quarta-feira, 19 de setembro de 2018

From Greenford to Brixton

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Nos idos de 90 do século passado, trabalhava eu em Brixton Road, na fábrica de pastelaria da Amalfi Patisseries, Ltd. Fazia o turno da manhã e começava a laborar às 05:00 a.m.. Vivia em Greenford, mais propriamente em Oldfield Lane que distava de Brixton cerca de 15 milhas.
Vauxhall Bridge Road

O percurso fazia-se pelo centro da cidade, apanhando a A40 em Greenford, mantendo o rumo até Acton e, seguidamente, Paddington, Bayswater Road, Marble Arch, Park Lane, Hyde Park Corner e Victoria, até entrar em Vauxhall Bridge Road, Vauxhall, Oval e, finalmente, Brixton Road.
Fazia este trajeto diariamente de segunda a sábado, sem complicação de maior, dado que, nesse horário, o tráfego é reduzido, havendo apenas o impedimento dos semáforos que são muitos e obrigam a paragens mais ou menos compassadas. 
Havendo atingido Vauxhall Bridge Road, apercebi-me que havia aparato policial, tendo, logo de seguida, recebido ordem de paragem, dada por um agente da Met Police. Parei, abri o vidro do meu lado e desliguei o rádio. Como invariavelmente acontecia, estava sintonizado na BBC Four.
Saudou-me o agente com um agradável Good morning, sir, a que eu respondi Good morning, officer. Informou-me, com gentileza que não poderia prosseguir pois havia inundação mais à frente, devido ao rebentamento de uma conduta de água que condicionava todo o tráfego nessa artéria. “You cant´t follow this way, better you turn back and choose the best alternative available” acrescentou. Agradeci dizendo que conhecia bem a zona e que não me seria difícil achar outro caminho para Brixton Road. Informação dada e compreendida, o agente disse Have a good day ao que eu respondi You too. Preparava-me para subir o vidro quando o oiço dizer, ao mesmo tempo que fazia sinal para que não subisse o vidro, By the way, thank you for switching off the radio.
Foi grande a minha estupefação! Quando retomei a marcha, pensei na postura desta gente que leva a sério tudo o que faz sem perder a postura e a serenidade. Agradeceu-me o gesto de desligar o rádio para que o diálogo se tornasse mais fácil. Eu havia-o desligado, convicto de que era a maneira mais correta de lidar com a autoridade. Ele, por sua vez, tomou nota da gentileza e brindou-me com um Thank you very much que define a galhardia de um cavalheiro. Um verdadeiro gentleman. 
Vindo de onde vinha, habituado a uma certa rudeza e imperativa maneira de falar para os cidadãos, por parte da autoridade homóloga do meu país de origem, o impacto que este breve acontecimento causou em mim foi de pura admiração e desejo de seguir tal exemplo de civilidade e boas maneiras. Retive o gesto como uma constatação, feita no momento, de que é possível ter autoridade e educação, usando do senso comum e das boas maneiras para lidar com toda a gente, independentemente do seu estatuto social ou rácico. Era mais que evidente que eu era um estrangeiro, um emigrante que estava ali para ganhar algum dinheiro que me ajudasse a elevar o meu padrão de vida e que era merecedor de um tratamento bem britânico em que o uso da autoridade não se desliga da educação, bem fundamentada de quem a exerce.
Aprendi com eles muitas coisas, que, por serem do foro universal e usadas como regra de vida, mudaram a minha forma de estar e conviver. O meu instinto natural era propício a essa forma de estar, mas foi na prática diária desse modo que moldei a minha ação cívica de relacionamento. Foi através deste agente que o meu modo de ver a Polícia como instituição para o povo se confirmou em absoluto no meu espírito.
Tinha já visto e assistido in loco a outros exemplos de exercício da autoridade de alguma nobreza. Mais tarde, noutra crónica, contarei outras vivências também capazes de me impressionar e enternecer, mas é esta aquela que primeiramente me ocorre quando penso em contar os belos momentos que Deus foi servido conceder-me em terras de Sua Majestade.
Espero que os portugueses que residem ou pensam vir a residir nessas paragens mais a norte possam colher os frutos do que nós outros, que por lá passámos, deixámos semeado com a esperança de que alguém da nossa gente pudesse beneficiar.
Obrigado ao agente da Met Police que me abordou naquela madrugada em Londres e me transmitiu duas mensagens utilíssimas: a de uso imediato, ao dizer-me para mudar de rumo pois aquele que seguia estava impraticável e outra mais útil para a vida, que foi o ter-me agradecido por eu ter sido educado. Apenas e só!
Thank you, officer, for being so kind that happy morning.





A. O. dos Santos
(Bombadas)

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