quinta-feira, 9 de agosto de 2018

Verão, calor, fogos e exibicionismo

Há uma semana e pouco atrás, raro era o dia em que não escutava queixumes sobre o estado do tempo: já nem existia verão! Naturalmente, expliquei que tudo passaria a ser visto e sentido ao contrário mal o calor chegasse.

Assim foi: chegou, finalmente, o calor do verão. Num ápice, as críticas passaram a ser ao contrário: que horror, assim também não! E tudo isto pela voz dos mesmos que antes referiam viver-se um verão sem nexo, sem calor, etc.. 

Dentro do que é expectável e natural, com o tempo quente – quentíssimo, aliás – chegaram também os incêndios florestais. Com estes, naturalmente, surgiram as intervenções da Autoridade Nacional de Proteção Civil, coordenando as ações destinadas a pôr um fim nos incêndios naturalmente surgidos, qualquer que tenha sido a sua origem. Finalmente, as ininterruptas transmissões televisivas, completamente inúteis, mesmo cansativas, que até acabam por criar um estado alto de alarme por todo o tecido social.

Neste verão, comigo aqui em Lisboa, atingiu-se um máximo absoluto de temperatura, com 44 graus Celsius. Quem sabe se no verão de 2019 não se chegará aos 54? O que justifica esta pergunta: será que alguém pode imaginar que é sempre possível atacar um qualquer incêndio desde o seu início; ou que a resolução do mesmo depende apenas do dispositivo tático adotado? Claro que não! Mas claro que não se quem analisa esta questão dispuser de bom senso e de honestidade intelectual.

Com algum espanto, escutei ao início desta tarde as palavras do académico Domingos Xavier Viegas, salientando que tudo talvez possa ser resolvido se o incêndio for atacado nos primeiros quinze a vinte minutos, e que terá faltado aqui os (já agora badalados) estradões pelo meio das serranias, de molde a cortar o avanço do fogo e a permitir a movimentação dos bombeiros. O meu espanto com estas palavras, porém, logo se esbateu quando, com um sorriso significativo, referiu que resolver este tipo de incêndios florestais, com as atuais condições climáticas e de estado do tempo, é praticamente impossível. E é a realidade. A tal realidade que tão bem referiu, em 2017, o Primeiro-Ministro António Costa: podem estar certos que vão continuar a ocorrer grandes fogos florestais. A evidência!

Acontece que neste caso de Monchique os tais estradões nunca teriam servido para nada, porque se os eucaliptos, ali plantados em larguíssima escala, projetam objetos ardentes a grandes distâncias – centenas ou milhares de metros –, passa a estar-se numa situação em que os referidos estradões nunca impediriam o avanço do fogo. Assim se tem visto na Califórnia, no Canadá, na Austrália, em Espanha e agora já também na... Suécia. No fundo, o que o académico acabou por reconhecer é tão-só isto: as coisas são como são. Ora, a nossa grande comunicação social tem terríveis vícios de abordagem do seu trabalho, procurando sempre as culpas de quem quer que seja. Uma temperatura de 46 graus Celsius, ou de 56, ou de 66, é irrelevante, para tal bastando adotar o dispositivo adequado... Assim, adotado este, de pronto se garantiria, na pior hipótese, uma minimização forte das consequências da iniciação do incêndio. Uma erradíssima ideia, que traz ao pensamento o histórico argumento de Adriano Moreira, ao tempo da anterior Maioria-Governo-Presidente: impunha-se evitar a fadiga fiscal... A verdade, quase com toda a certeza, é que este conceito é novíssimo e meramente subjetivo, sem possibilidade de definição aceitável no domínio económico.

No entretanto, sucedem-se as mil e uma intervenções televisivas de personalidades que se limitam a reconhecer o que se passa, depois deambulando ao redor do que está em causa, mas que, invariavelmente, nunca tiveram a incumbência de resolver uma bestialidade natural desta dimensão e nas condições de hoje. Mesmo gente experiente, nunca teve de enfrentar, ao longo da sua vida, uma situação como a ora vivida em lugares os mais diversos do mundo, com a mudança climática que já só Donald Trump recusa estar em curso de desenvolvimento. A verdade é que o Primeiro-Ministro, António Costa, já havia dito que este seria o futuro em matéria de incêndios florestais: iriam continuar, porventura em piores circunstâncias. Simplesmente, isto é o que resulta da evidência das coisas.

Hoje, por quanto se pôde já ver, o tal dispositivo global está muitíssimo melhor que nos anos anteriores, mas a verdade é que o resultado, em Monchique, quase não dependeu dessa mudança profunda.

O que este caso dos incêndios florestais mostra é a enormíssima falta de qualidade da nossa grande comunicação social, mormente a televisiva, incapaz de compreender que existem problemas sem solução. E é à luz desta má qualidade que, com enorme frequência, os nossos jornalistas formulam problemas muito mal formulados, acabando por atirar os seus convidados, sempre preocupados com a sua imagem politicamente correta, para respostas que acabam por potenciar a persistência em interpretações e doutrinas enganosas.

Vivemos um tempo onde reina a mentira que serve os grandes interesses, tornando-se muitíssimo difícil possuir a força de caráter e a coragem psicológica para falar verdade e expor as realidades tal como se sabe e percebe que são.



Hélio Bernardo Lopes
in:noticiasdonordeste.pt

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