terça-feira, 18 de junho de 2019

A cerca do Convento de Santa Clara e a nova Catedral

Com a igreja aberta ao serviço de todos os fiéis, no ano económico de 1852-1853 a Câmara orçamentou uma pensão de 100$000 para as freiras de Santa Clara, um dos dois conventos de religiosas franciscanas existentes no bispado. Em 1853, a casa de Bragança tinha “apenas quatro religiosas” enquanto a de Vinhais, igualmente devota do exemplo do santo de Assis, ainda tinha nove.
Pormenor da fachada da antiga Igreja da Companhia de Jesus

Embora convertida em propriedade estatal, a cerca de Santa Clara de Bragança iria voltar à posse da Igreja, para aí se poder materializar o desejo adiado da edificação de uma nova catedral em Bragança. A vontade de tal cometimento parece ter a sua génese aquando da entrada solene em Bragança do bispo D. José da Silva Ferrão de Carvalho Martens, que ocorreu em 4 de outubro de 1875. Constatadas as insuficiências da antiga Igreja dos Jesuítas, o templo que servia de Catedral, e os constrangimentos que impunha ao esplendor pretendido para as solenidades principais, gerou-se um movimento apostado na edificação de uma catedral, o qual, aparentemente, contava com o apoio dos cidadãos mais distintos e influentes.
De acordo com o cónego Manuel António Pires, “não houve então ministro capitular, nem pessoa notável da Cidade, que não aplaudisse a empresa, e não prometesse abrir a sua bolsa em favor dela”. Tais intuitos devem ter influenciado o prelado a impulsionar uma iniciativa que apontava para o espaço do antigo convento de clarissas. Logo se deu andamento a um processo que, com a ajuda de parlamentares e de outros influentes, como o conselheiro Martens Ferrão, irmão do bispo, teve feliz desfecho na carta de lei de 22 de março de 1877.
Novamente se urdia em Lisboa, como aconteceu um século antes, o enquadramento que devia pautar a obra da nova catedral diocesana. Contudo, importa ter em conta que a concessão do convento era por tempo limitado e que existia a obrigação de, no prazo de cinco anos, se poder observar o estaleiro a bulir nem que fosse com a abertura dos caboucos para os alicerces.
Ainda no mesmo mês de março, o bispo adiantava-se com uma provisão relativa ao modo de apurar receitas, a qual, liberalmente, tinha a particularidade de propor a rigorosa observação “da espontaneidade dos fiéis”.
Mas como escreveu o cónego Manuel António Pires – que se meteu a redigir o Catecismo Explicado com o fito de o ofertar aos benfeitores desta empresa –, seriam, justamente, as estratégias de angariação de fundos que encravariam “a roda do movimento edificador”, o que viria a determinar o abandono do projeto, jamais iniciado, e o surgimento de interesses de outra índole que levariam o Estado a retomar as remanescências do Convento.
Alguma correspondência trocada entre o bispo, quando estava em Lisboa, e os elementos da “comissão capitular diretora da obra da nova catedral”, permitindo a compreensão dos pontos que estavam em jogo, informa sobre os eclesiásticos que compunham este órgão. Era presidido pelo reverendo mestre-escola António Joaquim de Oliveira Mós, e coadjuvado por outros ministros como Manuel António Pires, tesoureiro, António da Cruz e Sousa e Claudino César Pissarro, vogais, e Sebastião Luís Martins, secretário.
Da troca epistolar, sabemos que, em Lisboa, o arquiteto das Obras Públicas, João Maria de Nepomuceno, entregou ao bispo, no dia 26 de agosto de 1878, a planta da nova Igreja Catedral e os desenhos dos alçados. De acordo com uma missiva datada de 1 de setembro, remetia-se a planta para Bragança – só a planta –, com a indicação expressa de ser analisada pelo diretor das Obras Públicas do Distrito, o engenheiro Manuel Paulo de Sousa, a quem o prelado incumbiu a direção da obra, visto estar para isso autorizado por uma portaria do Ministério das Obras Públicas. Despachada a planta – o risco dos alçados permaneceria provisoriamente na capital para se “tirar dele algumas fotografias” –, entendia o bispo que estavam reunidas as condições essenciais “para dar começo à obra”, tanto mais que numa provisão publicada anteriormente, em 16 de março, tinha equacionado as formas de obtenção das receitas precisas, sobretudo através de uma dinâmica mobilizadora que, a partir dos polos dos arciprestados, levaria os elos da generosidade a todas as paróquias.
Planta para a catedral de Bragança, por José Maria de Nepomuceno, c. 1878

No dia 10 de setembro de 1878, o engenheiro Manuel Paulo de Sousa juntava-se aos membros da comissão 
capitular incumbida da direção das obras, pois muito se valorizava o seu parecer, não só acerca do “projeto do edifício, mas também sobre a maneira prática de o realizar com a maior brevidade possível”. Da troca de opiniões, importa fixar três pontos que o engenheiro Manuel de Sousa destacou como fulcrais: “a planta apresentada não satisfazia”, já que era necessário conhecer o projeto completo e o respetivo caderno de encargos; “uma obra de tanta importância carecia ser dirigida por um prático, ou mestre-de obras, que só no Porto ou em Lisboa poderia encontrar-se”; para se iniciar a empreitada, era necessária a existência prévia de um fundo de reserva, que não poderia ser inferior a quarenta contos de réis.
Tida em boa conta, a crua opinião do engenheiro Paulo de Sousa, sublinhando a insuficiência de informação do projeto assim como as necessidades materiais que o rodeavam, fez despertar a comissão fabriqueira para a realidade, razão pela qual “deliberou suspender o princípio de execução da obra”. Sendo certo que alguns dos seus membros, como o cónego tesoureiro, Manuel António Pires, continuaram a manter alto o nível de empenho, teimando na possibilidade de concretização de um desejo ansiado, as sessões seguintes da comissão cada vez tornavam mais patente o desinteresse de grande parte dos eclesiásticos, nomeadamente dos que, em Bragança, paroquiavam as freguesias de Santa Maria e da Sé. Por isso, apesar de se terem ainda visto alguns lampejos, a realização do projeto esmoreceu.
Com uma capela-mor muito profunda e mais estreita do que o corpo, com a única nave a ser segmentada por quatro tramos, o templo projetado pautava-se pelo figurino de cruz latina com braços do transepto bem marcados, que se desenharam com cinco faces. Em todo o perímetro, diversos contrafortes ritmavam os muros de vedação do espaço e assinalavam o desejo de se transmitir verticalidade à nova catedral.
Sabe-se que, em 1877, o bispo regressou aos “aléns” de Lisboa, onde tinha casa, a convalescer de grave doença.

Portanto, seria natural que se tivesse informado e conferenciado com arquitetos e outras pessoas conhecedoras, de forma a melhor iluminar o problema edificatório que tinha em mãos. Nesta perspetiva, também podemos admitir que alguns comentários sobre a derrocada da torre neomanuelina dos Jerónimos, que em 1878 matou alguns trabalhadores, chegaram aos ouvidos de D. José Ferrão de Carvalho Martens e até foram motivo de conversa e de reflexão. Sendo assim, o prelado penetrava num campo estético de onde emanavam orientações que influenciaram as soluções arquitetónicas e decorativas do seu tempo, basicamente estruturadas pelos repertórios do estilo gótico e da arte manuelina. Tratava-se de um alarde reinol de prestígio que, a par com outras fábricas, se vinha evidenciando nos trabalhos desenvolvidos nos Jerónimos desde o tempo de João Colson e continuados pelos cenógrafos Rambois e Cinatti.
Embora os pormenores da seleção sejam ignorados, era claro que os preceitos neogóticos eram muito apreciados pela arte religiosa e prolongados nas capelas tumulares dos cemitérios portugueses. Por conseguinte, nesta atmosfera artística não causa grande admiração que a escolha do arquiteto da nova catedral bragançana tivesse recaído em José Maria de Nepomuceno (1836-1895), que desde 1865 vinha desenvolvendo atividades no Ministério das Obras Públicas.

Título: Bragança na Época Contemporânea (1820-2012)
Edição: Câmara Municipal de Bragança
Investigação: CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade
Coordenação: Fernando de Sousa

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