terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Nós Transmontanos, Sefarditas e Marranos FERNANDO MONTESINOS (VILA FLOR, 1589 – ANTUÉRPIA, 1659)

Seu pai, Manuel Lopes Teles, passou pelas cadeias da inquisição de Coimbra, em 1577, sendo absolvido das acusações que lhe fizeram. Como testemunhas de defesa, apresentaram-se os homens de maior nobreza e fidalguia de Vila Flor e do processo ressalta a ideia que ele era homem de influência e abonado de bens.(1) Faleceu em Vila Flor pelo ano de 1596.

Sua mãe, Filipa Dias, era filha de Pedro Dias, que foi tenente em Monforte de Lemos e tesoureiro da confraria de Nossa senhora do Rosário, passou igualmente pelas celas de Coimbra, empenhando-se particularmente na sua prisão o inquisidor Jerónimo de Sousa que andou atrás dele por terras de Vinhais.(2)

Manuel Lopes e Filipa Dias moraram em Vila Flor e ali criaram 6 rapazes e 2 raparigas, que todos casaram. Apenas a filha mais nova, Beatriz Rodrigues, ficou a morar em Vila Flor, casada com Jorge Fernandes e ali terá falecido, em 1613.

Um dos filhos, Diogo Lopes Teles, frequentou a universidade de Salamanca nos anos de 1592 a 1597, saindo formado em medicina. Exerceu a profissão em Vila Flor, nos primeiros anos do século XVII, ali casando com Isabel Henriques.(3) Mudou-se depois para o Porto e ali comerciava, em rede com seus irmãos. Possivelmente, sentindo o cerco do santo ofício, foi-se dali para Amesterdão, onde se terá circuncidado, tomando o nome de David Arari. Faleceu em 1632.(4)

Os restantes filhos rumaram a Castela e espalharam-se pela Europa, em posições estratégicas, tecendo uma fantástica rede familiar de negócios, em que o líder seria exatamente um dos irmãos mais novos, Fernando Montesinos. No dizer de Markus Schreiber, “os Lopes Teles foram uma das principais famílias de Castela no século XVII”.

Bartolomeu Lopes Teles, seria o primeiro a seguir para Espanha, com mulher e filhos, estabelecendo morada em Valhadolid.

João Lopes Teles foi de casa movida com a família assentar morada em Sevilha, no outro extremo de Espanha.

O irmão Pedro, casado com Guiomar Henriques, estabeleceu-se em Baeza, no sul de Espanha, seguindo mais tarde para Marselha, em França.

A irmã Catarina, casada com Bernardo Lopes Ferro, morou em Medina del Campo. O marido, porém, foi tomar conta da delegação das empresas no Brasil.

Manuel da Serra seguiu para França, passando de seguida à Holanda, para assentar definitivamente em Amesterdão.

Fernando Montesinhos terá começado a viajar e mercadejar entre Vila Flor e Castela com os irmãos. Encontramo-lo, nomeadamente em Baeza, com o irmão Pedro, em 1602. Pouco depois, com o capital de 500 ducados, ganhos por ele ou emprestados pelos irmãos, começou a negociar por conta própria. Nesta situação se manteve até 1612, altura em que se associou ao irmão Bartolomeu, com “lonja” aberta em Valhadolid. Os negócios da “lonja” andavam à volta dos tecidos mas sobretudo da compra de lãs em Portugal e Castela, que eram exportadas para a Flandres e para a França, país este onde ele começou a frequentar as feiras de Ruão, Paris, Lyon e La Rochelle.

Por 1616, Bartolomeu e a mulher faleceram, e Fernando Montesinos mudou-se para Madrid, ali estabelecendo a sede da sua própria empresa e levando também os seus 3 sobrinhos, filhos de Bartolomeu. Era já empresário de nome, um próspero “hombre de negócios” e, por isso, em 1620, alcançou casar com D. Serafina de Almeida, da família dos Lopes de Castro, “banqueiros do rei Filipe”, família onde também casou António Lopes Cortiços. Ligavam-se assim algumas das mais ricas e prestigiadas famílias cristãs-novas de Bragança, Mogadouro, Torre de Moncorvo e Vila Flor.

Fernando Montesinos logo ascendeu à classe dos “asientistas”, apresentando-se a concursos de prestação de serviços à Coroa, serviços que exigiam extraordinária capacidade financeira, forte liderança e recursos humanos especializados. Foi o caso do comércio do sal, cujo monopólio arrematou por 10 anos, nas regiões da Galiza, Astúrias e Andaluzia.

Obviamente que nos lugares de direção nos diversos postos de abastecimento (“alfolis”) estavam colocados familiares e amigos, e que a porta estava sempre aberta para os cristãos-novos de Vila Flor e Trás-os-Montes que para Espanha se iam e demandavam trabalho nas empresas Montesinos. Deve acrescentar-se que a atividade da empresa não se limitava à venda de sal em Castela, mas também à sua exportação para os países nórdicos.

Outro “asiento” que ele conseguiu foi o provimento das tropas estacionadas na praça de Ceuta, que incluía o pagamento dos ordenados, o fornecimento de géneros alimentares e fardas às tropas, bem como a palha e grão para os cavalos. Imagina-se a quantidade de pessoas a trabalhar para o “asiento”, desde a compra do cereal ao fabrico do pão, aos transportes, etc.

Mas não se pense que os outros negócios de Fernando Montesinos pararam. Pelo contrário, cresceram e estenderam-se à Flandres, Holanda e Alemanha, certamente em rede com seus familiares. Contudo, a inquisição vigiava e Fernando Montesinos foi preso pelo tribunal de Cuenca, acabando por ser absolvido e sem grande prejuízo para os seus negócios. O pior estava para vir.

Por 1650, a inquisição iniciou uma série de investigações a respeito da limpeza de sangue dos Cortiços, que haviam alcançado o grau de Cavaleiros da ordem de Calatrava, concluindo que vários “hombres de negócio” tinham prestado falsas declarações. Por outro lado, falecendo Manuel Cortiços Villasante, fizeram-se muitas esmolas por sua alma, em paga de jejuns judaicos, o que também chegou ao conhecimento dos inquisidores. Em consequência, registou-se uma vaga de prisões entre aquele grupo de mercadores e “banqueiros do rei”.

Foi o caso de Serafina de Almeida e Fernando Montesinos, presos em 1654, que saíram penitenciados dois anos depois e condenados a pagar, respetivamente, 2 mil e 6 mil ducados (12 contos de réis, no total), de acordo com a informação de M. Schreiber, se bem que Cármen Sanz eleve a conta para 10 000 cruzados.(5)

Claro que com a prisão de Montesinos pela inquisição, se colocava o problema da reversão dos “asientos” por ele contratados com a Coroa. Porém, nenhum empresário se apresentou a concorrer, para além dos filhos do próprio Fernando Montesinos, sobre quem os conselheiros da Coroa prestaram a seguinte informação:

— Estos hijos de Montesinos son muy inteligentes y por cuyas manos corrían las negociaciones de su padre y ninguno como ellos podrá com la notícia que tienen y com el crédito, acudir tan bién a la uno e a la outro como ellos.(6)

Na verdade, apesar daquele rombo financeiro, as empresas Montesinos continuaram florescentes, dirigidos pelos filhos, Manuel e Bartolomeu que, mutuamente, se conferiram amplos poderes. E para melhor gestão, estabeleceram uma espécie de direção bicéfala e descentralizada, ficando Manuel na agência de Madrid e Bartolomeu em Pontevedra.

Entretanto, retomada a liberdade, Fernando Montesinos e Serafina de Almeida abandonaram Madrid e foram para a Flandres, estabelecendo morada em Antuérpia, onde viriam a falecer. Com eles para a Flandres, viajou o sobrinho/neto Francisco Teles que em Madrid trabalhava de tesoureiro com Fernando Montesinos. Voltará a Espanha e como “hombre de negócios” e mais tarde ganhará o concurso para o abastecimento das tropas espanholas em Marrocos, indo fixar-se em Larache.

Notas:

1 - Inq. Coimbra, pº 458, de Manuel Lopes. Este processo é bem revelador das preocupações do arcebispo de Braga, Frei Bartolomeu dos Mártires, relativamente aos procedimentos da inquisição contra os cristãos-novos, bem como da atuação verdadeiramente estranha e singular desenvolvida pelo inquisidor de Évora, Jerónimo de Sousa, enviado para Vila Flor como abade da igreja matriz.

2 - Idem, pº 9881, de Pedro Dias.

3 - DIOS, Ángel Marco de – Índice de Portugueses en la Universidad de Salamanca (1580 – 1640), in: Brigantia, vol. XII, n.º 3; Bragança, 1992.

4 - 3-SCHREIBER, Markus – Marranen in Madrid 1600-1670, pp. 164 - 171, Stuttgard, Steiner Verlag, 1994.

5 - SANZ, Cármen Ayán – Los Banqueros de Carlos II, Valladolid, Universidad, 1989, pp. 336 – 338. Outros prisioneiros do círculo de F. Montesinos, condenados em “multa” para o santo ofício foram os seguintes: António de Sória, originário de Bragança, agente dos Cortiços – 1000 ducados; Gaspar de Gouveia, empregado da Casa Cortiços – 4000; Diogo da Costa Brandão, “asientista” – 4000; Gaspar Nunes, de Aveiro, negociante de sal – 2000; Francisca da Veiga – 4000; Mência de Almeida, irmã de Serafina – 4000; André da Fonseca, médico de Mirandela – 500.

6 - Idem.

António Júlio Andrade / Maria Fernanda Guimarães
in:jornalnordeste.com

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