sexta-feira, 20 de julho de 2018

IMPRENSA E REGIONALISMO EM BRAGANÇA. DO LIBERALISMO AOS ALVORES DO ESTADO NOVO

Apesar da localização geográfica periférica e das consabidas fragilidades económicas da região, pode dizer-se que a capital transmontana participou de forma activa na história da imprensa portuguesa. Uma análise da imprensa de Bragança, do liberalismo aos alvores do Estado Novo, revela um movimento não só precoce como significativo, quer em termos quantitativos quer qualitativos.

Por outro lado, a preocupação regionalista assume frequentemente a dupla vertente de reivindicação face aos poderes centrais e de exortação ao desenvolvimento na dimensão local.
Começando justamente pela sua precocidade deve referir-se que, à excepção de Lisboa, Porto e Coimbra, Bragança foi a primeira cidade a publicar um jornal. O Pharol Transmontano fez entrar a cidade nas lides da imprensa periódica pela porta grande já que esta folha mensal, que iniciou a publicação em Setembro de 1845, constitui uma das pérolas da imprensa da época, quer sob o ponto de vista formal quer de conteúdos, tomando como modelo o famoso Panorama de Alexandre Herculano.
Ciente do papel da imprensa periódica como “instrumento maravilhoso” da vulgarização dos conhecimentos e veículo da universalidade e popularização da civilização moderna, o Pharol Transmontano sublinhava, no programa que previamente distribuiu, os seus objectivos primordiais: difusão das luzes pelas classes mais baixas para melhorar a condição moral e material dos homens, a necessidade de aperfeiçoamento da instrução, sobretudo aos níveis primário e secundário, e a preparação do povo para uma vida política mais activa. Estas necessidades pareciam mais prementes “aqui, aonde por differentes motivos peculiares se torna tão notavel a falta d’estudos e de conhecimentos indispensaveis ao homem”. Este periódico dedicou-se, pois, à propagação da instrução e recreio, bem como a “indicar os differentes interesses e necessidades industriaes da Provincia, e os meios de lhe acudir”. Isto é, além das humanidades (biografias, excertos dos clássicos, história e património) e da útil sinopse de leis, portarias e decretos extraída do Diário do Governo, predomina a literatura técnico-científica – agricultura, pecuária e indústrias – patenteando a divulgação dos últimas descobertas e aperfeiçoamentos, bem como a reivindicação de novos métodos agro-industriais. Por todas estas características, o Pharol constitui uma preciosidade no cenário da imprensa de Bragança.
Os finais de Oitocentos marcam um progresso da imprensa periódica portuguesa devido à elevação do nível cultural das populações rurais e à melhoria das vias de comunicação e das relações postais e Bragança não foi excepção.
Mas, também à semelhança do resto do país, a imprensa política predominou na região. A partidarização da vida política nacional nas últimas décadas da Monarquia não deixou de se reflectir nas folhas da cidade.
O principal periódico regenerador foi a Gazeta de Bragança que se começou a publicar nos inícios de 1892, embora tivesse sido antecedida por O Brigantino, iniciado em 1886, e por O Sudoeste, publicado entre Janeiro e Setembro de 1890. A Gazeta teve como fundador e director o conselheiro Abílio de Madureira Beça, doutor em Direito e professor do Liceu de Bragança que foi deputado em várias legislaturas e governador civil do distrito. Morreu poucos meses antes do fim do semanário, sendo então substituído provisoriamente por Mário de Almeida (administrador e proprietário) e, depois, por Alfredo Rodrigues. Como era de esperar, a Gazeta terminou a publicação em 1910 (19 de Outubro), com cerca de um milhar de fascículos editados, assumindo então que não tinha “mais razão de existir”. Ao longo de dezoito anos, este semanário cumpriu a dupla função de órgão local de um partido nacional, desvendou aos seus leitores os meandros político-partidárias do país, atacou sem rebuço o opositor mais temido – o partido progressista – mas também se assumiu como defensor dos interesses da região, pugnando pelo desenvolvimento local. Além da organização dos serviços municipais nos mais diversos domínios, reclamava melhoramentos em matéria agrária (questão cerealífera, arborização, etc.), o aproveitamento mineral (nomeadamente a exploração das jazidas auríferas), o alargamento da produção de energia eléctrica, a instrução e beneficência e, de uma forma recorrente, a questão das comunicações. Além do caminho de ferro, as melhorias viárias eram apresentadas como indispensáveis à região, assumindo nos anos 1908-1909, particular relevância a ligação internacional Bragança-Zamora, através da construção de uma ponte sobre o Maçãs (Quintanilha – S.Martin del Pedroso), financiada em partes iguais por portugueses e espanhóis, com vista à realização da almejada “estrada macadamisada” destinada ao trânsito automóvel.
Outro periódico da cidade que defendeu as hostes regeneradoras sem, todavia, o demonstrar no título foi o Districto de Bragança. Semanario Politico, Literario e Noticioso, publicado entre Março de 1902 e Junho de 19077. Tendo como directores políticos Teixeira de Sousa e Alberto Charula, a sua vertente regionalista é secundarizada pela dimensão politico-partidária em que sobressai o apoio a Hintze Ribeiro. O Correio Brigantino foi outro título afecto aos renovadores, tendo a sua publicação ocorrido entre 1905 e 1907.
O partido progressista entrou pela mesma altura nas lides da imprensa local: O Nordeste começou a publicar-se a 4 de Julho de 1888, fundado e redigido por Aníbal Augusto Rodrigues Valente que, em 1895, cedeu a propriedade do semanário ao centro progressista de Bragança. Em 15 de Julho de 1910 suspendeu a publicação por “razões económicas” segundo justifica no 1º número do seu continuador – Notícias do Nordeste – que começou a publicar-se apenas uma semana depois, em 22 do mesmo mês. Também o órgão dos progressistas aliou a abordagem partidária nacional às preocupações locais, sobretudo de carácter agrário, evidenciando, contudo, uma vertente mais crítica em relação às instituições monárquicas. A revolução republicana suscitou-lhe uma interrupção da publicação durante três semanas, retomando em 28 de Outubro de 1910 com o subtítulo Semanario Independente.
Relativamente ao novo regime, admitia que era necessário “aceitar os factos tal como eles são”, comentou largamente a questão religiosa e, neste processo de relativa “adesivagem”, aplaudiu a preparação da Lei da Separação entre o Estado e as Igrejas, que entendeu como “liberdade regulamentada”, bem como outras leis da República. Terminou a publicação em 20 de Janeiro de 1911, patenteando nos últimos números uma nova secção sobre agricultura, da autoria do agrónomo António de Moura Pegado que aí publicitou a fundação da “Liga de Defeza dos Interesses do Districto de Bragança” (de que adiante se falará).
A necessidade de valorização regional era sentida pelos filhos da terra mesmo se estes se encontravam distantes, ou talvez, por isso mesmo. Trindade Coelho levou esta preocupação ao ponto de publicar em Lisboa um periódico mensal que pretendia dar conta do que no Parlamento se passava acerca do seu distrito, “o mais descurado de todo o paiz, e aquele, portanto, que mais reclamava dos seus representantes em cortes, uma porfiada e energica acção em prol dos seus despresados interesses”.
Lamentavelmente, o Boletim Parlamentar do Districto de Bragança não foi além do quinto número (publicou-se entre 17 de Fevereiro e 28 de Maio de 1901) mas não deixou de cumprir os seus objectivos: por um lado, zurzir a ineficácia e desunião dos deputados transmontanos e, por outro, clamar pelas reformas e melhoramentos de que a província carecia, designadamente a nível das comunicações viárias, da instrução e do combate à criminalidade. Anexos a este periódico saíram os Folhetos para o Povo que Trindade Coelho escreveu, segundo palavras do abade de Baçal, “no intuito altamente humanitário e patriótico de ilustrar os seus conterrâneos do distrito de Bragança, fazendo-os entrar no conhecimento dos seus interesses e modo de os realizar”. Curiosamente, o autor do Manual Político do Cidadão Português foi fundador e/ou colaborador efectivo de cerca de três dezenas de publicações periódicas mas nenhuma de Bragança. Todavia, vários foram os jornais brigantinos que fizeram o elogio do filho ilustre do distrito ou publicaram trechos político-literários da sua autoria, como a Gazeta de Bragança, A Pátria Nova, Jornal de Bragança, entre tantos outros.
A imprensa republicana, tal como em todo o território nacional, revelou-se fundamental no concelho. Em Bragança, inaugurou-se através de O Democrata que se publicou nos primeiros meses de 1896, assumindo no 1º de Maio desse ano o título Voz da Pátria, semanário de que terão saído apenas quatro números.
Mas o mais carismático periódico republicano de Bragança foi A Patria Nova cuja publicação se iniciou em 31 de Janeiro de 1908 e terminou em Maio de 1915, provavelmente em consequência da revolução de 14 desse mês. Tendo por lema “Pela República” e como vinheta o castelo de Bragança, até 26 de Janeiro de 1910 este semanário foi dirigido pelo Dr. João de Freitas, republicano de longa data que após o 5 de Outubro foi nomeado governador civil do distrito. Este advogado e professor liceal que colaborou em diversos jornais republicanos de Lisboa, Porto e Coimbra, viria a ser morto no Entroncamento (a 17 de Maio de 1915) após perpetrar a tentativa frustrada de assassinato de João Chagas, nomeado três dias antes presidente do ministério. Implantada a República, o jornal retomou a publicação a 12 de Outubro sob a direcção de Júlio Rocha, sucedendo-lhe no cargo António Quintela, outro professor liceal, e depois o engenheiro Agostinho Lopes Coelho.
Assumindo-se “inabalavelmente republicanos” no editorial, os criadores da Patria Nova entenderam, desde logo, defender “a instrução popular como base da educação da sociedade portugueza”. Com efeito, a problemática do ensino esteve sempre presente ao lado de outros assuntos de reconhecido interesse local – da agricultura à navegabilidade do Douro, da arborização regional à “viação acelerada” reclamando a ligação Bragança Zamora – apresentando, por exemplo, um noticiário desenvolvido do movimento económico de Bragança e seu distrito. O semanário chamava a atenção da desigual repartição do orçamento geral, lembrando que a região era “sistematicamente esquecida, se não desprezada na distribuição de benefícios que o Estado dispensa”, recaindo a responsabilidade desta situação sobre a política local que se digladiava em “questões de intriga mesquinha”.
Com a República, a Patria Nova incidiu sobretudo nos temas políticos e anticlericais, assumindo mesmo, em 27 de Janeiro de 1911, o subtítulo Orgão do Partido Republicano de Bragança. As preocupações locais regressaram timidamente, mais tarde, pelo ano de 1913, após o ímpeto revolucionário dos primeiros tempos do regime, cedendo espaço, no ano seguinte, às questões relacionadas com a 1ª Grande Guerra.
A divisão da família republicana não podia deixar de se reflectir na imprensa bragançana. Em 12 de Fevereiro de 1911 foi dado à estampa O Concelho de Bragança. Orgão do partido republicano conservador local que, dois meses volvidos, findou a publicação (nº 9, 16 de Abril). Na curta existência deste semanário que faz o respigo da imprensa nacional e de que foi director e proprietário o médico e professor do liceu António Olímpio Cagigal, avultam os ataques político-pessoais, os confrontos com o jornal A Patria Nova, ficando a vertente regionalista reduzida a uma pequena e pouco frequente secção intitulada “Interesses Locaes”.
O semanário Notícias de Bragança assumiu no 28º fascículo, isto é, em 29 de Agosto de 1912, o subtítulo Órgão do Partido Democrático. Teve como directores Olímpio Dias e, a partir de 23 de Janeiro de 1913, Alberto Charula, doutor em Direito e deputado durante a Monarquia e a República. Publicou-se durante mais de cinco anos, findando em 30 de Agosto de 1917 (nº 288). Às questões nacionais, este jornal aliou uma inequívoca vertente regionalista plasmada em centenas de textos que reflectiam sobre questões agro pecuárias, que reclamavam o sempre adiado fomento transmontano, que explicavam a necessidade de estradas e de caminhos de ferro, que denunciavam a preocupante emigração transmontana para o Brasil, entre outros assuntos. Todavia, essa vertente esbate-se paulatinamente para prevalecer, nos últimos anos da publicação, a inevitável pugna partidária republicana.
Com o subtítulo Semanário Independente, Político, Literário e Noticioso publicou-se, entre 10 de Novembro de 1912 e 2 de Novembro do ano seguinte (num total de 52 números), O Montanhês do Norte cuja direcção coube a Álvaro de Mendonça Machado de Araújo. O seu editorial sublinhava a intenção da imparcialidade, sem qualquer ligação a partidos políticos, atendo-se apenas à defesa dos interesses da pátria, e em especial “deste rincão transmontano”.
O mesmo texto assinalava ainda que o periódico pretendia “instruir e elucidar o povo”, bem como fugir das questões pessoais. Aliás, o artigo “O Jornalismo Provinciano” sublinhava a pouca importância que a imprensa regional lograva alcançar justamente porque pouco mais fazia do que bajular amigos e insultar inimigos, envolvia-se em desabridas lutas pessoais e os seus protagonistas eram, geralmente, mal preparados. Não obstante estas declarações, o Montanhês patenteou nítidas simpatias pelo partido evolucionista de António José Relvas e implícito desagrado pelo partido democrático de Afonso Costa. 
Os temas que versou focalizaram, essencialmente, as questões e as comoções nacionais suscitadas pelas medidas do novel regime republicano, remetendo os “Assuntos Regionaes” para a 2ª página.
Por sua vez, O Transmontano. Semanario Republicano, órgão do partido evolucionista de Bragança, saiu entre Julho de 1915 e o mesmo mês de 1917, perfazendo 78 números. Foi seu director o engenheiro Agostinho Lopes Coelho que exercera funções idênticas na fase final do A Pátria Nova. Vivendo-se então uma conjuntura interna e externa particularmente grave, este semanário evolucionista privilegiou os temas da política nacional numa abordagem partidária com os inevitáveis ataques a outras facções republicanas, tratou questões militares e, só superficial e esporadicamente, se debruçou sobre assuntos locais, ressaltando, entre estes, a construção de estradas que ligassem os concelhos à capital do distrito.
No panorama que sucintamente se traçou – primeiro sob o regime monárquico, depois, no período republicano – compreende-se a necessidade sentida pela região de uma imprensa mais liberta das obediências e obrigações partidárias.
Pode afirmar-se que a imprensa que se autodesignou independente constituiu o núcleo fundamental do periodismo regionalista, quase exclusivamente devotado ao bem material e cultural da cidade e da região.
O Jornal de Bragança. Semanário Independente explicava no título e no editorial – “A Nossa Razão de Ser” – que, à data do seu lançamento, 23 de Fevereiro de 1910, todos os jornais existentes em Bragança eram partidários pelo que se impunha convocar a força que residia nos jornais imparciais. Apropriedade e direcção deste periódico que findou a 13 de Março de 1911, coube a Raul Teixeira, professor de liceu e magistrado. Aliás, o jornal é, de certa forma, o rosto do seu criador já que, particular amante de arte e património, Raul Teixeira salientou-se pela defesa, restauro e preservação do património artístico, arqueológico e etnográfico da sua região mas também das comarcas por onde passava no exercício do seu múnus judicial. Com efeito, este jornal, que sobreviveu à transição dos regimes e reflectiu sobre ela, ironizando, por exemplo, sobre os republicanos “aderentes”, os “históricos” e, até, os “pré-históricos”, subtraiu-se, tanto quanto possível, a imiscuir-se nas questões políticas gerais e “a chafurdar n’essa montureira da politiquice local” para polarizar as suas atenções em duas grandes áreas da esfera regional, uma mais eminentemente económica, a agricultura, e outra amplamente cultural, o património.
Todavia, no pensamento de Raul Teixeira regionalismo não se identificava com municipalismo já que este último lhe parecia de difícil concretização num país que desconhecia a cultura da cidadania e onde grassava o analfabetismo, sendo, por isso, evidente a diferença entre “a educação civica dos suissos e a mesquinha situação moral dos cidadãos portuguezes”.
Futuro director da biblioteca de Bragança e “alma” do seu museu regional, Raul Teixeira travou nas páginas do Jornal de Bragança diversos combates pela edificação e preservação patrimoniais da cidade. São acções emblemáticas desta intervenção a construção do coreto na Praça da Sé e a reivindicação do restauro da Domus Municipalis (só levado a efeito em 1928) evitando a sua entrega ao Ministério da Guerra.
O quinzenário que se começou a publicar no 1º de Janeiro de 1911 tomou como título Districto de Bragança. Orgão de defeza dos interesses do districto de Bragança. Teve como director o oficial do exército Inácio Manuel de Sousa Freire Pimentel e, até ao nº 6, teve distribuição gratuita. Tal situação explica-se pelo facto deste periódico “absolutamente independente”, como anuncia no seu editorial, ter sido criado com o propósito exclusivo de defender a doutrina da “Liga de Defesa dos Interesses de Bragança” de que era presidente o mesmo Inácio Pimentel. Esta associação aspirava ao progresso do distrito que carecia de inúmeros melhoramentos pelos quais pretendia pugnar. A agricultura constituía a sua principal área de intervenção, defendendo a fundação de sindicatos, associações e crédito agrícolas, a arborização do distrito e a organização da guarda rural; seguiam-se a construção de estradas, a criação de escolas – já que “só a Educação Nacional pode formar o carácter nacional”, sendo entendida como a grande revolução social que urgia operar – a conservação dos edifícios públicos e a participação na administração interna do distrito “para evitar a imoral distribuição dos melhoramentos”. Outros temas de relevância para a região seriam também abordados ao longo dos onze números que constituem a colecção, como a pecuária, a indústria de lacticínios, contribuições e impostos, a produção vinícola, a emigração, etc.
Apesar da Liga prever uma estrutura organizada que estabelecia a fundação de centros concelhios com directores para eles nomeados, o projecto deparou-se com vários obstáculos. Entre esses escolhos avultou a intenção patenteada por Inácio Pimentel de candidatar-se às eleições de 1911 em nome da Liga, pela minoria do círculo de Moncorvo que hasteava um programa regionalista e promotor da descentralização administrativa; desta forma, o grupo independente acabou por se envolver na luta político-partidária local, vindo a ganhar algumas inimizades que levaram à desistência na corrida eleitoral e, tanto quanto parece, à própria dissolução da Liga de que, curiosamente, a enciclopédica obra do Abade de Baçal não faz menção.
O Bragançano inaugurou-se nas lides da imprensa periódica em 15 de Novembro de 1919, ostentando o subtítulo Órgão Defensor dos Interesses Regionais. Carlos Rivotti era seu director e editor, desempenhando M. J. Barros Pinto as funções de redactor-chefe do quinzenário. O seu editorial revela uma grande desilusão: a política nacional. Por isso, evocava a metáfora de Rafael Bordalo Pinheiro, afirmando que “a política vinha a emporcalhar a provincia, provocando dissidencias fatais para o seu progresso e desenvolvimento”; em consequência, a imprensa local “envenenava tudo e todos”. Daí que este periódico recusasse qualquer filiação político-partidária, se bem que se assumisse “declaradamente republicano”, e pretendesse “pensar a sério nos difficeis problemas da economia distrital”, bem como “defender sempre com intransigencia os interesses regionais pondo de parte a politica nefasta”.
Mas o pedido de angariação de assinantes exarado no mesmo editorial com vista à sobrevivência do periódico não parece ter surtido efeito; publicaram-se apenas três números do Bragançano, pese embora tenha alertado para muitas e diversificadas reivindicações de teor regionalista: o melhoramento da instrução, construção de estradas e caminhos de ferro, a produção de energia eléctrica (Douro/Tua), a edificação de habitação social, a relevância do desenvolvimento da indústria e do comércio para a economia distrital.
No ano seguinte, outro periódico regionalista tentou a sua sorte. Tratou-se de O Leste Transmontano. Órgão regionalista, literario, humoristico e noticioso, dirigido por João Baptista da Cruz, um professor da Escola Primária Superior de Mirandela, colaborador de vários jornais da cidade mas também do Diário de Lisboa. Apesar da extensa lista de redactores e da diversidade temática que pretendia alcançar, este quinzenário também não teve vida longa; ficou-se por uma dezena de números publicados entre Janeiro e Junho de 1920.
No seu editorial – “A Nossa Apresentação” – propunha-se tratar de assuntos que conviessem à colectividade portuguesa mas, “sobretudo, aos habitantes deste esquecido canto de Portugal (...) mãe patria que tem sido rigorosa madrasta”. Assim, além de textos de teor histórico-patrimonial do Abade de Baçal que, mais ou menos abundantes eram frequentes nos jornais brigantinos da época, tratou de questões relacionadas com a instrução, agro-pecuária e arborização, produção de energia eléctrica no rio Douro (alertando para os desvios pretendidos pelos espanhóis) e ainda, e sempre, a problemática da emigração.
A preocupação gerada pelo imparável surto migratório torna-se perspícua, por exemplo, no artigo “Regionalismo” que apodava o fenómeno de “louca e antipatriotica acção”, lembrando que só no ano de 1919 havia saído do distrito mais de um milhar de indivíduos.
Todavia, e não obstante se reclamar fora das pugnas partidárias, a vertente noticiosa e opinativa em matéria política não esteve ausente das páginas de O Leste Transmontano, vindo este periódico a apoiar a facção de Álvaro de Castro que, nesse mesmo ano, fundou o Partido Republicano de Reconstituição Nacional.
Um ano volvido sobre o fim do Leste Transmontano, o mesmo João Baptista da Cruz, em colaboração com Domingos Bernardo Vinhas, dirigiu um periódico que se pretendia semanal mas que acabou por ter publicação bastante irregular, findando quatro meses depois, com nove números publicados. Intitulava-se Terras de Bragança. Orgão regionalista do distrito de Bragança e, com efeito, prometia no editorial tornar-se um jornal “essencialmente regionalista”. Além de artigos onde se reflectia sobre este conceito – “Como entendemos o regionalismo”; “Regionalismo”; etc. – este periódico abordou temas de interesse local como as indústrias da região, a agro-pecuária, os diferentes aproveitamentos do rio Douro, o ensino técnico-profissional, entre outros.
Pouco depois, foi dado à estampa O Saboreano que, com algumas interrupções, publicou seis números entre 4 de Março de 1922 e 26 de Junho do mesmo ano. No editorial, afirmava-se sem margem para dúvidas: “seremos regionalistas”.
Esta foi a base fundamental de orientação do periódico que, no 3º número, apresentava um artigo do director Francisco de Matos intitulado “Regionalismo” queixando-se do abandono da província e da decadência regional. Prosseguindo nesta toada, problemas como águas e saneamento, estradas, escolas, entre vários outros, constituem os temas privilegiados dos artigos do Saboreano.
A agonia da República havia terminado e, nos alvores do novo regime, os jornais transparecem o “ar do tempo”. O título Para Cá do Marão. Quinzenário regionalista, literário e noticioso, sob a direcção de António Paracana, deu à estampa o seu primeiro número em 9 de Abril de 1933, cessando a publicação em 30 de Setembro do mesmo ano, ao cabo de 7 números. O editorial ostentava uma curiosa divisa em jeito de trilogia: “Pátria, República, Província”.
Acompanhando o processo de preparação de um Congresso Transmontano, este quinzenário aborda algumas temáticas locais (obras públicas, habitação social, agro pecuária, etc.) mas subalternizadas pelo registo ditirâmbico do novo regime, presente na transcrição de discursos de Salazar e na incensação da figura do estadista. Foi redactor do Para Cá do Marão Abel Monteiro que transferiu esta actividade (que acumulou com a editor) para o quinzenário que no ano seguinte, em 19 de Fevereiro, se começou a publicar na cidade, até 1940, com o título Terras de Bragança.
Assumindo o lema “Tudo pela Nação/Nada contra a Nação”, o Terras de Bragança foi o órgão das comissões da União Nacional do distrito de Bragança e teve como director o sub-inspector escolar Leite da Costa. A vinheta do cabeçalho deste quinzenário ostentava, à esquerda, a gravura da Domus Municipalis e, à direita, a do castelo da cidade. O seu editorial prometia pugnar pela cidade de Bragança, “pelo seu desenvolvimento moral e material, pela realização das suas mais justas e lídimas aspirações” mas isto em jeito de conclusão de um texto que se desdobrava em elogios ao 28 de Maio de 1926, ao Estado Novo e a Salazar. Aliás, o número inaugural abria com uma fotografia do presidente da república e uma frase do presidente do Conselho de Ministros: “Arrancar o poder às clientelas partidárias, sobrepor a todos os interesses o interesse de todos – O INTERESSE NACIONAL”.
Esta toada acompanhou toda a vida do jornal que exortava os transmontanos a filiarem-se na União Nacional. Nem sequer lhe faltou a expressão do apoio do Estado Novo às hostes franquistas no conflito civil espanhol que então decorria e, apesar do seu último número publicado datar de 1 de Janeiro do ano de 1940, as referências às grandes comemorações dos centenários sucediam-se, explicando os seus significados: 1140 – nascimento; 1640 – renascimento; 1940 – ressurgimento.
Era o tempo de esbatimento da reivindicação regionalista, da diminuição do número de jornais, da marca inexorável da censura. As matérias publicadas assumiam uma indisfarçável similitude e uniformidade a nível nacional.
Curiosamente, o órgão episcopal que em 1940 se começa a publicar após a extinção, dois anos antes, do Boletim da Diocese de Bragança assume o título de Mensageiro de Bragança. Quinzenário Católico Regionalista. Todavia, o adjectivo final tinha pouco significado sendo a sua principal missão o proselitismo católico, pretendendo, como expressava no editorial, a congregação internacional, nacional e regional através da religião. Compreende-se o tipo de vocabulário e reflexão, lavrando então a segunda guerra mundial.
O Mensageiro de Bragança foi o único periódico religioso que este trabalho aludiu pela razão atrás exposta; com efeito, apesar da importância da imprensa católica nesta como em outras terras do país, a sua dimensão regionalista é bem menos nítida do que no periodismo político e noticioso.
Paralelamente, a imprensa pedagógico-escolar bragançana – de invariável curta duração – revelou pouco interesse pela vertente regionalista como se depreende da análise de títulos como O Sorrir da Mocidade. Semanário Académico (1 a 25 de Maio de 1910), A Madrugada. Órgão Académico (23 de Janeiro de 1920), A Voz Académica. Quinzenário Republicano (28 de Março a 9 de Agosto de 1931). Como exemplo de excepção, refira-se A Escola Transmontana.
Órgão do Professorado de Trás-os-Montes, semanário publicado entre Janeiro e Abril de 1912, com redacção e administração em Sambade (Alfândega da Fé) mas impresso em Bragança e fundado pelos professores Tito Sendas e João Vilares; apesar de ser um órgão de classe, a sua mais constante reivindicação era a criação de sindicatos concelhios e a descentralização do ensino, além de ter incluído numerosos textos sobre a realidade alfandeguense.
A história da imprensa em Portugal continua por fazer ou a fazer-se de forma muito lenta e fragmentada. Muitas são as regiões que, apesar de uma imprensa local rica, descuram esse património inquestionável que é duplamente importante quer como objecto de estudo em si, quer como repositório de informações para estudos de índole diversa.
No entanto, as colecções hemerográficas são raras, incompletas e, muito frequentemente, encontram-se em mau estado de conservação, se não mesmo em adiantado grau de deterioração.
Urge preservar este património cultural, utilizando meios técnicos modernos, necessariamente dispendiosos, sob pena de se perder a memória do país, do seu povo e das suas regiões.

Maria da Conceição Meireles Pereira

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