quarta-feira, 15 de julho de 2020

As tentativas de regeneração da sericicultura em Bragança e as indústrias tradicionais do Concelho (1875-1900)

A partir de 1875, os agrónomos do Distrito de Bragança procuraram encontrar soluções para travar o afundamento da sericicultura na região, mas em vão. No Concelho de Bragança, em 1876, a criação do sirgo reduzira-se já para 1/10 daquilo que fora, tecendo se ali “alguma coisa, mas insignificantíssima”.


O agrónomo Guilherme da Silveira, que sucedeu a Pereira Coutinho, ainda continuou a criar sirgo e a selecionar sementes na Quinta Distrital de Bragança mas, voltando-se as atenções oficiais e particulares para a vinha, a sericicultura quase ficou esquecida. À Exposição Universal de Paris, em 1878, ainda concorreram as sedas do Distrito de Bragança, acompanhadas de casulos das raças piemontesas, mas tão-só como mera curiosidade.
O Inquérito Industrial de 1881 permite-nos efetuar um balanço da sericicultura e da indústria das sedas em Bragança, onde a maior parte das indústrias aí mencionadas só de indústrias tinham o nome, sendo “raríssimos” os estabelecimentos fabris de alguma importância. Indústria propriamente dita “quase não existe”. A escassez e fraca qualidade das matérias-primas e a ausência de vias de comunicação faziam com que não só a indústria, mas todas as fontes de riqueza do Distrito, existissem apenas em “estado rudimentar”. Este inquérito permite-nos ainda conhecer a reduzidíssima atividade industrial do Município de Bragança.
Assim, efetuava-se a exploração de cal em Cova de Lua, nos jazigos de calcário aí existentes, feita por “sistema primitivo, abrindo fossas cujo fundo é coberto de combustível”, sendo este a raiz de urze.
No domínio da cerâmica fabricava-se louça de barro ordinário, de pasta vermelha e tijolo, produtos consumidos na região, sendo desconhecidos “os processos de vidrar”.
No setor das massas, existia uma fábrica de pequena importância, fundada em 1872, que funcionava apenas dois meses por ano, com dois operários, e que transformava em massas os trigos da lavoura do seu proprietário, encontrando-se decadente.
Existiam ainda na Cidade alguns carpinteiros de obra miúda, produzindo tamancos e conhecidos pelo nome de pauseiros; poucos marceneiros que faziam os móveis para as casas de Bragança, utilizando a madeira de nogueira; e alguns artífices, caldeireiros e serralheiros – um que fazia aparelhos de cobre para destilação do vinho; outro que fabricava camas de ferro, fogões de cozinha e grades para sacadas, e um último que produzia tinteiros, candeeiros, torneiras, candelabros e utensílios de cozinha, tendo como matérias-primas sucata de cobre, estanho, zinco e antimónio, fazendo a liga dos metais em cadinhos.
Uma notícia histórico-económica sobre Bragança, de 1885, publicada em O Districto de Bragança, referia que, além da inexistência de outras indústrias, da sua “antiga indústria do fabrico da seda já nada existe”, a evidenciar que, na década de 1880-1890, nenhuma ação, nenhum investimento significativo tinha sido realizado para alterar a economia típica de Antigo Regime, que teimosamente continuava a prevalecer nesta região. A desconfiança quanto à proteção dos poderes públicos e o receio de que os seus produtos não pudessem competir com os seus congéneres, nacionais ou estrangeiros, levavam a que os capitais se retraíssem e os industriais se conservassem no seu “primitivo atraso, desprovidos de qualquer progresso”. Indústrias rudimentares, sem método, representavam tão só um subsídio acidental e insignificante para a faina agrícola,“ meros expedientes de auxílio na vida económica e individual e nas vagaturas de misteres agrícolas”.
Na década de 1880, o inteiro aniquilamento da cultura do sirgo, a baixa considerável do preço do azeite, a elevada depreciação dos gados e, por último, a total destruição da viticultura pela filoxera, mergulharam a região numa “crise extraordinária”, que acabou por envolver e dominar todas as classes. A cultura do sirgo constituía “um elemento de riqueza incalculável”, gerando lucros substanciais, “uma receita subsidiária da classe jornaleira”, podendo dizer-se que cada domicílio possuía em qualquer recanto a sua pequena sirgaria”. Mas agora, no curto espaço de 10 ou 12 anos, todas essas receitas tinham sido aniquiladas. Os clamores dos agrónomos do Distrito de Bragança não tiveram o mais pequeno eco, de tal forma que, por 1890, o problema já não era apenas o de combater a doença que fazia definhar a cultura do sirgo, outrossim, ressuscitar a própria cultura, que praticamente deixara de existir.
Em 1890, o novo Inquérito Industrial veio por a nu a dramática situação do Concelho de Bragança, quanto a este setor económico, generalizável, aliás, a todo o Nordeste Trasmontano. Isto é, na última década de Oitocentos, o panorama industrial do Município de Bragança era bem mais reduzido do que aquele que, um século antes, registava. Mais, Bragança exibe então uma situação típica da pré-industrialização, do domestic system, não se detetando ali qualquer indústria com significado. Em 1890, tudo se reduz, no âmbito das indústrias extrativas, à exploração de uma mina, à lavra de pedreiras e a “pequenas indústrias” semelhantes às que os aglomerados populacionais de pequena dimensão tinham durante o Antigo Regime.
No Concelho de Bragança encontrava-se em exploração apenas a mina de estanho das Texugueiras, onde trabalhavam entre 28 a 100 pessoas, na sua maioria oriundas das povoações vizinhas como Parada e Paredes, com uma produção “muito limitada”, tendo como proprietária a Sociedade Geral das Minas de Estanho de Bragança, com sede em Paris. A exploração de pedreiras neste Município limitava-se aos jazigos de calcário existentes em Cova de Lua, Rabal, Rebordãos e São Pedro. As pedreiras da Cova de Lua, exploradas de longa data, forneciam a pedra para o fabrico da cal, de que se abastecia toda a Cidade de Bragança. O jazigo era explorado por quatro homens, proprietários de outros tantos talhões, cada um possuindo o seu forno. As pedreiras de Rabal, Rebordão e São Pedro dispunham de quatro fornos, inativos em 1889-1890.
“Estabelecimento” industrial, ou seja, “fábrica”, existia apenas uma, a sapataria de António Augusto de Castro Santa Maria, na Rua Direita, em Bragança, fundada em 1861, com nove operários e aprendizes (venciam o salário de 250 a 300 réis, trabalhando doze horas por dia), que produziu em 1889 140 pares de sapatos e botas, sofrendo a concorrência local de 64 sapateiros distribuídos por 34 lojas, que produziam idêntico calçado.
Neste quadro das “pequenas indústrias”, o capital fixo e circulante mais elevado, quase 30 contos de réis, diz respeito ao setor da moagem, seguido a larga distância, pelo dinheiro aplicado pela indústria do linho, com perto de três contos de réis, distribuído por 28 tecedeiras (Quadro n.º 46).


A decadência da sericicultura, seguida do afundamento da viticultura, teve sérias consequências sociais para os bragançanos. Famílias inteiras, a braços com a miséria extrema, emigraram; outras desmembraram-se, lançando os filhos na vadiagem e as filhas na prostituição. A mortalidade infantil cresceu significativamente.
As casas tombavam em ruínas e o aspeto dos povoados era cada vez mais “desolador e triste”, como tristes e desolados viviam os moradores que as habitavam, mergulhados na “extrema penúria”. O analfabetismo ultrapassava os 85% em 1900. Bragança, na viragem do século XIX para o século XX, conheceu, porventura, um dos períodos mais dramáticos da sua História Contemporânea, a exigir, por parte do Estado, como os decretos de 1898 reconhecem, “um impulso vigoroso para entrar na senda do progresso e desenvolvimento agrícola”. Mas o tempo da sericicultura e da indústria da seda era já passado.
No rescaldo da Primeira Guerra Mundial, o Governador Civil de Bragança, Carlos Alves, na publicação que dedica a Bragança e ao seu Distrito, dá-nos um panorama confrangedor da indústria no Município de Bragança, a revelar que o quadro geral estabelecido em 1890, quanto a este setor de atividade económica, se mantinha praticamente intacto. Refere a este nível, na Cidade de Bragança, os objetos produzidos pelos “latoeiros de amarelo”, que produziam tinteiros e candeeiros de metal com acessórios suspensos por correntes e o pé delgado ou torneado; objetos de cobre como caldeiras de lareira, alambiques e braseiras com as respetivas pás, tendo “a sua oficina de fabrico e conserto na Rua de Santo António, em Bragança”; oficinas manuais de funileiros que trabalhavam, em folha, o estanho e o cobre; e a marcenaria que só aqui tinha “algum merecimento”; nas freguesias do Concelho refere apenas a indústria caseira de lã e de linho, garantida por “teares rudimentares espalhados pelas aldeias”; os fornos de Castro e Grandais, que abasteciam o Município de telhas; e na olaria, as panelas, bilhas, cântaros, alguidares “e outros artefactos” de Pinela, que vivia desta indústria.
Em conclusão, podemos dizer que a indústria das sedas, historicamente, constituiu o setor industrial mais importante de Bragança, reinando sem concorrentes até ao século XX. Foi, durante séculos, a atividade económica desta Cidade mais aberta ao exterior e mais precocemente seduzida pela mentalidade capitalista. Foi, sem dúvida, a atividade produtiva que, simbolicamente, mais perene e duradouramente contribuiu para o reconhecimento nacional e internacional da região brigantina e da sua identidade.


Por todos estes aspetos, a indústria das sedas em Bragança revela-se um legado único, lamentavelmente abandonado e inaproveitado até praticamente ao presente. Por isso, em 2007, a Câmara Municipal de Bragança inaugurou o projeto Centro de Ciência Viva/Casa da Seda. Esta última encontra-se instalada numa antiga tinturaria recuperada, de entre as várias que operavam no Rio Fervença, e apresenta uma exposição que tem como tema central a seda, bem como a biologia do bicho-da-seda, uma vez que se pretende com este projeto oferecer um espaço integrado de divulgação científica, aprendizagem e entretenimento, uma exposição lúdica e interativa do universo da seda. A Casa da Seda procura, assim, aliar a tradição à inovação, a memória histórica às tecnologias e interfaces interativas, contribuindo, pelo seu carácter inovador, para a divulgação do património da cultura e da indústria da seda na região de Bragança.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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