segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O MENINO DE RUA E UM SONHO

Por: Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS
São Paulo (Brasil)
(colaborador do Memórias...e outras coisas)



Ele morava na rua! Todos os dias ele estava nas ruas! Vendia balas nos semáforos da cidade grande. Quando chovia, vendia capas plásticas; ao anoitecer, quando as pessoas voltam do trabalho, ele vendia chocolates. Tudo para dividir com o TIO, uma espécie de “arregimentador” de vendedores de rua. O dinheiro, minguado, sequer dava para comprar um PF (*)!

Todos os dias, enquanto vendia as balas, ele via o menino mulato, sendo levado, de carro, para a escola. E todos os dias a senhora, branca, que o trazia, dava-lhe um abraço afetuoso e se despedia com um beijo na face! Que inveja daquele menino, de sua própria cor e idade, mas que certamente tinha um lar, na sua família adotiva; comida quente, banhos com sabonetes, roupas, cama macia, televisão e brinquedos.... .

Todas as noites, logo após prestar contas com o TIO, ele passava defronte à Igreja do Menino Jesus. Ele invejava o Menino Deus, no colo da Nossa Senhora e sonhava o dia em que iria estar com ela, no céu; longe daquela vida horrorosa que ele levava.

Ele sabia que ninguém o notava! Passava despercebido pela maioria das pessoas.

Todos os dias ele observava a estátua de pedra: uma mulher negra com um menino nu; no colo. Ele sempre apreciou a estátua. Ele sentia carência de um colo de mãe, ainda que fosse de pedra; gostaria de ter um colo quente, uma palavra benfazeja, de um abraço envolvente! Ele carecia de mãe; de família!

De repente, os fogos nas ruas à meia-noite o fizeram lembrar que era Natal. Aceitou um gole de bebida alcoólica de um de seus pares: ficou atordoado; não estava costumado a beber e a barriga roncava de fome. Acomodou-se debaixo da marquise da loja chique, em plena Avenida Paulista. A cabeça girava, o sono foi chegando e, finalmente dormiu.

E ele sonhou com a Nossa Senhora com o Menino Jesus nos braços. Ainda viu quando o Menino Jesus desceu dos braços da mãe e foi até à marquise onde ele dormia. O Menino Jesus então o tomou pelas mãos e o levou até a estátua de Nossa Senhora. Esta o acolheu em seus braços. Ele sentiu o calor que ela irradiava, embora soubesse que isso era uma alucinação, pois a estátua era de pedra e não possuía calor. Mas ele se aqueceu e dormiu nos Seus braços! E continuou a sonhar: viu-se de pé sobre uma grande mesa, redonda, rodeada de pequenos focos de luz e viajava em velocidade alucinante em direção ao céu. Olhou para baixo, não viu mais a cidade nem o planeta; estava muito acima deles todos.

Viu um lindo portal florido, que antecedia um imenso jardim, onde crianças de todas as etnias brincavam juntas, lindas e felizes.

 - Ali, doravante seria seu lar: - ele havia chegado ao Paraíso!

N. A. (*): O prato de refeições mais comum (e barato) em São Paulo – Brasil, composto de arroz, feijão, uma carne e salada (ou batata frita). 

Em 2020, o preço médio está entre R$ 15,00 e  R$ 18,00; ou de 3 até 4 Euros. A sigla PF significa ”Prato Feito”.

Criado em 2008


Antônio Carlos Affonso dos Santos – ACAS. É natural de Cravinhos-SP. É Físico, poeta e contista. Tem textos publicados em 8 livros, sendo 4 “solos e entre eles, o Pequeno Dicionário de Caipirês e o livro infantil “A Sementinha” além de quatro outros publicados em antologias junto a outros escritores.

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