sexta-feira, 24 de setembro de 2021

DOS LIVROS E DOS ESCRITORES TRANSMONTANOS

Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)

Nunca se escreveram tantos livros e nunca se leu tão pouco como atualmente. Esta é a minha convicção, sem nenhum rigor de análise, somente pela observação do que se passa à minha volta. A oferta de livros é imensa, a compra reduzida. Há os que compram livros por que gostam de ler, de se informar, pela paixão, pelo romance, pela beleza do poema, pela curiosidade de descobrir o mistério que envolve as palavras na ficção, ou no rigor científico. Há os que compram livros na esperança que um dia vão ter tempo de os ler, ou então, pelo prazer bizarro de enfeitar a estante para dar um ar de intelectual e de interesse pela cultura. Infelizmente o Espírito Santo já não desce do Céu em línguas de fogo, portador do conhecimento e do dom de falar todas as línguas e os livros permanecem na estante adiados, inúteis, acumulando pó e traças nocivas.
Longe vai o tempo em que publicar um livro era uma epopeia. Ou se recorria à edição de autor, pagando este o custo da edição e fazendo a divulgação e venda do mesmo, ou então esperava tempos infindos que uma editora se desse ao trabalho de apreciar a obra e na maior parte das vezes não mostrar qualquer interesse pela sua publicação.
Felizmente ainda existem algumas editoras que perseguindo o lucro, o que é normal, se interessam também pela promoção da cultura. E há mesmo editoras que privilegiam os autores transmontanos, sendo já um mercado interessante.
Mas hoje surgiu um novo conceito de editora, ou melhor de comércio do livro, sem as ditas editoras correrem qualquer risco na edição que é o mesmo que dizer, é tudo lucro.
O autor manda o seu original para as referidas editoras. Passados, não mais de dez dias, recebe uma carta informando que a sua obra foi considerada de interesse e mérito e se insere na linha editorial. O autor rejubila, pois finalmente a sua criação literária foi reconhecida. Honra ao mérito! Só que passado mais algum tempo recebe outra carta informando que afinal, para a sua obra ser editada, tem que comprar um número significativo de exemplares. Resumindo, o autor com a compra que efetua, paga a edição do livro e a editora recebe o lucro sem qualquer risco. Consumado o negócio a editora manda imprimir os livros que o autor irá comprar e presumivelmente mais alguns para a distribuição sem se saber bem a que livrarias chegam.  
Por outro lado, salvo raras exceções, cada vez se torna mais difícil a um autor do interior do país, conseguir colocar os seus livros nas grandes livrarias, ou nas grandes superfícies, mesmo à consignação, porque o espaço custa dinheiro. No caso de Bragança, só em duas, ou três livrarias tradicionais se encontram os livros de muitos autores transmontanos. Então nos CTT que também vendem livros, nem pensar encontrar um livro dos escritores da região. O curioso é que os CTT e as grandes superfícies arrecadam as divisas dos transmontanos, mas pouco contribuem para a divulgação e promoção da cultura regional.
O mesmo se passa com as televisões. Nos programas mais populares da manhã, ou da tarde, com frequência aparecem escritoras e escritores, muitas vezes da “linha de Cascais” que é o mesmo que dizer, os conhecidos doutras águas, a apresentar o seu livrinho de autoajuda, ou biografia, com grande divulgação e com a promessa de voltarem em breve a falar do sucesso editorial. E verificamos, com desagrado, que raramente aparece um escritor transmontano no pequeno ecrã, embora felizmente haja tanta gente a escrever muito bem. E assim vai a coesão do país em que o interior profundo morre paulatinamente afagando promessas. O ministro e o secretário de estado, como lhe compete, visitam a região, apreciam a gastronomia, a cultura, a hospitalidade transmontana, os recursos endógenos e deixam promessas de combate às assimetrias regionais. E nós, pacientemente, esperamos que assim seja. Estamos cansados de ouvir alguns pseudointelectuais da capital e arredores referirem-se à província, com um sorriso palerma, como se fosse o lugar do fim do mundo, onde o homem das cavernas, timidamente, começa a ver a luz da civilização, argumentando que a falta de população não justifica o investimento. Coitados! A ignorância é atrevida. Como diz Fernando Pessoa: “É a hora!”. Transmontanos, é a hora!


Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança. 
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.

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