sábado, 25 de agosto de 2018

O Grupo Desportivo de Bragança, os árbitros da AFB e o doutor Ferreirinha, cunhado do Manolo e atleta garboso e elegante que vestiu a azul e amarela com amor e competência.

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
As minhas memórias do todo que era o futebol do meu tempo de menino têm um registo em que sobressaem dois futebóis que continuam a marcar-me a existência, mas que aprendi a dominar, não deixando transparecer quão triste se encontra a minha Alma e quão alegre se encontrava com frequência noutras ocasiões passadas. Conhecem a fábula da raposa e das uvas?
Festa e Baile na Associação dos Socorros Mútuos dos Artistas de Bragança para angariação de fundos para o G.D.B.

Continuando tínhamos a Cortinha da Albininha Guerra, uma versão muito antiga da Academia de Alcochete que serviu de molde para a forma como eu vi o futebol até aos meus dezasseis anos e estou certo os meus contemporâneos que foram moldados no mesmo molde não sabendo eu se aos dezasseis apreenderam a controlar as emoções e o discurso.
O segundo palco era o Campo do Toural. Vi alguns jogos no Campo das Alminhas onde hoje é o Hospital mas, pequeno como era não sei se eram oficiais ou não. No Campo do Toural entrava-mos à boleia com um adulto ou por debaixo dos taipais que junto ao solo estavam sempre esfuracadas. Passada a barreira, o que não era difícil, entrávamos no espectáculo que para mim foi sempre qualquer coisa que a humanidade havia num certo tempo inventado como algo para substituir o circo romano, os torneios medievais e mais no século XIX a paulada nas feiras da província.
Ora quando eu nasci tinha o meu irmão Armando dezoito anos, e com diferença de menos dois, três anos os outros até ao meu irmão Marcelo que é o que me antecede e que mais tempo estava comigo, Naturalmente, quando comecei a entender as coisas dei comigo a olhar admirado para as imagens que estavam coladas à parede nos quartos dos meus irmãos. No topo à cabeceira estava o Travassos ladeado de um lado pelo Jesus Correia e do outro por Peyroteu. As outras paredes estavam também cheias de Separatas do Mundo de Aventuras que mostravam a equipa do Sporting de várias perspectivas e também só o emblema coroado com as iniciais S.C.P. Digam lá o que queriam que eu fosse senão lagarto?
A verdade é que o meu pai era do Benfica, mas soube sempre não misturar alhos com bugalhos e por isso não foi nunca o gato às filhoses.
Depois havia o Bragança. Tempo de forjar lealdades indestrutíveis juradas em Tancos no fim da Recruta no R.C.P. vinte e um anos depois de haver nascido.
Não era preciso, a pertença era tão entranhada que só Deus a poderia alterar. Ainda antes de ir para a Escola corria sempre que sentia movimento ou suspeitava de treino ou jogo no Toural. 
Era o tempo do Micá, do Neves, do Taiti, Chico Ferreira e Simeão, lembro-me de um avançado chamado Vicente que beijava a medalha de ouro que trazia ao peito antes de bater a bola para o Penalty e do Guarda-redes Lisboa a quem chamávamos o Boneco de borracha.
Se as fotografias do Mundo de Aventuras me prenderam para sempre ao Sporting, o que não fizeram as imagens reais desses homens na plena força da vida quando entravam em fila no Campo do Toural vestidos de camisola amarela e calção azul. A mística que a pertença a algo colectivo sempre acarreta e é transmitida à pessoa singular foram em mim potenciadas ao máximo! Será difícil explicar sentimentos e amores, amores sim, porque era disso que se tratava e só consigo dizer aos outros que sentia esse êxtase em plenitude quando ia com o grupo do meu irmão onde o Garrido era a figura mais representativa do que eu hoje descrevo no fim do texto. Jogo em que o Sporting ganhava, saindo contentes do Estádio corríamos para o carro para ouvirmos na Rádio o resultado final do GDB e era anunciada Vitória dos NOSSOS. O Garrido levantava a voz e dizia Vamos cantar a canção. E começava o primeiro verso de uma canção brasileira que reza assim: -Tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus... Ainda hoje sinto um frémito a percorrer-me a espinha e as lágrimas escorrerem para o rosto ao rever a face do meu irmão, do Garrido, Broco e Malã com um sorriso a toda a largura da face . E eu feliz!!! Imaginem qual é hoje a cor que tem a minha Alma ao ver o SCP assim e o GDB assado? 
Mas tenho em mim o que me deu a minha mãe misturado no leite que mamei do seu peito. Amor aos meus parentes e amigos e Esperança enorme que melhores dias venham e sejamos de novo felizes. 
Nos anos sessenta o meu irmão fez-se árbitro e depois do Curso passou a fazer parte da equipa comandada pelo grande amigo Diniz Salazar. Fazia parte também o Zé Parreira que alternava com o Salazar como árbitro e o meu irmão era bandeirinha. Acompanhava-os às vezes quando saíam e também ia com eles ao Toural pois eu ficava com a chave do balneário para que ao intervalo o Roupeiro levasse o chá antes de eles regressarem.
O Zé Parreira foi transferido para as Finanças de Guimarães e o Professor Fraga substituiu-o na equipa. O meu irmão passou para o lugar do Parreira. 
A rivalidade entre o Bragança e Mirandela estava no auge e sentimentos dignos de uma análise séria do ponto de vista das relações dos cidadãos estavam também no ponto rubro.  Condicionados pela falta de industrias e pelo retirar de serviços que são essenciais ao desenvolvimento das terras do interior, as rivalidades proliferavam.
Um dia de domingo de manhã, a melhor equipa de arbitragem da A.F. de Bragança foi a Mirandela apitar um jogo de juniores. O trio de Arbitragem que apitou viu mosquitos por cordas. O público contestou algumas decisões do árbitro e as pedras choveram para onde o árbitro se encontrava. O meu irmão foi ainda atingido com uma pedra nas costas. A guarda, depois do jogo, não permitiu que a turba continuasse a fazer disparates e abriram caminho para a equipa de Juniores do Bragança e para os árbitros que se apressaram e foram escoltados até Quintela de Lampaças.
No carro o meu irmão disse ao Salazar : -Em Portugal há duas entidades que fazem milagres, Nossa Senhora de Fátima e o Salazar. A primeira não é daqui e a segunda és tu, que assim te chamas. Portanto logo à tarde o Bragança vai ganhar porque se temos a fama teremos a fama e também o proveito.
O Salazar e o Fraga entreolharam -se e não responderam. 15:00 horas. O Campo do Toural estava esgotado, a bancada de madeira que estava no lado dos balneários começou a gemer e alguns espectadores transferiram-se para o solo não fosse o Demo tecê-las. Jogo começado e Camilo um jogador do Mirandela que estudava na Escola do Magistério Primário em Bragança faz um alívio do meio -campo e Totó ficou a ver navios, O drama começou ali, o campo estava chumbado e o saibro colava-se às chuteiras, a bola estava pesada e os jogadores do Mirandela estavam mais serenos pois tinham naquele momento quatro golos de vantagem. O meu irmão corria lateral acima e abaixo gritando para os jogadores do Desportivo e para o Salazar.
A partir daí o jogo foi heróico e chegou-se aos 3-1 debaixo de uma pressão que obrigou o Salazar a expulsar alguns atletas do Mirandela. O 4-1, surge de uma jogada em que um adversário se deita intencionalmente ao chão para que o árbitro parasse o jogo, mas pararam todos os jogadores sem que o arbitro tivesse apitado. A bola estava nos pés do João Reis que olhou para o meu irmão como pedindo autorização para continuar. O bandeirinha correndo para o lado da baliza dizia: -segue segue e o João Reis não se fez rogado e faz o 4-1. O árbitro validou o golo pois efectivamente não havia apitado para interromper a jogada. Nem digo o que foi porque é fácil adivinhar. Mas o melhor estava para vir. O quinto golo é obtido através de um pontapé ou melhor dizendo três remates da marca de penalty!
Depois de o árbitro assinalar a penalidade foi o bom e o bonito. Os jogadores do Mirandela quiseram abandonar o campo, fizeram cenas de desespero e finalmente aceitaram que se cobrasse o penalty. É designado o Eduardo Gonçalves Queijinho) para a cobrança. Remate feito e o goleiro defende. O meu irmão que estava na linha de fundo assinala infracção porque o Keeper se mexeu antes da bola partir. A segunda cobrança teve o mesmo fim e a mesma decisão. Outra vez o bandeirinha assinala o movimento extemporâneo do Guarda-redes. Mais surucucu. Mesmo os jogadores do Bragança estavam nervosos. O meu irmão grita para o Michelin e diz-lhe: -Manda vir o petromax que é capaz de se fazer noite! Esta frase serviu depois para contestar o jogo pelo delegado do S.C.M. 
Finalmente a bola entrou e falta seguida de golo é golo e o Bragança subiu à Terceira Divisão Nacional. 

Bom, no dia seguinte o jornal de Mirandela titulava. Caiu uma bomba no Bragança-Mirandela, lançou-a o Bombadas. Mais ou menos isto.
Os seguintes foram anos de ameaças feitas escondidamente ou às claras. Não sei bem quando, pediu a demissão mas nunca se arrependeu. O que o moveu foi o amor à terra que a nossa mãe nos ensinou a amar. Não nos ensinou todas as formas de o fazer e o meu irmão mais velho naquele dia inventou a forma possível para o demonstrar.
Há uns três anos estive presente num almoço de amigos de Bragança e outros a quem Bragança lhes está no coração. O Comandante João Pedro Conceição, doente, não pôde estar presente. 
A meio do almoço recebo um telefonema dele a perguntar como estava a decorrer o encontro de amigos e o repasto. Perguntou-me quem estava presente e eu enumerei os que fui selecionando como mais a ele chegados, até mencionar o Dr. Ferreirinha. Aí ele pediu-me que lhe desse um abraço em seu nome dizendo-lhe também que estava triste por não poder estar connosco. Levantei-me e fui fazer o que o Com. Conceição me pediu. O Dr. Ferreirinha ouviu e agradeceu. Algum tempo depois levantou-se e foi falar comigo. Perguntou-me quem eu era pois não me reconheceu. Disse-lhe, para abreviar, sou filho do Bombadas. Do árbitro? Perguntou. Sou o seu irmão mais novo, respondi. 
O Dr. Luís Ferreira olhou-me de frente e disse apenas: -Sabe, fui eu que falhei o segundo penalty!!! O seu semblante ficou como o do caçador que falha o tiro com a perdiz na cara. A mim caíram-me as lágrimas que me toldaram à vista de fora deixando de ver o Dr. Ferreirinha e passando a ver o meu irmão com a bandeirola na mão ligeiramente flectido para a frente com os pés sobre a linha atento à marcação do penalty. Quando a bola entrou levantou o torso e penso que sentiu um alívio. Afinal já não precisava do petromax. O Dr. Ferreirinha dava saltos de contentamento e o Michelin agarrado ao João Reis tinha os olhos marejados de lágrimas de alegria. 

Gaia, 25/08/2018





A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Gostei muito . Sou a filha mais velha do Diniz Salazar. A história além de me comover também me fez rir. Na altura em que o meu pai era arbitro em Bragança era eu ainda muito novinha e lembro-me que quando ele chegava a casa era um alivio...pois receávamos sempre que se houvesse violência o meu pai se magoasse...Que saudades!
    Obrigada
    Regina

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