terça-feira, 29 de outubro de 2019

DE REGRESSO AO PALEOLÍTICO NA POLÍTICA

Já estávamos a habituar-nos a rever com bonomia os registos de discursos histéricos de Hitler, das estridências de Mussolini, dos tropeções de Trotsky ou das encenações que suportavam o orgulho de Estaline.  Não dávamos muita importância às multidões que os aplaudiam, vibrantes.
Nem sequer nos custava convencer-nos de que, com os avanços da ciência, o papel da informação num mundo cada vez mais aldeia de todos e a esperável consolidação de valores morais e princípios éticos não era pensável assistir à recuperação dos palcos da política mundial por parte de indivíduos semi analfabetos, ferinos, verdadeiros trogloditas.
Mas, a vida tem destas surpresas. Cem anos passados reencontramo-nos com pesadelos de que não nos vamos livrar nos próximos tempos e só serão debelados se conjugarmos verticalidade e coragem com a solidariedade de todos os que acreditam que a condição humana está para além do determinismo natural.
Enquanto fomos tendo notícia do exótico grande líder da Coreia do Norte admitimos que se tratava do canto do cisne das ditaduras. Ao mesmo tempo esperávamos que o regime de Havana caísse de maduro, sem notarmos que amadureciam frutos dos mesmos noutras américas. Ficámos perplexos com a chegada ao poder de Trump e, pouco depois, de Bolsonaro, que nos deixam zonzos a cada dia que passa.
Trump tem sido a expressão do que de mais básico se pode imaginar num liderança política depois do século das luzes e dos modelos ensaiados e postos em prática desde então. A figura ridícula que fez ao vangloriar-se da eliminação do chefe do novíssimo califado, não é admissível num responsável de uma das potências dominantes porque, pelo que se vê, em vez da coragem aparece a fanfarronice e a soberba vai tomando o lugar da serenidade.
Se quisermos olhar com atenção percebemos que também há multidões a aplaudir, registos para a festa das partilhas raivosas, até à consagração extasiada da tontaria, com as consequências que conhecemos de outros episódios tristes na história.
Ainda mais inquietante é verificar que o fenómeno tende a alastrar e a instalar-se, incómodo, no nosso quotidiano, quarenta e cinco anos depois das portas abertas da democracia. Já conhecíamos os efeitos dos comportamentos tribais nalguns grupos restritos, ligados a um entendimento irracional do futebol. Fomos esperando que as coisas mudassem com novas gerações mais educadas e informadas. Afinal, terão sido esperanças vãs.
O fenómeno do tribalismo também cresce no espaço político e tem expressão temível nas redes sociais. A agressividade, o insulto soez, a mentira deliberada e a promoção do ódio colhem crescentes adeptos, que lhe amplificam os efeitos até aos níveis do sórdido, do obsceno e do miserável, sem que se reconheça a definição da fronteira entre dignos e indignos porque, da esquerda à direita, muitos parecem sentir-se como peixes na água, chafurdando no caldo pestífero da indecência.
A desilusão com a política talvez tenha solução, mas ter vergonha da humanidade pode ser o início do verdadeiro apocalipse.


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