sexta-feira, 26 de abril de 2019

Retorno à anterior crónica que, como estava a ficar longa, achei por bem abreviar o seu fim

Por: António Orlando dos Santos 
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

...continuação
Creio que os leitores depois de lida a parte final da crónica, nomeadamente quando refiro que os meus condiscípulos aprenderam todos uma arte ou ofício, não significa que eu ache que a sociedade estava bem assim e não seria necessário dar-lhe mais formação e educação. A simples menção às profissões que elenco faz-nos vir à mente que sendo ocupações, digamos, artesanais seriam de índole pouco exigente se tivermos em conta a qualidade dos produtos por elas produzidos, quando comparados com os seus competidores em países mais desenvolvidos e mais exigentes tanto na qualidade substantiva como na qualidade estética.

É inquestionável que o país precisava de avanço tecnológico e de capacidade de "savoir faire" que lhe permitisse produzir em quantidade e qualidade.
Como não me sinto capaz de produzir dando à estampa um Ensaio sobre "Know How" quedar-me-ei pela comparação elementar aos níveis de independência financeira entre a minha geração e a dos nossos primogénitos.
Para não ser repetitivo cito apenas que todos os nascidos entre 1950/1955 e que se quedaram com apenas a instrução primária ganharam para se sustentarem, ainda que modestamente, e os que foram estudar e fizeram o secundário, preencheram e melhoraram os serviços do Estado, Banca, Seguros e Empresas. Estes, grosso modo, cursaram as especialidades que as Escolas Industriais e Comerciais lhes ofereciam, sendo de realçar o número elevado de bons técnicos de Artes Mecânicas e de Eletrotecnia e uma miríade que concluiu o Curso Geral do Comércio, que foi o Curso mais frequentado em Bragança, preencheram os quadros das várias Repartições do Estado com predominância no sector da Fazenda Pública, Segurança Social, Câmaras Municipais, Obras Públicas e outras.
Resumidamente está aqui gizado o quadro de emprego que a minha geração ocupou, incluindo também o Professorado que absorveu muitíssimos homens e mulheres que garantiram para si empregos estáveis e medianamente remunerados, sendo após a Revolução beneficiados, pois os Sindicatos que estavam bem organizados conseguiram tetos salariais muito generosos para as competências deste setor da sociedade. 
Os que concluíram o sétimo ano dos Liceus e rumaram às Universidades fizeram-se Médicos, Engenheiros, Economistas etc. e os que por vocação ou aproveitamento foram para as Forças Armadas conseguiram níveis de êxito que lhes garantiu reformas antecipadas e salários acima da média.
Bem, chegados aqui temos que ser cautelosos porque o raciocínio pode estar em contradição com o dos que aqui menciono como privilegiados em oposição aos que relevo na crónica anterior. Os operários ou artesãos, que tendo os seus conhecimentos das artes e ofícios e dada a incipiente capacidade financeira da região e do país no seu todo, não tinham os seus salários valorizados em função da produtividade e os quadros das empresas, quase todas micro, não os classificava como especialistas dada a falta de diplomas do Ministério da Educação que lhes facultasse a titularidade que com a mudança de nomenclatura impediu que o grau de 1º oficial de qualquer arte tivesse aceitação nos quadros que só aceitavam títulos académicos, mesmo que a literacia dos preteridos fosse igual ou superior aos incluídos. No entanto estes não eram parasitas pois exerciam a sua atividade nas condições de operários nas empresas privadas que pagavam muito menos que o Estado. E é aqui que ainda hoje, mesmo que o panorama seja diferente, não o é muito, pois continuam a ser os do setor privado que pagam os salários dos do público mesmo ganhando menos que estes. Foi possível parcialmente resolver em parte está questão de injustiça com o processo que os trabalhadores mais mal remunerados se aproveitaram com a Emigração. 
Ao mudarem-se para Franças e Araganças os operários e camponeses passaram a receber pelo mesmo número de horas de trabalho o triplo ou o quádruplo do que recebiam em Portugal. Resumindo a minha geração teve sempre vida trabalhosa, mas, sempre ganhou cá e lá o bastante para si e para educar os descendentes. Outras questões se levantam. 
Ao melhor nível salarial que a partir da segunda metade da década de 60 era notório não se utilizaram métodos de ensino que num curto espaço temporal equipasse a população menos letrada, que era a maioria com conhecimentos ao menos de cultura geral capazes de evitar as humilhações que os franceses e alemães infringiram às comunidades emigradas, que incapazes de responderem com atos de jaez cosmopolita o fizeram com a sua capacidade de trabalho e vontade indómita de melhorar o seu modus vivendi, partindo da sua capacidade de sacrifício e um comportamento cívico que os fez serem aceites por quem antes os ostracizava. E mais, foram as remessas de moeda forte que o Governo da Nação usou para conseguir na década de 60 um crescimento de mais de 5% ao ano, números jamais igualados no antes e depois desta época. Chegados aqui e com pena minha terei que dizer a razão porque segundo a minha análise não conseguimos transmitir aos nossos filhos a capacidade de sacrifício e a resiliência que colocamos na vontade de seguir em frente e hoje temos os filhos em casa até aos quarenta anos alguns sem nunca terem trabalhado, consumindo diariamente elevadas somas, porque não conseguem arranjar trabalho, alguns e outros nem sequer o procuram.
Gastámos rios de dinheiro para fazerem cursos sem saída e financiámos a educação superior aos empregados de supermercados, que usam as suas competências para reporem "stocks" nas prateleiras das grandes superfícies ou atendem as caixas de pagamento, auferindo o ordenado mínimo que é 150 vezes menor que o referencial de pagamento "without bonuses" do diretor dum armazém duma firma tipo Pingo Doce. Temos entre a geração dos nossos filhos e netos uma percentagem de "Viciados em drogas" alta, aos quais se faz tudo para lhes dar uma vida dignam, embora não consigamos mais que tê-los calmos à hora da refeição.
Temos escolas onde os alunos adolescentes insultam e agridem professores(as) e as cadeias a abarrotar de delinquentes que estão lá porque não houve quem se preocupasse a ensinar-lhe a distinguir entre o que é o bem e o que é o mal. Para isto tudo nós pagamos e achamos que é uma obra de misericórdia que temos obrigação de financiar. 
Aqui falhamos redondamente, é um facto! Claro que o que digo não se aplica a muita gente que foi capaz de ser gente de bem e muito úteis à sociedade. Em Bragança há um rácio deveres meritório de gente com habilitações académicas e que ocupam lugares de destaque nas mais variadas frentes da investigação, formação e gestão tanto nas Universidades como nas empresas nacionais e internacionais. Desses devemos orgulharmo-nos e prestar-lhes a nossa homenagem, mas devemos também pressioná-los para que sejam inventivos e solidários para influenciarem os poderes públicos a tomarem mais atenção aos problemas da sociedade tentando otimizar as Instituições para obstarem à derrocada para onde caminha a geração à qual demos vida e porque a nós nos prepararam sem muitas mesuras e mariquice, o resultado foi o que se constata.
Fomos ingénuos e néscios, pois fomos no conto do vigário e entregamos o nosso futuro na mão dos mais pérfidos traficantes de tudo o que fede e é nocivo à humanidade.
Deixámos que os políticos mais mafiosos ascendessem a lugares de topo de onde comandam a camararilha que os faz uns nababos em pouco tempo e demos poder aos bancários para em vez de serem eles a serem roubados serem eles a roubar-nos e a acusarem-nos de vivermos acima das nossas posses. ( Vide, Ricardo Salgado e sus muchachos). 
A crónica hoje por mim escrita está impregnada de um pessimismo que não agradará a muito boa gente, nem sequer a mim próprio, que a escrevi. Deixa no entanto espaço para louvar os diligentes, os sensatos, os cautelosos e todos os homens e mulheres honrados e trabalhadores, que possam dar exemplo às novas gerações que quando chegam encontram um mundo onde já não é agradável viver, por culpa nossa.
Tenhamos fé e metamos ombros ao trabalho de corrigir o que fizemos de mal. Precisamos de uma nova ordem, onde as escalas de valores não estejam invertidas e nos deem as coordenadas certas para atingirmos o Norte que as últimas cinco décadas nos fizeram perder! É 
por ela que me enfeito de agasalhos/ Em vez daquela manga curta colorida/ Vais sair minha nação nos cabeçalhos/Ainda a tiritar de frio acometida/. ( Fausto Bordalo Dias - Album: O despertar dos Alquimistas).


Nota: a redação deste texto inclui-me sempre como parte dos grupos que falhando ou vencendo são os responsáveis pelas decisões certas ou erradas que aqui assumo coletivamente. Pessoalmente e honestamente, considero que o lado negativo implícito neste texto, não se aplica à minha pessoa ou ao meu agregado familiar no respeitante ao seu formato nuclear. Por esta razão estou à vontade, permitindo a mim próprio discorrer sobre tema tão candente.






Bragança 23/04/2019
A .O. dos Santos
(Bombadas)

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