sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Agosto, Festas da Cidade = Felicidade

Por: António Orlando dos Santos (Bombadas)
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
É comum dizer-se que a felicidade é inatingível.
Responderei, é, presentemente e afirmo que num tempo que me parece que ainda há dias era tempo, nós a tínhamos logo que chegava Agosto.

Tudo começava com uma imperceptível mudança, no ritmo de vida das pessoas que de repente deixavam o seu ar macambúzio e preguiçoso causado pelos calores de julho que lhes inquinavam o corpo e o espírito e que Agosto com a sua leveza etérea lhes suprimia.

Era assim que o meu entendimento, ainda jovem e sem-cuidados, esperava ansiosamente o cartaz que o Arquiteto Manuel Ferreira daria à estampa e saído do prelo ainda a cheirar a tinta, anunciaria as Festas da Cidade em honra da padroeira, Nossa Senhora das Graças.
No espaço correspondente às várias actividades, canto inferior esquerdo, estava cronologicamente elencado o programa desportivo que era o que mais interessava à trupe dos garotos da Caleja e Bairros "Adjacentes". Em caixa alta anunciava-se um grande encontro de futebol entre as equipas do Grupo Desportivo de Bragança e Zamora FC para apresentação aos sócios e simpatizantes da equipa representativa da cidade que jogará este ano o Campeonato Nacional de Futebol da 3ª Divisão. Era o tempo de vermos o Zurdo, o Micá, o Frias, o Tai -Tai, o Simeão, o Manolo e todos os que nos faziam sonhar com dribles à Jorge Mendonça e defesas como só o Lisboa fazia e a quem chamávamos o Boneco de Borracha.
O cardápio não ficava por aqui, havia ainda mais coisas de interesse para a trupe que não tinha ideia de perder uma que fosse. As outras eram um Torneio de Tiro aos Pratos, Torneio de Tiro aos Pombos, Gincana Automóvel e a mais esperada e também temida, Grande Corrida de Motorizadas no Circuito de S. Bartolomeu (Estrada de Turismo). Havia também corrida de Bicicletas a pedal que era interessante, mas que normalmente tinha vencedor garantido antecipadamente,  já que a classe do Valdemar Reis comparada com a dos outros participantes era indiscutível. 
O mesmo não acontecia na comparação que se fizesse aos contendores das "Especiais de Corrida" já que aqui quando a rivalidade começou a ter visibilidade o nível técnico demonstrado pelo nosso herói, o então ainda adolescente, Abílio Reis e o posto em evidência por António Barril ou seu irmão Eduardo, não apresentavam níveis técnicos díspares o que se constituía como elemento de incerteza quanto ao desfecho final da grande corrida que se anunciava no Programa das Festas da Cidade. 
Mesmo após as duas firmas se haverem dissociado do Fair Play exigido à boa prática desportiva e quando os seus fornecedores passaram a garantir-lhes máquinas e homens (corredores) que eram também similares, foi possível a previsão do desfecho final à chegada à meta. Durante alguns anos, poucos, mas os bastantes para garantir o mito e mantê-lo até hoje, esta prova, ou corrida, realizada no Circuito Turístico de S.Bartolomeu, vulgo Volta ao Cabeço, foi motivo para estratégias e tácticas que ocuparam as firmas, Barril X Reis esta da Caleja do Forte, aquela do Loreto. Subiu ao patamar das firmas fornecedoras de Aveiro, Águeda e Porto que eram fabricantes das marcas, Sachs e Zundapp, motores de origem alemã popularíssimas em Portugal e estas no apoio à sua rede de vendas não hesitaram em aceitar o repto e mandarem às corridas de Bragança as máquinas e homens mais qualificados para, vencendo, poderem influenciar positivamente as vendas. 
Aos três corredores de Bragança eram também facultadas motas especialmente concebidas para esse objetivo e que eu me lembre nem as máquinas deixaram mal os homens nem os homens desprestigiaram as máquinas. 
À Comissão de Festas desse tempo e às duas firmas mencionadas devemos a recordação dum tempo mágico que se concretizou em Bragança e que infelizmente se abandonou restando apenas a sua memória na cabeça de alguns saudosistas como eu que consideram os tempos da nossa infância e juventude mais conseguidos e vividos se comparados com os tempos fúteis e descaracterizados que hoje decorrem.
Uma palavra de saudade para os dois irmãos Barril e igual para o Toninho Reis, três homens que no seu posto de trabalho e em cima das suas motas, foram o preâmbulo que preparou a paciência da minha geração, que passou horas depois de os ver a eles ao vivo, em frente da televisão "mirando" Angel Nisto e "guardando" o italiano Rossi fazendo espectáculo nas pistas da Europa e do Mundo.
Ao Abílio Reis que continua de perfeita e feliz saúde mando um abraço fraterno, dizendo-lhe que também ele é parte e substancial das minhas memórias e amizades.
Do tiro aos pombos e aos pratos recordo a aura de elegância que pairava em cima daquela gente e deixem-me dizer o que eu pensava deles naquele tempo; gente que sobressai nestes e noutros eventos por haverem privado com estrangeiros "Sportsmen" tendo apreendido as "Arts and Sports" das classes que na outra Europa praticavam desportos que para nós eram ainda novidade. Gente com formação e dinheiro q.b. para pagar uma pequena fortuna para partirem uns pratos e matarem um bando de pombos que fugiam espavoridos . Mas, confesso com elegância e "Fair Play" engenheiros e criadores de gado, vindos de todo o país, gente diversa que praticavam o tiro como "hobby" e que davam às Festas um certo ar de distinção.
De Bragança mesmo recordo apenas o Senhor Afonso do Banco Ultramarino a quem chamavam 'O Carudo'.
Nos primeiros anos de 2000 assisti em Paris às fases finais do Roland Garros, quatro em sequência e perdoem-me o exagero, quando assisti ao primeiro duelo na quadra principal entre uma dama chinesa e a italiana Schiavonni, recuei sessenta anos para encontrar semelhança ainda que remota com o "elan" dos torneios do Campo do Toural nas Festas da Cidade.
Cada um pense o que quiser.
A gincana era coisa mais, ou melhor, menos elitista. Ainda assim, distante da trupe que já ali reconhecia alguns senhores de Bragança e também as meninas ou Senhoras que acompanhavam os participantes. Sem rodeios classifico-a como prova de elegância, mas mais popular, mais ao gosto ainda deseducado do poviléu. E é compreensível pois os carros eram já coisa popular. As diferenças faziam-na as senhoras. Era cada cara mais linda que eu pensava que elas não precisavam de usar o WC. Eram assim, lindas, desempenadas e... Pronto.  Eram as Remington de repetição que em vez de ganharem os Torneios de Tiro aos Pratos & Pombos, ganhavam a Taça da Gincana, isto porque quanto mais bela fosse a "Partner" mais hipótese de ganhar se apresentavam.
Mas se fui claro no desenrolar do texto todos os que me lerem vão pensar como eu penso; Que lindas eram as Festas da Cidade e quanto sonho lindo nos trouxeram.

Nota: Amanhã tentarei fazer uma segunda parte que faça a cobertura de todo o programa.





Gaia, 08/agosto/2019
A. O. dos Santos
(Bombadas)

1 comentário:

  1. Apesar de ser um pouco mais novo, identifico-me com algumas das memória, hoje partilhadas pelo sr. Santos

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