domingo, 10 de junho de 2018

Autarcas do Norte querem poder de decisão e meios financeiros

Os autarcas do Norte não querem só pintar paredes de escolas ou pagar a conta da luz dos centros de saúde. A descentralização de competências do Estado Central tem de transferir poder de decisão para os municípios e as entidades intermunicipais, defendem os líderes da Área Metropolitana do Porto e das sete comunidades intermunicipais da região.
Os autarcas ambicionam mais do que o Governo socialista está disposto a conceder e essa vontade ficou clara, esta sexta-feira à tarde, no fórum da Área Metropolitana do Porto (AMP) sobre o desafio da descentralização, em que participaram os dirigentes das entidades intermunicipais da região.

Todos são favoráveis à descentralização, como assinalou Fernando Queiroga. "Há 310 pessoas no país que querem a descentralização: os autarcas, o primeiro-ministro e o ministro da Administração Interna", frisou o presidente da Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Tâmega, no centro de congressos da Alfândega do Porto.

No entanto, nada se faz sem dinheiro. A falta de clareza do Governo quanto às verbas que acompanharão as competências e os exemplos do passado recente (a transferência da gestão de escolas EB 2,3 com o compromisso de financiamento capaz, que não chegou) gera algum ceticismo.

"Não podemos aceitar uma tarefa sem saber quanto é que vai custar. O que aconteceu na Educação no passado foi um defraudar de expectativas. Se não existir uma correspondência entre as responsabilidades e os meios financeiros, não teremos condições para concretizá-las", alerta Ricardo Rio, presidente da CIM do Cávado. Também Gonçalo Rocha e Humberto Cerqueira, vice-presidentes da CIM de Tâmega e Sousa e do Ave, estão conscientes e receosos dos riscos financeiros da descentralização, sobretudo nos territórios de menor dimensão.

"Se o pacote financeiro for o que se sabe agora, daqui a três anos as autarquias estão desgraçadas. Estou muito cético em relação ao futuro das autarquias", complementa Fernando Queiroga, que reclama o cumprimento da Lei das Finanças Locais nas transferências para as autarquias, o aumento da participação municipal nos impostos e a revisão dos critérios de base de distribuição de meios financeiros.

Também Eduardo Vítor Rodrigues vê a proposta de Lei das Finanças Locais, que será discutida e votada na Assembleia da República na próxima sexta-feira, como "um primeiro passo, que fica muito aquém do que gostaríamos e muito longe do que deveria".

Os líderes das entidades intermunicipais da região exigem mais da descentralização, na certeza de que não basta entregar aos municípios as tarefas administrativas que o Estado não quer cumprir. Estão dispostos a fazê-las, porém também querem ter uma palavra a dizer nas políticas de Educação e da Saúde, por exemplo, que podem fazer a diferença na qualidade de vida dos cidadãos.

"A parte operacional passa para as CIM e para os municípios, mas os centros de decisão continuarão onde estão. Isso não é descentralizar. Descentralizar é passar os centros de decisão para a parte operacional", condena Artur Nunes, presidente da CIM de Terras de Trás-os-Montes. Uma crítica repetida pela generalidade dos autarcas.

"O que devemos perguntar é se é suficiente pagar a conta da água e da luz dos centros de saúde. Isso não é uma verdadeira descentralização. A descentralização é definir estratégias, como o combate à obesidade infantil ou os cuidados aos idosos", argumenta José Maria Costa, presidente da CIM do Alto Minho.

A saúde foi também o exemplo escolhido por Domingos Carvas para demonstrar um dos poderes que devem ser concedidos às autarquias. O vice-presidente da CIM do Douro e autarca em Sabrosa dá conta de como a falta de um médico no seu município deixa um "sem número de pessoas sem assistência", caso não seja designado um substituto rapidamente. O custo da interioridade resulta numa falta de oferta na área da Saúde para colmatar uma insuficiência do Serviço Nacional de Saúde. O socialista rejeita que a descentralização seja apenas "uma barriga de aluguer", isto é, uma oportunidade para o Estado ver-se livre de tarefas administrativas.

"A descentralização tem que dar capacidade de decidir o que faz falta aos autarcas. Ter a chave do centro de saúde para desligar a luz, colocar um auxiliar ou pintar paredes, não é descentralização. Que a descentralização sirva para que a câmara possa contratar um substituto na ausência de um médico no centro de saúde. Caso contrário, a descentralização não terá valido a pena", exemplifica.

Já para Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Área Metropolitana do Porto, as tarefas administrativas e burocráticas da descentralização são uma forma dos municípios colocarem o pé na porta em competências que hoje lhes estão vedadas. "Podemos demonstrar aos cidadãos que, a reboque dessas tarefas, criaremos um novo mundo de medidas", como sucedeu quando assumiram a gestão do parque escolar do 1.º Ciclo.

Desde então e ainda antes da iniciativa do Governo, muitas câmaras criaram ATL, melhoraram a oferta alimentar e começaram a dar manuais escolares aos alunos.

"Estamos disponíveis para reconfigurar essas tarefas em novas formas de intervenção. Fazemos no dia-a-dia muito mais do que a lei impõe e fazemos supletivamente ao Estado que, tendo as competências, não as exerce no território", concretizou o socialista, convicto de que a capacidade de resposta municipal dará confiança ao cidadão para validar a regionalização dentro de poucos anos.

Os líderes das entidades intermunicipais do Norte, que assumiram uma posição unânime na luta pela reprogramação dos fundos comunitários do Portugal 2020, já olham para uma nova batalha: o novo quadro comunitário de apoio 2020-30.

"A reprogramação foi o aquecimento, foi o jogo de preparação, que nos habilita para trabalhar todos juntos e preparar uma proposta para o novo quadro comunitário na disputa com o Governo e com Bruxelas", avisa Eduardo Vítor Rodrigues. "Nós gostamos da luta da reprogramação e estamos musculados para a luta do novo quadro comunitário".

Carla Sofia Luz
Jornal de Notícias

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