sexta-feira, 20 de julho de 2018

"Universo Orante" é o título do novo livro da Ir. Maria José Oliveira

A ecologia integral, no sulco da encíclica Laudato Si (LS), e do cântico das criaturas de S. Francisco de Assis, que o Papa Francisco ali evoca, vai muito além do estilo de uma ecologia moderna, se esta se coloca apenas como uma consciencialização perante a degradação dos recursos naturais e uma forma, portanto economicista e interesseira, de lhe colocar travão e de criar hábitos para uma sustentabilidade natural.

O chamado “Cântico do Irmão Sol” do poverello de Assis continua a ser nos nossos dias, e até mais do que nunca, um sinal não apenas da consideração pelas coisas criadas, mas uma atitude de deslumbramento perante as obras de Deus e a beleza que nelas inscreve a sua omnipotência. As próprias maravilhas da criação são muito mais do que apenas motivos do louvor, mas os seus protagonistas e, especialmente, o ser humano, consciente, coloca-se em comunhão com elas para aceder ao Deus que nelas se revela.

Deus é grande nas suas obras e estas dizem do seu autor, falam do seu amor, cantam a sua bondade. Toda a Bíblia, particularmente o livro dos Salmos, é perpassada deste louvor. As obras de Deus falam, louvam, rezam. «Todo o universo material é uma linguagem do amor de Deus, do seu carinho sem medida por nós. O solo, a água, as montanhas: tudo é carícia de Deus» (LS 84).

Durante muito tempo o ser humano se considerou o centro do Universo, e isso pareceu autorizá-lo a depredar os recursos naturais e a “dominar”, no sentido mais agressivo do termo, tudo aquilo que Deus lhe colocou à disposição para sua felicidade. E, no entanto, como nos recorda o Papa Francisco: «na tradição judaico-cristã, dizer “criação” é mais do que dizer natureza, porque tem a ver com um projecto do amor de Deus, onde cada criatura tem um valor e um significado. (…) O amor de Deus é a razão fundamental de toda a criação: “Tu amas tudo quanto existe e não detestas nada do que fizeste; pois, se odiasses alguma coisa, não a terias criado” (Sab 11, 24). Então cada criatura é objecto da ternura do Pai que lhe atribui um lugar no mundo» (LS 76-77). Mas o irmanar-nos com todas as criaturas, só é possível na força da filiação divina e implica, em primeiro lugar, a fraternidade com os seres humanos que Deus fez nossos próximos.

Tomar consciência de um amor permanente que nos envolve e recria é o grande propósito deste livro da nossa muito estimada Irmã Maria José, SFRJS, que contém meditações, em forma de monólogos, sobre alguns elementos do universo que, tanto na Bíblia como na Liturgia, são como que ingredientes de oração e de louvor. Muitas vezes a excessiva espiritualização das realidades, fez crer que tudo o que era material era avesso às coisas de Deus. O desenvolvimento de um certo “ódio ao mundo” talvez tivesse empobrecido esta dimensão “material” da oração, no entanto, «enquanto unida à verdade do amor, a luz da fé não é alheia ao mundo material, porque o amor vive-se sempre com corpo e alma; a luz da fé é luz encarnada, que dimana da vida luminosa de Jesus. A fé ilumina também a matéria, confia na sua ordem, sabe que nela se abre um caminho cada vez mais amplo de harmonia e compreensão (…) Convidando a maravilhar-se diante do mistério da criação, a fé alarga os horizontes da razão para iluminar melhor o mundo que se abre aos estudos da ciência» (LF 34).

Para a autora, é um erro considerar que a Liturgia vive de “coisas do outro mundo”, porque afinal este nosso mundo é o mundo de Deus e a eternidade planta-se no tempo. Este livro pretende também ajudar-nos a rezar nesta consciência de uma comunhão orgânica entre o ser humano e a terra, a qual o próprio Deus assume. É um contributo que nos pode ajudar a educar o olhar e a atenção para as mensagens de Deus disseminadas em tudo o que nos rodeia, a arrebatar-nos a alegria para a sublimidade das coisas que consideramos banais, a fazer-nos valorizar o milagre da vida que eclode nas coisas mais simples.

Somos chamados a dar um sentido ao que celebramos. Afinal a Liturgia não está longe do nosso dia a dia, não é uma interrupção, ela é uma fonte na linha do nosso tempo, ela é o coração deste louvor universal! A Liturgia é até o maestro desta sinfonia que se expande pelo cosmos! No Dom total da Graça, a Liturgia é «a Verdade vestida de oração» (R. Guardini).

Habituados aos estrondos da tecnologia e dos artifícios de uma “criatividade industrializada”, parece que já nada nos surpreende, nada nos chama a atenção. Para o contemplativo, no entanto, tudo é motivo de espanto. É urgente ressuscitar o espanto nas nossas vidas, deprimidas com o arrastar das horas oprimidas pela monotonia.

O pronome eu pode ser conotado como o pronome egoísmo, do egocentrismo. Na primeira secção deste livro, tal pronome parece enxamear o texto, todavia não se trata de uma propaganda autopromocional, mas uma disponibilidade que afirma e canta a harmonia. Os vários elementos colocam-se em perspectiva com o Deus Criador que lhes atribui uma missão dentro deste universo. É um desafio a cada um de nós tomar consciência que não somos fruto de um acaso, mas que fazemos parte daquela precisão divina que dá uma missão grande a cada detalhe do que somos e temos. A singularidade de cada um é amada e desejada pelo autor da vida!

Quem dera que cada um de nós pudesse encontrar em si próprio aquela alegria de Deus que nos chamou à existência! Assim não viveríamos uma existência voltada para nós mesmos, mas posicionada como uma componente de um todo harmonioso. A nossa presença é parte da harmonia, não apenas da social, da eclesial, mas da universal.

A comunhão orgânica entre o ser humano e as várias espécies com a terra é algo de tão forte! Há uma continuidade entre os elementos do universo, com o ser humano, com o Deus criador. Tomar consciência de que fazemos parte desta sinfonia de oração coloca a vida numa outra perspectiva. A solenidade não é mais do que o colocar o simples e aparentemente banal na perspectiva de um amor extremo que provoca o milagre da vida. Os ingredientes do louvor afinal estão mais perto de nós do que às vezes pensamos.

A Liturgia da Igreja educa e exulta de alegria para a oração integral: «Tudo quanto respira louve o Senhor» (Sl 150,6).


+ José Manuel Garcia Cordeiro
Bispo de Bragança-Miranda
Presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade

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