terça-feira, 17 de julho de 2018

NOVO ACHADO ARQUEOLÓGICO ZOOMÓRFICO EM PICOTE (MIRANDA DO DOURO)

Como já havia notado o abade de Baçal, no decurso de uma excursão que aí fizera em 1935, “Picote é um verdadeiro tesouro arqueológico”. Atraído por um objecto de pedra então em poder do pároco local, que o eminente Abade considerava (erroneamente) paleolítico, acabou por ver outras antigualhas que muito o interessaram, entre as quais alguma lápide romana, a capela de Santo Cristo e um povoado castrejo, sobranceiro ao Douro. Mais tarde, no tomo XI das suas Memórias Arqueológico-históricas do distrito de Bragança, também daria conta das pinturas quinhentistas do ermitério de Os Santos.


Desde então os achados sucedem-se. O mais recente, além de mais umas inscrições romanas e de umas pinturas a fresco na capela de Santo Cristo, em finais do ano passado, ocorreu há pouco tempo, no âmbito de umas demolições de uns pardieiros, no sítio do Tombar, centro da aldeia, em propriedade do Sr. Carlos Meirinhos, a quem cabe a honra de mais uma relevante descoberta e que no-la comunicou para a analisarmos e dela darmos notícia. Foi esta a parte dianteira de uma escultura de um bovídeo, em granito, com cerca de 37cm de altura por cerca de 45cm de comprimento, correspondendo à cabeça e patas dianteiras. Estava a peça embutida numa antiga parede, tendo resultado infrutíferas as tentativas para se encontrar, entre os escombros, a parte traseira do animal representado.

Esta peça, que se encontra em estudo, é a primeira de tipo taurino que se encontra no Picote, onde, de resto, já se conheciam outras esculturas zoomórficas representando suídeos, os chamados “berrões”, da “família” da famosa “porca de Murça”.

O mais célebre achado de Picote ocorreu em 1952, na cortinha do Puio, no decurso de trabalhos agrícolas, tendo sido objecto de escavações realizadas logo nesse ano pelo arqueólogo Santos Júnior (falecido em 1989). Este investigador concluiu que o “berrão” de Picote estava no meio de um recinto circular com corredor, eventual espaço de culto ao Porco. Tendo sido o único achado, até hoje, de um “berrão” em aparente contexto original, este facto celebrizou Picote na literatura arqueológica. Para mais, pouco tempo depois, em 1955, Santos Júnior recolheu mais um fragmento de “berrão”, talvez achado nas imediações do primeiro.

Entretanto, passadas mais umas décadas, em 2005, de novo em Picote, também em obras de demolição numa construção rústica, no sítio da Fontósia, apareceu outro “berrão”, bastante completo, como foi noticiado pelo “Nordeste” de 21.06.2005.

Estes achados levaram a associação local “Frauga” e a Junta de Freguesia a fomentar um estudo arqueológico da zona, tendo ainda promovido a constituição do Ecomuseu “Terra Mater”, inaugurado em 2010.

Quanto a este tipo de representações animais, em pedra, normalmente porcos e javalis (berrões), mas também touros, muito se tem discutido desde o século XIX. Desde as teorias de que seriam objecto de um culto (ideia induzida pela própria Bíblia, onde se condenam os ídolos, nomeadamente o “bezerro de ouro”), outros valorizaram a sua relação com contextos funerários e até inscrições romanas do mesmo cariz inscritas nas esculturas. Outros ainda associaram-nos a demarcações territoriais ou de caminhos ganadeiros. Surgem sobretudo na zona mais ocidental da Meseta, em Espanha, nas províncias de Ávila, Cáceres, Salamanca e Zamora, no território das tribos pré-romanas dos Vettones e Vacceos, e ainda, do lado de Portugal, nas províncias de Trás-os-Montes e Beiras, em territórios de Zoelas e de Lusitanos. Em termos cronológicos, considera-se que andou esta manifestação cultural e étnica entre o século V antes de Cristo e os primeiros séculos do período romano.

A concentração deste tipo de achados em Picote, assim como das estelas funerárias romanas com animais gravados (ditas de “tipo Picote”), salientam a importância deste lugar, talvez um santuário, entre a Idade do Ferro e o período romano.

A “Frauga” pretende continuar a apoiar o estudo arqueológico da freguesia, agregando instituições e estudiosos. Nesse âmbito, em próximo trabalho desenvolveremos a contextualização deste notável achado.

* PARM
** Arqueóloga do Município de Miranda do Douro

Nelson Campos *
Mónica Salgado **
in:jornalnordeste.com

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