porto ou Lisboa, para, numa segunda fase, abandonarem o País.
Tendo em consideração os livros de registos de passaporte do Distrito de Bragança entre 1844-1910, ou seja, durante o Constitucionalismo Monárquico, emigraram oficialmente do Concelho de Bragança 2 150 pessoas.
Analisando a sua distribuição anual, não é difícil fazer uma leitura económica deste fenómeno. Assim, só a partir de finais da década de 1880 é que o número de emigrantes do Município começou a ganhar algum relevo, facto que tem a ver, necessariamente, com a grave crise económica que se abateu sobre o Concelho e o Distrito, como veremos na parte desta obra destinada à economia – o afundamento da indústria das sedas na década de 1870 não parece ter atingido particularmente Bragança, mas a destruição dos seus vinhedos pela filoxera, na década de 1880, afetou duramente o seu campesinato. Vai ser neste contexto que, em 1889, pela primeira vez, surgirá uma Exortação Pastoral Relativa à Emigração, do prelado da Diocese de Bragança-Miranda, D. José Alves de Mariz – a qual, embora sugerida pelo Governo, traduz pela primeira vez a preocupação da Igreja quanto a tal fenómeno –, procurando dissuadir os seus fiéis a não deixarem a terra, a família e os seus bens, a não partirem para terras desconhecidas, onde, segundo ele, os esperavam as doenças, o abandono, a pobreza, a solidão e, quantas vezes, a morte. O segundo pico detetado nesta estatística entre 1907-1910 – apesar de os efetivos registados nos anos de 1903 a 1906 terem várias lacunas –, explica-se pela grave crise económica que o Município e toda a região atravessaram, denunciada pelo jornal Nordeste e pelos relatórios do governadores civis de Bragança, mas tem a ver, sobretudo com a chegada do caminho-de -ferro em Bragança, em 1906.
A partir de então, a integração de Bragança na rede ferroviária nacional não traduz apenas a inserção do Município no mercado nacional, definitivamente estruturado.
Traduz também, quanto à emigração, o acesso direto ao cais de partida – portos de Leixões e Lisboa, mas, também, o aumento do número de engajadores na Cidade e de toda uma publicidade que exaltava os benefícios da emigração.
Entre 1906-1910, saíram de Bragança mais de 1 000 pessoas, ou seja, quase 50% do número total de emigrantes registados entre 1844-1910 (Quadro n.º 26).
Note-se que, no conjunto destes anos, a proporção entre titulares de passaporte e respetivos acompanhantes é de cerca de 1,4 para 1, isto é, o número total de acompanhantes aproxima-se bastante do número total de titulares. Estes valores expressam, assim, uma migração de cariz familiar, ou seja, ao contrário do que acontecia noutras regiões do País, não é tão significativo o número daqueles que partem sozinhos, deixando para mais tarde (ou para nunca) a reunião familiar (Gráfico n.º 8).
A distribuição da emigração anual do Município por meses (Gráfico n.º 9) revela-nos que o máximo de saídas se verificava em setembro e outubro, ou seja, após a faina agrícola do verão, depois das vindimas, nomeadamente no Alto Douro, para as quais os trabalhadores rurais do Alto Trás-os-Montes eram convocados.
Se tivermos em consideração a distribuição dos emigrantes do Município por género (Gráfico n.º 10), verificamos que os requerentes ou titulares de passaporte são maioritariamente do género masculino, e que as mulheres e crianças integram por norma o passaporte do marido ou de um familiar.
Quanto ao estado civil dos titulares de passaportes, observa-se que a maioria dos homens que emigram é solteira. Contudo, sabemos que a partir de finais do século XIX, a saída de homens casados, acompanhados da família, aumenta gradualmente (Gráfico n.º 11).
A sua distribuição por grupos etários revela uma forte emigração familiar, uma vez que o número de crianças e jovens até aos 14 anos, ou seja, aqueles que integravam o passaporte familiar, enquanto filhos dos titulares, corresponde a 55% do total dos acompanhantes. E dos restantes 45%, trata-se, na sua esmagadora maioria, das cônjuges dos titulares (Quadro n.º 27).
Quanto aos titulares de passaportes, verificamos que estamos perante uma emigração jovem, uma vez que 58,6% do seu número total situa-se entre os 20 e os 34 anos (Gráfico n.º 12).

Sob o ponto de vista socioprofissional, naturalmente que, num concelho marcadamente rural como era o de Bragança, desprovido praticamente de indústria, se agruparmos os agricultores, lavradores, jornaleiros e os titulares de passaportes indiferenciados ou sem indicação de profissão – aqueles que se encontravam ligados à indústria ou aos serviços eram sempre bem identificados, profissionalmente, nos livros de registos de passaportes –, chegamos à conclusão de que 81,2% dos titulares de passaportes integravam o setor primário, nomeadamente a agricultura.
Uma análise mais fina das profissões revela-nos que, enquanto a emigração não teve significado, quem saía do Município era gente relativamente qualificada, ligado aos ofícios e ao comércio. Mas, a partir da década de 1880, os que emigram são trabalhadores rurais ou pequenos proprietários, arruinados pela extinção dos vinhedos ou pela usura (Quadro n.º 28).
Emigrantes numa estação transmontana de caminho-de-ferro com destino ao porto de Leixões
Além das profissões indicadas no Quadro anterior, encontrámos muitas outras, com apenas um, dois ou três titulares, como o agenciário, cozinheiro, ferrador, ferreiro, marceneiro, professor, aguadeiro, artista, caiador, canteiro, carteiro, cavouqueiro, dentista, engomadeira, fiscal aferidor, fogueiro, juiz da relação, marchante, mestre-de-obras, oficial do exército, padre, pintor, reservista, sacerdote, taberneiro, tendeiro. Individualmente pouco representativos, no seu conjunto acabam por traduzir a riqueza socioprofissional que existia na região.
Quanto ao destino dos emigrantes bragançanos, não surpreende que 92% deles se dirigisse para o Brasil, tendo como portos privilegiados de entrada Santos e Rio de Janeiro, e como destino final de trabalho os estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. A título de curiosidade, refira-se um “brasileiro”, natural do Município de Bragança – Castrelos –, António do Carmo Pires, que fez fortuna no Brasil e exerceu relevante ação benemérita em Portugal, contribuindo com uma verba importante para a construção do novo hospital da Misericórdia em Bragança. António Pires requereu passaporte em 23 de abril de 1874, para o Império do Brasil. Tinha então 30 anos, era filho de “pais incógnitos e solteiro”.
As saídas para a Europa eram muito reduzidas e esmagadoramente para Espanha. E o mesmo podemos dizer daqueles que partiam para as colónias portuguesas africanas – portanto, mais colonizadores do que emigrantes –, num total de 26 titulares de passaportes, com destino, sobretudo, para Angola (Quadro n.º 29 e Gráfico n.º 13).
Após 1910, a emigração do Concelho de Bragança vai atingir valores muito elevados, em sintonia, aliás, com o crescimento avassalador da emigração portuguesa nos anos que precederam a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Entre 1911-1913, o Distrito de Bragança foi mesmo aquele que registou o maior número de emigrantes.
Não é agora o momento para analisarmos a evolução do fenómeno emigratório no Município ao longo do século XX, uma vez que a sua investigação se encontra totalmente por fazer. Sabemos que o número daqueles que saíram de Bragança acompanhou proporcionalmente a emigração do Distrito, isto é, que baixou durante a Primeira Guerra Mundial, como até 1920-1930, voltou a descer a partir de então devido à crise económica mundial que então surgiu, e manteve-se a níveis modestos até ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A partir de meados do século XX, a emigração dos habitantes do Concelho de Bragança recrudesce novamente, agora já não em direção ao Brasil, mas rumo à Europa, destacando-se neste particular Espanha, pela sua proximidade geográfica, mas também França e Alemanha. Incapaz de manter a sua população em condições de dignidade mínima, o Concelho de Bragança viu-a partir à procura da subsistência das respetivas famílias, tornando-se numa das regiões mais repulsivas do País, sobretudo a partir dos anos de 1950.

E assim partiram muitos bragançanos, novos e velhos, homens e mulheres, prontos a recomeçar a vida noutras paragens, cidadãos de um concelho em viagem… Foram à procura da sorte noutras terras, conviver com outras gentes, sofrer a saudade da família e dos amigos, recordar o luar de agosto na aldeia, as malhas, as sementeiras, os amores…!
O Concelho escoava-se no Porto, Lisboa, Paris, Nanterre, St. Denis, Aubervilliers, Champigny, Hamburgo, Berlim, Westfalen, Andorra, Leon… à procura de um pão com sabor a lágrimas. No horizonte permanecia a firme vontade do regresso à sua Bragança natal, como tão bem disse o poeta emigrante bragançano Raul Morais:

Sozinho
Pelas ruas de Paris
Assobio baixinho
Canções de saudade
Do meu País
Aqui trabalho
E por estas ruas
Passeio, quando a noite vem
Envolta em seu manto negro
Tecido ao natural.
Mas não te iludas, França;
Porque só as minhas mãos são tuas;
A esperança, a minha esperança
Essa mora em Portugal.

Em conclusão, podemos dizer que a evolução da população de Bragança foi marcada pelas formas de organização do território que, em Portugal, se caracterizou pelo redireccionamento da ocupação humana do espaço, que privilegiou o litoral em relação ao interior. A ruralidade e o fraco desenvolvimento económico, apesar de algumas épocas de relativa vitalidade industrial, vão abrir caminho aos fluxos migratórios de saída, tanto para o litoral como para o estrangeiro, tornando-os uma constante da história contemporânea de Bragança e condicionando a dinâmica de desenvolvimento do Município e do Nordeste Trasmontano.
Bragança assistiu à debandada contínua da sua população ativa mais jovem, conduzindo-a inexoravelmente a um processo de despovoamento. Motivado por estranhos e insondáveis desígnios, quer o Concelho de Bragança, quer os restantes municípios que compõem o Distrito, não conseguiram fixar as suas populações, transformando-se numa enorme zona de repulsão.
Analisando os diferentes concelhos do Distrito, verificamos que a repulsão populacional foi uma constante a partir de meados do século XX, uma vez que praticamente todos os concelhos do Distrito de Bragança apresentam nos anos de 1951-1960, 1961-1970, 1981 1991, 1991-2001 e 2001-2011, percentagens significativas de repulsão populacional; no único concelho em que se verificou atração populacional na década de 1950 – Miranda do Douro –, tal facto ficou a dever-se, em exclusivo, à construção de três barragens hidroelétricas no Rio Douro, o que fez deslocar para aquele concelho muitas centenas de trabalhadores (Quadro n.º 30).
A repulsão populacional aumentou em todos os concelhos entre 1961 e 1970; os exemplos mais significativos são dados pelos concelhos de Miranda do Douro, que viu, com o final da construção das barragens hidroelétricas, passar de uma atração de 18,8% na década anterior para uma repulsão de 54,8%; de Vinhais, onde aumentou a repulsão de 3,5% em 1951-1960 para 58,7% em 1961-1970; e de Moncorvo, no qual a repulsão populacional mais do que triplicou do primeiro para o segundo período. Estes três concelhos foram responsáveis, entre 1960 e 1981, por cerca de 50% da diminuição da população do Distrito de Bragança, o qual teve, na década de 1960, uma perda de 34 478 habitantes.
A partir de um decréscimo populacional acentuado na década de 1960-1970, a população do Concelho – tal como a do Distrito – aumentou na década de 1970-1980, o que levou a pensar que se estava a inverter o fenómeno deveras preocupante do despovoamento; para este aumento da população não contribuiu, apenas e sobretudo, o regresso dos emigrantes; a grande contribuição foi dada pelo regresso forçado de milhares de residentes nas ex-colónias portuguesas, muitos deles naturais do Concelho e da Região e que aqui retornaram numa primeira fase das suas novas vidas – posteriormente, a grande maioria deste fluxo populacional abandonou a região, fixando-se nas cidades do litoral português ou em países estrangeiros.
Na década de 1981-1991 voltou a acentuar-se a tendência para o despovoamento do Distrito. A nível do Concelho de Bragança, o aumento verificado na repulsão populacional só pode explicar-se por dois fatores, o menor dinamismo dos saldos fisiológicos e/ou dos movimentos migratórios – mesmo que os saldos fisiológicos tivessem diminuído durante aquele período de tempo, tão elevados quantitativos de repulsão populacional têm de assentar na existência de fortes movimentos da população, sejam migrações internas ou emigrações.

Nos dez anos decorridos entre 1991 e 2001, continuou o despovoamento da região de Bragança, incapaz de fixar a sua população por manifesta ausência de atividade económica nos diferentes setores de atividade; as exceções são os concelhos de Bragança e de Mirandela, facto a que não será estranho, por um lado, o crescimento do Instituto Politécnico de Bragança e do polo deste em Mirandela, e por outro, uma certa atratividade destes centros urbanos em relação à população dos restantes concelhos.
Finalmente, na década de 2001-2011, o único Concelho que continua a atrair população é o de Bragança, embora a níveis menores do que os verificados na década anterior. O Instituto Politécnico continua a ser o grande polarizador de população, conseguindo minorar as perdas resultantes da transferência e/ou encerramento de muitos serviços públicos que estavam sediados no Concelho de Bragança; pese embora o facto do polo de Mirandela do Instituto Politécnico ter aumentado o número de alunos neste período temporal, tal não foi suficiente para evitar a perda de população verificada no Concelho de Mirandela. De qualquer modo, a nível do Distrito de Bragança a sucessiva perda de população, com concelhos muito próximos do limiar da desertificação, é calamitosa.
Os resultados do último recenseamento publicado em Portugal mais não fazem do que mostrar o contínuo despovoamento do interior, principalmente das zonas rurais, ainda que o Concelho de Bragança, muito por força da dinâmica da urbe, tenha contrariado esta tendência, registando um saldo migratório positivo.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

Sem comentários:

Enviar um comentário