sexta-feira, 6 de julho de 2018

SEGURANÇA FRONTEIRIÇA EM TRÁS-OS-MONTES NA CORRESPONDÊNCIA DO GOVERNO CIVIL DE BRAGANÇA (1870-1874)

Controlo da pólvora de contrabando
A pólvora, representava, dentro do material de guerra suspeito de circular ilegalmente pelo Distrito de Bragança, com destino a Espanha, aquele sobre o qual a vigilância tinha uma malha mais apertada, até porque a legislação oitocentista estabelecia regulamentos para a mesma e condenava a sua circulação, fora dos padrões legais, ou sob a forma de contrabando.
A posse de pólvora constituía ainda um incentivo a rebeliões ou tumultos, fazendo perigar a segurança das populações e das medidas governamentais.
Pólvora, em zona de fronteira, sem estar sujeita aos preceitos legais ou para o exercício da actividade dos organismos competentes que a utilizavam, redobrava ou multiplicava as consequências nefastas do seu uso indevido e, para tal, as autoridades locais deveriam reforçar a sua vigilância, no sentido de evitar a sua circulação, desenquadrada dos regulamentos legislativos, entre ambos os lados da fronteira.
Sobre o contrabando e circulação ilícita de pólvora, tomemos como exemplo a portaria do Ministério do Reino, de 20 Setembro de 1839, publicada no Diário do Governo n.º 224, de 21 de Setembro, onde já se sentia a necessidade de obstar ao contrabando da pólvora, providenciando, energicamente, para reprimir tão pernicioso tráfico: “apesar das mui enérgicas e reiteradas ordens por este Ministério expedidas, no intuito de obstar ao contrabando da pólvora, este continua a ser feito, o que induz a crer que as Autoridades, a quem incumbia cumprir e executar todas as providencias ordenadas para a extinção de tão escandaloso abuso, se não têm havido com todo o zelo e eficácia no desempenho de seus deveres; e sendo de urgente necessidade evitar por todos os meios que progrida o contrabando da pólvora, pelos gravíssimos prejuízos que dele resultam para a Fazenda Nacional: Manda Sua Majestade (...) suscitar a literal observância de tão ponderoso objecto (...) recomendando às autoridades competentes a maior energia e actividade na execução das providências consignadas”.
Indicava-se ainda que seriam distinguidos os empregados de zelo eficaz e punidos os que se houverem desleixado, ordenando o envio de informações circunstanciadas sobre os resultados deste assunto e o modo de procedimento dos empregados que levam a efeito estas providências.
O decreto do Ministério da Guerra, de 22 de Julho de 1842, publicada no Diário do Governo n.º 182, de 4 de Agosto, regulamenta mesmo o método de arrecadação da pólvora apreendida por contrabando, o preço deste género, o prémio que devem ter os denunciantes ou apreensores da mesma e do qual se extraem os aspectos mais relevantes: “Art.º 1.º – A pólvora apreendida será entregue, por depósito, no paiol das praças de guerra, ou no de qualquer Corpo do Exército mais próximo do lugar em que se verificar a apreensão. (...)
Art.º 2 – Depois de processada a tomadia, a autoridade militar mandará lavrar o competente termo, que deverá ser entregue ao Magistrado respectivo, bem como o recibo autêntico do encarregado do dito paiol, ficando o género desde logo à Fazenda Nacional, para ter o conveniente destino. Art.º 3.º – (...) Com os dois documentos (...), além de outro legal das despesas do transporte haverão os denunciantes ou apreensores da pólvora de contrabando, do Administrador do Tabaco do Distrito em que se tiver feito a tomadia, tanto o prémio que por lei lhes compete, calculado a razão de cento e vinte réis o arrátel, como a importância das ditas despesas. Art.º 4.º – Os pagamentos (...) serão encontrados no saldo a entregar pelo produto da pólvora vendida no Contrato do Tabaco, correspondente ao trimestre em que forem pagas tais importâncias assim documentadas”.
A portaria de 15 de Dezembro de 1843, publicada no Diário do Governo n.º 297, de 18 de Dezembro, orienta-se no sentido de evitar o contrabando abusivo da pólvora, recomendando a execução dos decretos e portarias publicados sobre a matéria, estabelecendo novas providências, dado que a pólvora continuava a circular e a ser vendida em muitas terras do Reino, contra as disposições expressas nas leis já promulgadas até então, “e cumprindo que de uma vez cesse um tal abuso tanto mais criminoso quanto é uma reiterada infracção da Lei, e que dele resulta grave prejuízo à Fazenda Nacional: Manda Sua Majestade a Rainha (...) que se expeçam as mais terminantes ordens a todas as Autoridades, a fim de que por todos os meios ao seu alcance evitem a venda de pólvora que não tenha sido manufacturada na Fabrica Nacional, em Lisboa, fazendo apreender toda a que não tiver aquela origem e proceder contra os vendedores (...) e fazer sentir às Autoridades que a pólvora manufacturada em qualquer parte de Portugal que não seja a referida Fábrica é contrabando, como se fosse importada de qualquer país estrangeiro”.
O Livro de Correspondência Confidencial do Governo Civil de Bragança, apresenta-nos também a preocupação em apreender indivíduos que faziam circular na raia, pólvora sob a forma de contrabando, e que poderia contribuir para incrementar movimentos revolucionários do Reino vizinho ou que com eles se estabelecessem suspeitas de relação “próxima ou remota, directa ou indirecta”.
Numa carta, confidencial e urgente, dirigida às Alfândegas de Barca de Alva, Bragança e Chaves, o Governador Civil de então manifesta-se sobre esta grave questão, pedindo colaboração total das autoridades alfandegarias no controle de pessoas suspeitas: “Havendo graves suspeitas de que se pretendem introduzir em Espanha pelas povoações da fronteira deste distrito administrativo, armas, pólvora e outros apetrechos de guerra destinados para armamento de forças carlistas incumbidas de auxiliar a revolução preparada neste sentido naquele reino; vou rogar a V. Ex.ª, em virtude das ordens recebidas do Governo, e por bem do serviço publico. Que se sirva ordenar aos fiscais seus subordinados e estes a todos os empregados da sua dependência do seguinte:
1.º – Que exerçam a mais activa vigilância sobre o trânsito, entrada e saída de espanhóis fazendo apresentar aos administradores de concelho mais próximo todos aqueles que por qualquer motivo ou circunstância induzam suspeita de que não vêm a este reino para objectos comerciais ou de interesse próprio, ou que não trouxerem passaporte legal, quando se destinarem ao interior do reino, dando parte as autoridades locais de tudo o que observarem e lhes seja suspeito de ter relação próxima ou remota, directa ou indirecta com os planos carlistas”.
O mesmo Governador apela e alerta para a circulação de volumes contendo géneros suspeitos: “2.º – Que exerçam a mais activa vigilância na entrada e saída do reino de quaisquer volumes que possam ocultar armas, munições, pólvora ou qualquer outro artigo de guerra, apreendendo esses volumes e seus condutores, fazendo apresentar tudo neste Governo Civil. 3.º – Que auxiliem as autoridades administrativas dos concelhos nas diligências que sobre este assunto houverem de fazer e sempre que por essas entidades lhe for requisitado semelhante auxílio”.
Na fase final da carta, o Governador, de forma incisiva, atesta a importância e a gravidade do assunto e apela, mais uma vez, para que os chefes fiscais das alfândegas e seus subordinados (empregados administrativos e fiscais) cooperem com o Governo de Sua Majestade e prestem bom serviço a este respeito, sob pena de serem castigados os “omissos” e “negligentes no desempenho deste gravíssimo dever”.
Solicita ainda, às autoridades destinatárias, ser informado da recepção deste ofício.
Em carta de 8 de Março de 1870, dirigida ao Administrador do Concelho de Bragança, menciona-se a colaboração com o movimento carlista espanhol de um padre, também espanhol, a cuja casa se deveria efectuar uma busca no sentido de apreender pólvora, balas, armas, outros artigos e correspondência suspeita, lavrando o auto com as respectivas formalidades. “Ao mesmo tempo que for dar busca à casa do P.e Luís Guerra fará capturar um padre espanhol, que reside ao Loreto e logo em seguida dará rigorosíssima busca a todos os bens e papéis que lhe pertençam, bem como na casa em que reside, procurando minuciosamente. (...) Torna-se suspeito o referido padre espanhol pelas conhecidas relações com o indivíduo indicado na participação do Governo Civil do Porto e por se ignorar quais os interesses que o prendem nesta cidade e porque consta que ele é emigrado espanhol”.
O preso deveria recolher à cadeia civil, conservando-se incomunicável. Para o êxito total desta missão, foi concedida autorização ao administrador, para poder delegar no seu escrivão algumas destas diligências.
Apreender a pólvora, seria uma forma de reduzir ou eliminar uma das principais fontes de sustentação de focos revolucionários.

Livro de Correspondência da Administração Geral do Distrito de Bragança, N.º 26, Confidencial, Caixa 8, 162, Maço 33, Anos 1870-1874, Fundo Documental do Governo Civil de Bragança, no Arquivo Distrital de Bragança.

Maria da Graça Martins

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