quinta-feira, 14 de junho de 2018

UMA SURPREENDENTE EXCEÇÃO – A SERRA DE NOGUEIRA E O INTERFLÚVIO TUELA- -SABOR

Num território profundamente desarborizado, como era a Terra Fria de Bragança no século XIX e inícios do século XX, a Serra de Nogueira e o território que dela se estende para norte destoavam pela persistência da árvore.
Vista Geral da Serra de Nogueira
Nos meados do século XVIII, um abade de Rebordãos, Caetano Pinto de Morais, mencionava que o clima da Serra de Nogueira “é frio, o que recompensa com o grande provento que tem de lenhas“. Pereira, em 1910, é mais explícito quando refere: “É certo que, com a nudez arbórea que por este lado [Serra de Montesinho] nos descontenta, contrasta singularmente o aspeto das montanhas a oeste da Cidade [Bragança], regularmente vestidas de arvoredo. 
Desde o Castro [de Avelãs], seguindo pela Castanheira, Formil, Gostei, Donai, etc. a arborização ostenta-se, ora em maciços, ora esparsa, mas enfeitando mais ou menos o terreno e embelezando a paisagem”.
Também o Abade de Baçal se espantou com a extensão das florestas na Serra de Nogueira e no interflúvio Tuela-Sabor: “Numa larga faixa de terrenos de mais de vinte quilómetros de comprimento e passante de cinco de largura, que, do ponto central de Castro de Avelãs, onde existiu o famoso mosteiro beneditino, se estende às povoações de Oleirinhos, Meixedo, Carragosa, Rio Frio de Carragosa, Espinhosela, Terroso, Vilarinho de Cova de Lua, Gondesende, Oleiros, Portela, Lagomar, Sabariz, Donai, Vila Nova, Castrelos, Alimonde, Conlelas, Carrazedo, Grandais, Castro de Avelãs, Gostei, Castanheira, Formil, Fontes Barrosas, Nogueira, Rebordãos, Sarzeda, Mós, Sortes, Lanção, Viduedo, Santa Comba de Rossas, Arufe, Rebordainhos e Pinela, deixou o frade essa famosa mata de castanheiros bravos e enxertos que ainda hoje faz a riqueza da terra, a par de outras de carvalhos, também valiosas”.
Campo de Centeio no Concelho de Bragança
O casal de biólogos franceses, Pierre e Valentine Allorge, em 1949, numa excursão botânica à Serra de Nogueira realizada em 1931, reparou, todavia, que apesar de não rarearem, “as árvores eram intensamente exploradas para madeira de construção, para o aquecimento e para as camas dos animais”, e rapava-se a folhada dos carvalhais para fertilizar as hortas. “A rebentação [de raiz] das árvores era intensa... e os troncos raramente mediam mais de 2,5 m de altura e 20 cm de perímetro”.
Já Pereira, em 1910, havia contraposto: “É certo que por aquele lado [Serra de Nogueira] a árvore não escasseia; mas mesmo por aí se notam largas manchas de ermo, que outrora foram matas cerradas de carvalho, hoje, mercê do machado destruidor, reduzidas a vegetação rasteira”. Embora intensamente explorado, não como bosque, mas reduzido à fisionomia de arbusto, o carvalho resistia, como refere Taborda de Morais, em 1932: “Os maquis [vegetação arbustiva alta] de carvalhos cobrem o flanco oeste da Serra de Nogueira até 1200 m”.
O Abade de Baçal arriscou uma explicação para a singularidade do coberto vegetal da Serra de Nogueira e áreas circunjacentes: “Verdadeiramente, não temos elementos para mostrar, embora existam muitos, que todas estas matas são obra de frade; no entanto é mui provável conjuntura”. Pereira havia defendido a mesma hipótese.
Todavia, não é de modo algum expectável que num território étnica e culturalmente homogéneo como Trás-os-Montes possam ter emergido sistemas de agricultura tão díspares, de modo que uns conduzissem à eliminação da floresta e outros, numa serra vizinha da capital de Distrito, tenham mantido uma paisagem seminatural, onde a toiça arbustiva de carvalhos – as carvalheiras –, e os campos agrícolas e lameiros orlados de árvores constituíam os elementos matriciais da paisagem.
Campo de Centeio no Concelho de Bragança
No Concelho de Bragança é por demais evidente que os solos derivados das rochas básicas, dominantes na Serra de Nogueira e no planalto que se estende desta serra, grosso modo, até à estrada nacional 308, entre Vila Nova e Mofreita, têm um efeito marcado na paisagem e nos sistemas de agricultura atuais. 
Se comparados com os solos derivados de outros substratos litológicos (granitos ou xistos), em idênticas condições geomorfológicas e climáticas, os solos de rochas básicas são muito mais profundos e férteis. Nos solos derivados de rochas básicas, a perturbação pelo fogo, corte e pastorícia liderada pelo homem é insuficiente para provocar a substituição do carvalhal pelos mosaicos de urzal e prado que colonizam os relevos convexos da Terra Fria Bragançana ácida. Conquanto a estrutura característica da floresta se extinga, em seu lugar persistem formações secundarizadas baixas de carvalhos (carvalheiras) e gramíneas passíveis de pastoreio.
Em resumo, a litologia explica, em simultâneo, a resiliência dos carvalhos na Serra de Nogueira e a sua eliminação nas elevações xistosas e graníticas. O frade admirado pelo Abade de Baçal conhecia a terra, selecionava-a com critério, mas a capacidade de modificar em seu favor as condições agro-ecológicas do território estava inexoravelmente restringida por fatores ambientais e tecnológicos.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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