quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

A visita do ministro do Interior a Bragança

“Em Triunfo!” é o título destacado de A Pátria Nova de 21 de maio, para qualificar a receção ao ministro do Interior: “A obra da República delirantemente aplaudida pelo Povo de Bragança na pessoa do dr. António José de Almeida… As mais extraordinárias e carinhosas manifestações de que há memória em Bragança!”

Dr. António José de Almeida, Ministro do Interior em 1911

No extenso artigo, endeusa-se o orador, o educador, o apóstolo, o político, o cidadão de caráter, o estadista, o 
reformador da educação, o homem de consensos. Álvaro de Mendonça de Araújo, o autor da prosa, cultivava a língua com a elegância dos grandes clássicos. “Há homens que têm o condão de arrastar atrás de si as multidões pela eloquência arrebatadora de seu verbo inspirado: são esses os que, pela doce sublimidade de seu ensino e pela convicta crença em sua doutrina, atraem adeptos e discípulos, que os veneram e quase adoram: são os grandes apóstolos. Ambas estas qualidades, tão raras por isso mesmo que são extraordinárias, as reúne em sua pessoa o grande cidadão dr. António José de Almeida. A sua palavra é vibrátil como essas cordas do sentimento que faz vibrar a mais leve comoção; e a expressão é tão rápida e maleável como é rápido o pensamento que ela traduz…
Mas, mais do que a sua palavra, mais do que a sua voz, vale o brilho diamantino do seu caráter, a indefetível norma de sua conduta, o culto intemerato do dever, a inquebrantável virtude da honra que fazem dele um dos mais estremados filhos da Pátria. António José de Almeida é um símbolo: é a personificação da virtude cívica”.
O ministro chega de comboio. A gare e os espaços circundantes albergavam uma grande multidão.
A receção da Cidade de Bragança “excedeu o que a mais inventiva imaginação podia fantasiar. Calaram-se todas as dissidências, abateram-se as bandeiras partidárias, para numa uniformidade de sentimentos prestarem todos ao ilustre ministro o testemunho da grande consideração em que é tido por este povo.”
“À chegada do comboio, 6 horas e vinte minutos da tarde, do dia 16 do corrente, apinhava se na ampla 'gare' da estação uma multidão enorme, composta de indivíduos de todas as classes sociais; e no largo fronteiro e no Campo de Santo António, milhares de pessoas, que já não puderam encontrar lugar na gare, estendiam-se em colunas cerradas para o aclamarem na passagem. Ao entrar o comboio nas agulhas, várias girândolas de foguetes subiram ao ar e as músicas tocam a Portuguesa, que mal se percebia entre os calorosos 'Vivas' da multidão à República, ao dr. António José de Almeida e ao Governo Provisório. A muito custo pôde o ilustre ministro vencer essa onda de povo para poder sair da estação, e cá fora os 'Vivas' redobravam e mais calorosos e entusiásticos, porque mais de dez mil pessoas, que se apertavam, os repetiam delirantemente”.
“Formou-se logo um cortejo imponentíssimo, e em que toda aquela multidão se incorporou, e em cantos, em 'vivas', em aclamações incessantes, principiou desfilando em direção à Praça de Almeida Garrett, sob uma verdadeira chuva de flores, por entre casas engalanadas de flâmulas, entre as quais sobressaía a bandeira vermelha e verde, havendo em muitas ricas colgaduras nas janelas e sacadas. Parecia um verdadeiro delírio.
Passava das sete horas da tarde quando chegou à Praça de Almeida Garrett. Subindo para o pavilhão que ali existe, o digno Governador Civil do Distrito deu as boas-vindas ao representante do Governo Provisório, fazendo notar o contraste entre esta expansão festiva e a frieza com que aqui foi proclamada a República no dia 7 de outubro, o que revelava quanto este povo era sincero, e como havia motivos para que ele fosse recebido tão friamente, e os havia agora para as suas efusivas manifestações de regozijo.
Em seguida falou o ilustre ministro, que arrebatou o auditório pela sua eloquência e ainda mais pelas ideias que expendeu… O ilustre ministro, acompanhado do Governador Civil e da sua comitiva, dirigiu-se aos Paços Municipais, onde a Câmara em sessão o aguardava. Nos Paços do Concelho, o Presidente da Câmara deu as boas-vindas ao ministro em nome do povo do Concelho, a que ele respondeu em um eloquentíssimo discurso”.
“Ainda naquela noite foi visitar a Associação dos Artistas desta Cidade, onde foi recebido pelo presidente da assembleia-geral, sr. dr. Eduardo de Faria. Enquanto isto se passava na casa da Associação, as aclamações na rua não cessavam, e foi-se organizando uma marche aux flambeaux, que depois de acompanhar o ministro até ao hotel, percorreu as ruas da Cidade”.


“Seriam dez horas da noite, principiou o banquete, que lhe foi oferecido no grande salão do Grémio de Bragança, constando de 130 talheres, e durante ele a música tocou o hino nacional e outras peças musicais magistralmente desempenhadas; e muitas damas assistiam do pequeno palco”. Por último, “o ilustre ministro… proclamou a necessidade da unidade do Partido Republicano, sem divisões, sem parcelamentos, até que a República, solidamente arreigada no ânimo popular, não tivesse que recear-se de qualquer perturbação desordeira… Até que alguém se lembrou que eram duas horas da manhã e o ministro caía de fadiga. E assim terminou aquela festa, que ficará perdurável na memória de todos quantos a ela assistiram”.
A visita prossegue no dia seguinte, às “nove horas da manhã, quando sua exa., acompanhado pelo exmo. Governador Civil do Distrito e por muito povo, se dirigiu ao Liceu, onde foi recebido pelo corpo docente e discente do estabelecimento, no vasto salão de ginástica”. “Recebeu também as saudações do estudante Chaves Tarrinho, num pequeno e bem elaborado discurso. Depois de agradecer todas as palavras de saudação com todo o brilho da sua palavra mágica, o ilustre ministro tomou perante todos o compromisso formal da elevação a Central deste Liceu, como lhe parecia de justiça. Feita a visita ao estabelecimento, seguiu para as escolas de instrução primária.
Das janelas de todas as casas, as senhoras aclamavam freneticamente o ilustre ministro e a República. Uma verdadeira chuva de flores caía das janelas sobre o imenso cortejo”. “Seguiu-se a visita à Escola Normal, onde sua exa. agradeceu a carinhosa receção que lhe foi feita pelo professorado e alunos desta escola. E foram verdadeiramente arrebatadores os discursos pronunciados aqui e na escola primária”.
Após a visita ao quartel de Infantaria n.º 10, o ministro regressou, finalmente, ao hotel “para almoçar, acedendo ao pedido que então lhe foi feito de ir em comboio acompanhado pelo povo, como viera. Às duas horas da tarde saiu acompanhado pelo povo, que o aguardava em frente ao hotel, para a estação do caminho-de-ferro.
Ao entrar na gare, a enorme multidão aclamava o ilustre tribuno em grande vozearia... Mais de duzentas pessoas, e entre elas, grande número de senhoras, seguiram no comboio até Mirandela… Desde a gare da estação até às Beatas, pela linha fora, o povo que ficava despedia-se com palmas e vivas ao eminente estadista”.
Em Rossas despedia-se dos brigantinos, para seguir de automóvel por Quintela, onde era esperado. As festas decorreram “sem a menor nota discordante”.
Há ainda outras peças relacionadas com a visita… Na mensagem dos professores de instrução primária, lê-se: “Bem-vindo sejais a esta hospitaleira terra, portuguesa desde que há Portugal e que à sua fé republicana cauciona Guerra Junqueiro, Alves da Veiga, João José de Freitas e outros, como estes, puríssimas jóias nacionais Permiti também que, em nome deste povo escravizado desde séculos ao mais cruel analfabetismo, tributemos a v. exa. o mais subido preito de homenagem pela grandiosa reforma de ensino popular”.
A notícia da promoção do Liceu provocou manifestações de regozijo e novos festejos. Era a concretização de uma grande ambição. As manifestações apresentam o cariz habitual: discursos, agradecimentos ao Governo (com profissões de fé na República), cortejos cívicos, etc.
A Pátria Nova de 4 de junho, em “Liceu Central”, escreve: “Foi preciso que viesse a República para que os nossos direitos fossem reconhecidos e as nossas aspirações realizadas. Não esqueceu o nobre ministro do Interior a sua promessa solenemente feita por ocasião da sua recente visita.” Dá-se notícia das festividades a que se associam povo e academia. “Antes mesmo de chegar a primeira notícia oficial, organizou-se, sábado à noite (dia 27), uma marcha aux flambeaux, que percorreu as ruas da Cidade em entusiástica manifestação”.
A 28, domingo, pelas seis da tarde, organiza-se um cortejo cívico que desfila pelas principais artérias, no qual se incorporam os funcionários civis e militares, o pessoal docente, a academia e o povo. As manifestações “atingiram o auge”.
Pode concluir-se que o quotidiano citadino, neste ano de 1911, se animou com vivências intensas, que se traduziram em grandes festejos e em expressivas manifestações populares, aquando das visitas dos ministros.
Nunca se tinha visto, com certeza, uma tão intensa e concentrada atividade política e cívica. Bragança e os seus territórios teriam vivido, muito provavelmente, as mais vibrantes e intensas jornadas republicanas e o fervor republicano nunca mais foi tão sentido.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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