quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Interior do interior, a fronteira concentra riscos demográficos

Nas costuras entre Portugal e Espanha a perda de população e o envelhecimento são mais notórios do que no resto dos dois países. Saberemos viver melhor com menos gente?

Foto:  Adriano Miranda

Um estudo da JPQ consultores, supervisionado pela geógrafa Teresa Sá Marques, da Universidade do Porto, revela que os riscos demográficos associados à quebra das taxas de fecundidade e ao envelhecimento da população estão mais vincados nos territórios fronteiriços de Portugal e de Espanha. O trabalho, realizado a pedido de um consórcio de entidades dos dois países, aponta algumas medidas de reforço da atractividade destes territórios, mas os seus autores assumem que, mais do que inverter o processo demográfico - uma “utopia” -  é preciso adaptar a economia local e nacional a um país com menos gente.

Na semana em que foi notícia a divulgação, pelo Eurostat, de uma previsão que aponta para um cenário de diminuição de um quarto da população a viver em Portugal, nos próximos 50 anos, o retrato tirado pela equipa coordenada por José Paulo Queiroz às costuras que unem Portugal a Espanha mostra que as tendências nacionais de decréscimo populacional, envelhecimento, diminuição de activos e quebra das taxas de fecundidade têm uma expressão ainda mais preocupante nestes territórios do que, nalguns casos, noutros espaços do Interior dos dois países.

O estudo, que acrescenta mais informação aos trabalhos recentes que têm abordado os problemas, e proposto soluções, para os chamados territórios de baixa densidade, foi financiado pelo Programa Europeu Interreg e pedido por um consórcio que reúne as Juntas da Galiza, Castela e Leão e Estremadura, do lado espanhol, e a Universidade do Porto, a Comunidade Intermunicipal do Alto Minho e a Câmara de Braga, do lado português. A equipa envolvida analisou informação estatística e dados de prospectiva para as subregiões (NUT III) de Pontevedra, Ourense, Zamora, Salamanca, Cáceres, Badajoz e Huelva, todas de Espanha, e Alto Minho, Cávado, Alto Tâmega, Douro, Terras de Trás-os-Montes, Algarve, Beira Baixa, Beiras e Serra da Estrela, Baixo Alentejo, Alto Alentejo e o Alentejo Central, em Portugal.

Um dos elementos que sobressaem, desde logo, neste trabalho - que recorre a muita informação estatística sobre os territórios da União Europeia - é disparidade entre os dois lados. Nas NUT III portuguesas de fronteira vive 22% da população nacional, cerca de 2,2 milhões de pessoas, enquanto que no lado espanhol, e num território bem mais amplo, vive apenas 7% da população do país vizinho, 3,1 milhões. Já à escala Europeia, e de acordo com o Sétimo Relatório de Coesão Económica, Social e Territorial, “em 2014, cerca de um terço da populacão vivia em regiões fronteiriças terrestres.

Na Europa, estas regiões de fronteira são responsáveis por 28% do total do Produto Interno Bruto Comunitário, mas à escala ibérica, mesmo que os dados não sejam apontados neste trabalho, os mapas sobre o peso do PIB regional mostram “que o desenvolvimento ocorre de forma assimétrica. Em 2015, enquanto as metrópoles se evidenciam claramente, as áreas rurais, sobretudo de fronteira entre Portugal e Espanha, contribuem pouco para o total de Produto Interno Bruto (PIB) dos dois países. Em 2030, as disparidades territoriais mantêm-se”, embora isso signifique, também, que há uma expectativa de aumento da riqueza produzida nestas zonas, com destaque para Trás-os-Montes, Baixo Alentejo e Badajoz. O que se estima, contudo, é que ele será insuficiente para diminuir o fosso existente.    

Um dos problemas conhecidos da economia destas regiões é que está muito sustentada em actividades com grande exigência de mão-de-obra, que vai escassear cada vez mais. Tal como o país - e a um ritmo pior do que o resto do país, por causa da migração dos mais jovens - os territórios fronteiriços vão ter um decréscimo assinalável de população activa, o que, para a geógrafa e investigadora Teresa Sá Marques, as coloca - nos coloca, enquanto país - perante vários desafios. E o mais importante deles é, desde logo, o de encontrar formas de garantir qualidade de vida a quem fica.

Assumindo que políticas de natalidade terão poucos ou nenhuns efeitos em territórios onde já há poucas mulheres em idade fértil, a académica que nos últimos anos esteve a coordenar o Programa Nacional de Políticas do Ordenamento do Território refere que é preciso trabalhar as condições de atractividade destes espaços, garantindo serviços públicos e privados essenciais, mobilidade e conectividade digital. “Temos de saber construir um futuro com menos gente e criar um discurso de desenvolvimento para um território com outros recursos”, assinala a geógrafa da Universidade do Porto.


Do debate com entidades  ligadas às instituições que encomendaram este estudo, surgiu um leque de propostas - parte delas já colocadas em prática por alguns dos organismos que participaram num inquérito associado a este levantamento. Algumas, como a descentralização de serviços do Estado, vão ao encontro das reflexões sobre o interior tornadas públicas recentemente, mas, a pedido do consórcio, foi dada, neste caso, atenção a medidas que possam mitigar as desigualdades de género, presentes nestes como noutros espaços da península.

Neste âmbito, o grupo destaca a necessidade de majorar apoios a projectos empresariais que promovam “emprego de qualidade, designadamente em matéria de conciliação do trabalho com a vida privada e de promoção da igualdade de oportunidades (Planos de Igualdade, flexibilidade na organização dos tempos de trabalho, serviços de apoio, etc.)” e a contratação de trabalhadores jovens. Propõe-se também a “Introdução/Reforço de incentivos específicos à contratação de trabalhadores, designadamente mulheres, que se encontrem em situação de desemprego ou inactividade decorrente de maternidade, cuidado de crianças ou outros dependentes, violência doméstica, etc.

É também defendido o “desenvolvimento de programas de formação em línguas e a promocão do bilinguismo, dirigidos, em especial, aos públicos mais jovens e a “criaçao de programas transfronteiriços de apoio ao empreendedorismo, designadamente empreendedorismo social, e à criação do próprio emprego, em particular feminino. Para isto pedem também centros de serviços partilhados e de coworking, de âmbito transfronteiriço”, e o desenvolvimento do teletrabalho, como forma de atrair residentes. Algo que exige, notam, o “reforço das infra-estruturas de telecomunicações”.

Do ponto de vista da mobilidade física, e mesmo adivinhando que as tecnologias poderão aproximar os cidadãos que vivem nestes territórios de muitos serviços que foram perdendo (como a saúde, através da telemedicina), o grupo não deixa de considerar urgente o desenvolvimento de novas soluções em matéria de transporte, para responder a uma população cada vez mais idosa e que, neste aspecto, tem mais dificuldades. E propõe, também, o estabelecimento “de programas de partilha de serviços públicos e de utilização de equipamentos em áreas de fronteira”.

Tendo em conta o envelhecimento da população, são também apontadas medidas de apoio às organizações prestadoras de cuidados a crianças e idosos e o desenvolvimento de programa de apoio à criação e aprofundamento da acção e da cooperação entre Universidades Seniores, com âmbito transfronteiriço, também”. Muito ligado a este aspecto do envelhecimento activo, defende-se a “promoção de soluções para apoio à vida independente das pessoas idosas, envolvendo a teleassistência, os cuidados domiciliários, os serviços de transporte e a formação.

Foto: Adriano Miranda


Os autores deste trabalho insistem também na necessidade de apoiar directamente as pessoas e as famílias. Defendem, por exemplo, a “criação de subsídios e outras formas de apoio para regresso e fixação de familiares de pessoas idosas e dependentes que assumam funções permanentes de cuidado, permitindo a manutenção da pessoa cuidada no seu contexto doméstico e de vida”, medidas de acesso a habitação a custos acessíveis e um programa específico de estímulo à instalação de jovens empresários e criação de empresas em áreas de negócio “sustentável” (novos produtos agrícolas, incluindo produtos da agricultura biológica; turismo; serviços de apoio às empresas, etc.).

O pró-reitor da Universidade do Porto Manuel Fontes de Carvalho considera que as universidades têm de apoiar estes municípios a encontrar soluções para a fixação de jovens. A UP por exemplo, tem entre os seus 35 mil estudantes 21 mil de fora do Grande Porto e já assinou protocolos com 58 autarquias, de norte a sul do país, e até das ilhas, para divulgar, junto dos alunos, oportunidades de emprego, e de negócio, nos seus territórios de origem. Uma iniciativa que decorre da percepção da existência de dificuldades, nesses concelhos, de captação de quadros qualificados, atraídos, como o resto da população, para os grandes centros urbanos.

ABEL COENTRÃO
JORNALISTA
Jornal Público


Nasci nas Caxinas, Vila do Conde, em 1973. Licenciei-me em Comunicação Social na Universidade do Minho, Braga, em 1998. Após estágio na rádio TSF em Lisboa e uma colaboração com a Fundação Humberto Delgado, nesse ano, regressei a Braga para trabalhar no Diário do Minho, até 2002. Nesse ano aceitei o convite do PÚBLICO para ingressar na delegação de Braga deste jornal, a partir da qual, em Outubro, viria a ser lançada a edição Minho. O projecto, experimental, terminou dois anos depois, e em 2004 passei a integrar a equipa do jornal no Porto, onde me mantenho até hoje. À excepção de um curto período na secção de Economia, o meu percurso nos últimos anos tem estado sempre ligado ao Local Porto, quase sempre como subeditor. Quando não estou a editar, trabalho várias áreas, desde o planeamento e desenvolvimento regional aos transportes. As questões da pesca e do mar – uma herança e um interesse genético, mais do que jornalístico – ficam para projectos mais pessoais.

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