sexta-feira, 21 de setembro de 2018

A “santa causa” do Liceu Central de Bragança nos derradeiros anos da Monarquia e nos primeiros tempos da República

Na frente cultural, não podemos passar ao lado da "saga do Liceu", que urgia promover a "Central", quer pelo que representou e significou essa conquista para os brigantinos e para a região, quer pela envolvência e pelo empenho das "forças vivas" e dos poderes políticos locais e de outros municípios.
Há algumas peças que nos elucidam sobre o evoluir desta importante, porque simbólica, causa. Numa terra que tão pouco tinha, esta aspiração revelava-se primordial. Esgrimem se argumentos e razões, promovem-se ações políticas, há movimentações sociais. 

Edifício do Liceu, Pavilhão poente (instalações liceais entre 1927 e 1968)

Finalmente, já com a República, em 30 de maio de 1911, as pretensões são atendidas – o Liceu ganha o estatuto de Central.
Em 1908, uma comissão de pais de alunos “tomou a iniciativa de um movimento em favor da conversão do Liceu de Bragança em Central", porque "a instrução não deve nem pode ser um privilégio dos grandes centros".
Além disso, a urbe está afastada das principais cidades e "a sua escola secundária tem uma frequência avultadíssima…
Não vemos razão de os seus alunos irem frequentar a 6.ª e a 7.ª classe a outras escolas, com gravíssimo prejuízo das suas famílias e da terra, que parece ser conhecida dos poderes públicos apenas como contribuinte".
A luta – comum a todas as forças políticas locais e que parece congraçar as energias do Distrito – prossegue com argumentos convincentes… Na Câmara dos Deputados é apresentado um projeto assinado pelos deputados do círculo de Bragança.
Algumas passagens ajudam-nos a compreender a "união" que se dizia reinar no Distrito, em torno deste desiderato comum. "Esta momentosa questão teve a grande virtude de conciliar em sua defesa todas as energias do Distrito, reunindo-as numa só vontade. Todas as bandeiras partidárias se abateram perante a imperiosa necessidade de se obter para Bragança um estabelecimento onde se ministrem aos filhos desta desprotegida região os conhecimentos que constituem o curso completo dos liceus. A digna comissão que tem dirigido os trabalhos é composta de todos os partidos políticos que no Distrito têm representação, e têm-se conduzido de forma a merecer os mais rasgados elogios de gregos e troianos. As câmaras municipais de todo o Distrito, sem distinção de cor política, têm igualmente adotado o mesmo honroso procedimento. E igualmente os cinco deputados que em cortes representam o círculo de Bragança, nobre e lealmente têm cumprido o seu dever, esquecendo-se se são regeneradores, progressistas ou dissidentes”. Como se vê pelos relatos, também os republicanos – nem podia ser de outra maneira – apoiam, com entusiasmo, as iniciativas tomadas.
A causa não se resolvia. A 23 de setembro de 1908 volta-se à carga, em A Pátria Nova, num artigo impregnado de doutrina e de política e no qual se apela novamente à união. “Terminaram os trabalhos parlamentares e o Liceu lá ficou dormindo o sono dos justos no seio das comissões respetivas, as quais o dr. Afonso Costa classificou de cemitério dos projetos... Um povo instruído é um povo cioso dos seus direitos e regalias e como eles precisam dum povo de escravos, era preciso retirar-lhe os meios de se instruir. Daí a criminosa reforma de instrução que impossibilitava os filhos das classes menos abastadas de concluir o curso geral dos liceus. Essa reforma veio importada da Alemanha, quando esta Nação a tinha repudiado por ter dado péssimos resultados na instrução alemã. Mas foi por isso mesmo que o sinistro João Franco a importou. Servia-lhe para os seus malévolos desígnios fazer do povo português uma passiva besta de carga que resignadamente sofresse e trabalhasse. É por esta razão que as oligarquias dominantes hão de fazer oposição ao projeto que tem por fim elevar a central o nosso Liceu...


Acreditamos piamente que não haverá um só filho de Bragança, ou que de Bragança se considere, que não se apresente a combater denodadamente por esta santa causa".
A “criminosa” reforma de João Franco – que governara em ditadura – é a de Jaime Moniz (1894-1895), que estabeleceu o regime de classe, mas sofreu alterações em 1905. Apesar da crítica dos republicanos, a República pouco inovaria no campo do ensino secundário. Retomando este “folhetim”, o Jornal de Bragança de 29 de junho de 1910 manifesta a esperança de a reivindicação ser atendida: Teixeira de Sousa, agora no Governo, "querendo honrar a memória do que foi seu dedicado correligionário, o conselheiro Beça, envidará esforços para a elevação do nosso Liceu a central, cumprindo o que havia prometido". A luta irá ter êxito em 1911…

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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