LIFE Iberconejo lança bases para avaliar situação do coelho-bravo na Península ibérica

 Depois de mais de um ano de trabalho, as administrações de Portugal e Espanha apresentam hoje um método que dizem ser pioneiro para se conhecer a situação do coelho-bravo na Península Ibérica.


Este marco do projecto LIFE Iberconejo é um “passo essencial para melhorar o estado de conservação das populações desta espécie, que vão sofrendo um declínio drástico em grande parte do território e, simultaneamente, desenvolve metodologias para mitigar ou evitar os danos causados pela espécie na agricultura, quando em excesso populacional”, segundo um comunicado do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

O coelho-bravo é uma peça chave dos ecossistemas mediterrâneos, principal presa de espécies icónicas como o lince-ibérico ou a águia-imperial.

Mas, quando em excesso populacional, é considerada a espécie selvagem que mais danos causa na atividade agrícola, segundo o mesmo instituto.

“Obter informação em falta será o ponto de partida racional para uma boa gestão desta espécie e, simultaneamente, o principal desafio do projeto LIFE Iberconejo, no qual estão envolvidas 15 entidades provenientes de todos os setores da sociedade: conservacionistas, cientistas, caçadores, agricultores e administrações públicas.”

As metodologias de monitorização de coelho-bravo foram construídas com base nos contributos de 511 especialistas de Portugal e Espanha, culminando numa série de testes de campo para validação dos modelos.

“São metodologias padronizadas que permitirão identificar variações nas populações de coelho-bravo que podem afetar a conservação de outras espécies ou, por outro lado, evitar os prejuízos em culturas agrícolas ou ainda estabelecer a alertas precoces no início dos surtos de doenças.”

Para a recolha de dados no terreno, o LIFE Iberconejo adaptou a plataforma SMART – Ferramenta de monitorização e informação geoespacial, que permite recolher dados em tempo real e analisá-los à escala ibérica, graças a uma plataforma online projetada por especialistas e que poderão ser adaptadas, no futuro, para acompanhar outras espécies.

“O coelho-bravo é uma das espécies mais difícil de gerir porque possui duas características completamente opostas. Nos últimos 70 anos as populações na península decresceram mais de 90%, no entanto, e ao mesmo tempo, existe superabundância em certas áreas que produzem danos significativos nas culturas agrícolas”, comentou Ramón Pérez de Ayala, director do projecto.

“Graças ao esforço de todos os parceiros e agentes envolvidos neste projeto, estamos a lançar as bases de uma gestão a longo prazo do coelho-bravo que permite preservar seu papel vital ecológico e reduzir os conflitos sociais associados.”

O projeto LIFE IBERCONEJO visa conhecer e melhorar o estado de conservação das populações de coelho-bravo em Portugal e Espanha e, ao mesmo tempo, prevenir os danos que podem causar à atividade agrícola. Desenvolvido na Península Ibérica até Dezembro de 2024, e cofinanciado pelo programa LIFE da União Europeia, inclui representantes de todos os agentes sociais envolvidos na sua gestão: administrações, cientistas, associações conservacionistas, agricultores e caçadores.

Coordenado pela WWF Espanha, o projeto tem como parceiros os governos da Andaluzia, Castela-La Mancha e Extremadura, o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas de Portugal (ICNF), a Fundação CBD Hábitat , a Associação Natureza Portugal – WWF, Universidade de Castilla-La Mancha (IREC-UCLM), Instituto Nacional de Investigação Ciências Agrárias e Veterinárias (INIAV), Faculdade de Ciências da Universidade do Porto/CIBIO, Agência Estado Conselho Superior de Pesquisa Científica (CSIC/IESA), a Fundação Universidade San Pablo CEU, a União dos Pequenos Agricultores e Pecuaristas (UPA), a Real Federação Espanhola de Caça (RFEC) e a Associação Nacional de Proprietários e Produtores de Caça (ANPC).

Helena Geraldes

De “ A a Z “ – sem filtros - “DESCAMISADOS”

Por: Maria dos Reis Gomes
(colaboradora do Memórias...e outras coisas...)

Na sequência da construção do “glossário - dos meus “estados de alma” - que iniciei com as publicações de 23 de Julho, hoje escrevo sobre  os “descamisados”…. Não vou fazer história nem contar estórias sobre a vida de Eva Duarte de Perón, mas… sim, lembrei-me dela e da sua relação com os “descamisados”, na sua Argentina, e dos movimentos por justiça social.
Justiça social é o que falta neste mundo que desrespeitamos todos os dias. Numa população de cerca de 8,04 de bilhões de pessoas, mais de 780 milhões vivem abaixo do limiar da pobreza e 11% da população total vive em pobreza extrema, sem conseguir satisfazer necessidades básicas de alimentação, saúde, acesso a água e saneamento. *
Não vou fazer análise sociopolítica sobre os dados que acabo de expor e que se encontram ao alcance de quem os quiser consultar. Basta olharmos à nossa volta: as filas para aceder a uma refeição diária, aos sem-abrigo que estão nas ruas, defendendo-se do frio e dos ataques, nas estações de metro ou em qualquer pardieiro à espera que um qualquer cigarro, mal apagado, os faça desaparecer.
A miséria encapotada é mais que muita: filhos que continuam em casa dos pais apesar de trabalharem e desejarem a sua independência, novas famílias que não se formam, “velhas famílias” que se aguentam na mesma casa apesar de já não terem nada em comum, filhos que desaprendemos a amar e educar”, depositando na escola o que devia ser feito em casa. Sofremos pelos pais, pelos filhos e netos que não temos por perto. Despovoaram-se aldeias, onde só ficaram os “velhos”, abandonados e tristes, sem o poder reivindicativo de sindicatos que os defenda, num mundo de cada um por si.
Depois, porque não estamos bem, olhamos de “soslaio” e desconfiança todos aqueles que nos procuram, fugindo das guerras, da fome, da violência, e que, em vez da segurança que procuram, são acolhidos por gente que se aproveita da sua fragilidade, para os explorar sem qualquer escrúpulo. Já fomos de tudo: emigrantes e imigrados, refugiados e estrangeiros. E, apesar disso, sem querer entrar na verdade da nossa história, fica-me a sensação de que não conseguimos evitar que um passado colonizador contamine as nossas acções. 
Não, não “somos todos um só”. A proximidade cultural, que o processo de mundialização nos permitiu imaginar, está longe de se concretizar. Não basta dizer, como afirma o biólogo americano Alan Templeton, que não existem raças, que as diferenças genéticas entre as mais distintas etnias são insignificantes e que o conceito de raça não é biológico, mas cultural. 
Então, inferimos, que por mais semelhantes que sejamos, por mais camisas que já hoje consigamos envergar, os descamisados ou “despojados” da Eva Perón, continuam dramaticamente a existir, cada vez mais e em diferentes geografias.

Maria dos Reis Gomes
28 de setembro de 2023

*10% da população mundial controla 76% de toda a riqueza deste planeta, 50% dos mais pobres vão sobrevivendo com 2%, nós “os médios”, temos que trabalhar muito e ter alguma sorte para usufruir dos 22% que restam


Maria dos Reis Gomes
, nascida e criada em Bragança.
Estudou na Escola do Magistério Primário em Bragança, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira em Lisboa e na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação no Porto, onde reside.

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Jovem ferida com gravidade em capotamento na A4

 Acidente fez dois feridos


Uma jovem, de 20 anos, ficou ferida, hoje, com gravidade, na sequência do capotamento da viatura em que seguia, na A4, no sentido Macedo de Cavaleiros - Bragança.

Um outro jovem, de 19 anos, ficou também ferido, mas sem gravidade. 

Por motivos ainda por apurar, o veículo embateu no separador central, sendo projectado para o talude da berma e veio a capotar para o centro da via, ficando imobilizado nesse ponto, segundo confirmaram os bombeiros de Bragança, que disseram ainda que os dois feridos saíram pelos próprios meios para a berma da autoestrada.

Os bombeiros explicaram que o jovem apresentava ferimentos leves na cabeça e feridas sangrantes nos membros superiores. Já a jovem tinha uma traumatismo crânio encefálico, com uma ferida sangrante, de difícil controlo, bem como ferimentos nos membros inferiores. Dados os ferimentos da rapariga, os bombeiros pediram o apoio da VMER de Bragança.

O acidente aconteceu ao quilómetro 191.

Escrito por Brigantia

BTT AZIBO

 No dia 1 de outubro, a cidade de Macedo de Cavaleiros irá acolher um evento para os amantes de bicicleta todo o terreno. O BTT Azibo promete uma jornada repleta de aventura e adrenalina, rodeado de paisagens naturais maravilhosas da Albufeira do Azibo.
A partida está marcada para as 9h30 da manhã, no Parque de Exposições de Macedo de Cavaleiros.

Máquina de reciclagem do mercado já trocou 13 mil quilos de embalagens por 20 mil euros

 No primeiro ano e meio de exploração do Sistema de Depósito e Incentivo (SDI), cuja máquina que dá vouchers em troca do lixo, instalada no mercado municipal de Bragança, foram recolhidas cerca de 13.000 kg de embalagens Tetra Pak, plástico e de alumínio.


O reembolso dos vouchers emitidos já superou os 20.000€, adiantou o Município ao Mensageiro. “Trata-se de um valor significativo que permitiu às pessoas efetuar compras de bens no Mercado Municipal de Bragança, nas lojas aderentes, beneficiando, desta forma, a economia local”, explicou fonte oficial da autarquia em resposta a um pedido de informação do nosso jornal. O SDI é um projeto-piloto do Município de Bragança em parceria com a Tetra Pak (empresa líder mundial em soluções de processamento e embalagem alimentar) e a Empresa Intermunicipal Resíduos do Nordeste. A máquina está em funcionamento no mercado municipal desde abril do ano passado.

Bragança foi o primeiro município português a integrar um SDI com o objetivo de fomentar a reciclagem das embalagens de cartão para bebidas (como pacotes de leite, sumos, vinho ou natas), garrafas de plástico e latas de bebidas. O cidadão leva à máquina as embalagens e pode usufruir de um benefício financeiro de 2 ou 5 cêntimos dependendo do tipo de entregas. Segundo as informações da câmara no primeiro ano do projeto foram recolhidos cerca de 9.680 kg de materiais recicláveis, o que corresponde a uma média mensal de 800 kg.

“A avaliação global do projeto é muito positiva tendo a adesão superado em muito as nossas expetativas iniciais. O projeto está a ser uma aprendizagem para uma nova temática que muito em breve vai ser uma realidade em Portugal. Permite-nos aprender e capacitar tecnicamente as pessoas da Resíduos do Nordeste, de forma a compreender toda a logística necessária para a gestão de um sistema de recolha de embalagens”, explicou a fonte.

Apesar de inicialmente se terem verificado “algumas dificuldades técnicas decorrentes da tecnologia inovadora” instalada na implementação do projeto, o município deu conta que, entretanto, se encontram resolvidas. “Registam-se, por vezes, utilizações abusivas da máquina o que origina pontualmente alguns constrangimentos”, admitiu a fonte.

A parceria entre as três entidades: Município de Bragança, Tetra Pak e a Resíduos do Nordeste, foi renovada até março de 2024, “esperando que, até lá, surjam as orientações técnicas e regulamentares por parte do Governo para a implementação deste tipo de soluções de recolha de materiais recicláveis”, adiantou a autarquia.

Glória Lopes

Produção de castanha transmontana recupera nesta campanha

 A produção de castanha na região de Trás-os-Montes está a recuperar este ano, depois das quebras acentuadas na campanha anterior, disse hoje à Lusa Paulo Afonso, da Associação Florestal Arbórea.


Segundo o técnico da associação transmontana, a apanha das castanhas já começou naquela região, um pouco mais cedo do que é habitual, por causa do tempo quente. Apesar disso, choveu no momento certo, o que está a permitir a colheita de fruto com “boa qualidade e bom calibre”.

“Veio [a chuva] no momento certo para a castanha estar a frutificar normalmente. O que nos pode levar a considerar que as variedades principais vão ter uma boa produção”, acrescentou Paulo Afonso, à margem da conferência de imprensa de apresentação da XVIII edição da Rural Castanea - Festa da Castanha, que decorre em Vinhais de 20 a 22 de outubro.

“O que pode prejudicar a campanha é se este clima se mantiver tão seco”, alertou.

O técnico da associação explicou, contudo, que, apesar de "não ser ótima", a campanha "está bastante boa”.

No ano passado, as quebras na produção variaram entre os 60 a 80%. “Este ano, em princípio, estamos a falar de uma recuperação. Até porque já houve também melhorias em relação à vespa da galha do castanheiro”, explicou aos jornalistas Paulo Afonso, acrescentando que esta praga está agora “estabilizada”. 

Para a recuperação da produção também estão a contribuir as variedades de castanha híbridas, mais resistentes à vespa da galha do castanheiro. Apesar de ainda ser “uma pequena parte” do total, revelou, “estão a ter este ano uma grande produção” em fruto

O município de Vinhais submeteu ainda uma candidatura a fundos comunitários, que foi aprovada, de cerca de um milhão de euros, para tratar castanheiros doentes com cancro.

“O tratamento está a ser feito em todo o concelho. Ainda não há resultados propriamente ditos,(…) mas esperemos que resulte”, adiantou aos jornalistas o autarca local, Luís Fernandes.

Vinhais é um dos maiores produtores nacionais de castanha. Naquele concelho do distrito de Bragança há cerca de 1.500 produtores. São colhidas anualmente entre 13 a 15 mil toneladas de castanha, o que movimenta cerca de 15 milhões de euros.

“O ano passado foi muito mau. De certeza que este ano será melhor, porque, sendo um ano bom para a castanha, é um ano bom para o concelho e para a região”, salientou aos jornalistas o presidente da câmara municipal de Vinhais, Luís Fernandes.

A Rural Castanea regressa este ano a data original, sendo a primeira do calendário nos certames dedicados à castanha.

Decorre no Parque Municipal de Exposições de Vinhais, pretende “valorizar a castanha, promovê-la gastronomicamente e potenciar a sua produção e divulgação”. Juntam-se os restantes produtos locais como o fumeiro, num total de 75 expositores.

Esta edição da Rural Castanea volta a contar com o maior assador de castanhas do mundo, desde 2007 inscrito no Guiness World Records.

O evento vai contar ainda com uma parte musical, com concertos de Bárbara Tinoco, dia 20. A 21 de outubro, atua Diogo Piçarra.

TYR//LIL
LUSA/FIM

Administradores hospitalares avisam que recusa às horas extra é "caminho perigoso"

 Os administradores hospitalares manifestaram hoje preocupação com a crescente recusa dos médicos em fazer mais do que as 150 horas extraordinárias obrigatórias por lei, alertando que é “um caminho perigoso” que pode repercutir-se na saúde das pessoas.


No início de setembro, um grupo de profissionais enviou ao ministro da Saúde uma carta aberta com mais de 1.000 assinaturas de médicos a avisar da sua indisponibilidade para fazerem mais horas extra a partir de 12 de setembro.

Desde então, segundo o movimento Médicos em Luta, que entretanto se constituiu, a indisponibilidade dos médicos provocou “problemas na elaboração da escala do serviço de urgência” em pelo menos 21 hospitais, incluindo Viana do Castelo, Garcia da Orta, Bragança, Barreiro, Guarda, Viseu, Santarém, Braga, Matosinhos, Leiria, Aveiro, Caldas e Torres Vedras, Portimão e o Hospital Santa Maria.

Em declarações hoje à agência Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Xavier Barreto, afirmou que estas recusas se tornaram “um problema essencialmente nos serviços de urgência, porque é a atividade que depende mais de horas extraordinárias”.

“O que se perspetiva é que provavelmente alguns hospitais terão dificuldade em garantir o funcionamento do seu serviço de urgência, com todas as consequências que isso poderá ter para a saúde das populações”, afirmou Xavier Barreto, reconhecendo que a situação preocupa as administrações dos hospitais, que estão a tentar resolver o problema “com as ferramentas que têm ao seu dispor”.

Explicou que os administradores estão a tentar que os médicos que ainda têm horas extra para fazer ou não tenham apresentado a declaração de indisponibilidade assegurem o serviço ou então tentam recrutar prestadores de serviços para suprir esses turnos, mas disse não ser garantido que “esse suporte seja o suficiente para garantir o funcionamento das urgências”.

“Portanto, existe uma possibilidade real de termos dificuldades para assegurar alguns serviços de urgência”, vincou, adiantando que a situação está a passar-se um pouco por todo o país, apesar de ter começado na região Norte, onde tem tido “grande adesão” por parte dos médicos em alguns hospitais.

Xavier Barreto disse que o facto de o Médicos em Luta ser “um movimento inorgânico, promovido por um conjunto de médicos que não parece depender de um sindicato em concreto”, torna “ainda mais difícil o diálogo” para que a situação se resolva, após as negociações entre os sindicatos médicos e a tutela não terem chegado a bom porto.

No seu entender, estar a utilizar o risco de encerramento de urgências para tentar “impor uma solução para as negociações das grelhas salariais e da organização do trabalho médico” com a tutela não é adequado.

“Eu diria que, eventualmente, faria mais sentido que optassem por outra estratégia”, porque “colocar em risco as populações, ameaçando o encerramento dos serviços de urgência, com tudo o que isso pode significar para as pessoas, não me parece que seja uma estratégia aceitável no âmbito de uma negociação com a tutela”, defendeu.

O presidente da APAH sustentou que os médicos têm outras ferramentas ao seu alcance, nomeadamente, o direito à greve, à qual podem sempre recorrer num processo de negocial.

“Numa visão de curto prazo, o que nós gostaríamos é que as pessoas tivessem bom senso, percebessem aquilo que está em causa, o direito à saúde por parte das populações e que, no fundo, não optassem por esse caminho, que é um caminho perigoso que pode de facto repercutir-se na saúde das pessoas”. 

Já a médio e longo prazo, defendeu, “o que faria sentido era que as urgências fossem estruturadas, organizadas em função de equipas dedicadas”, com várias especialidades, em que a pessoa presta serviço de urgência em horário normal, com um regime de incentivos próprios, como tem vindo a ser defendido por diretores de serviços da urgência de vários hospitais e pelos administradores hospitalares.

“Em boa verdade, o funcionamento da urgência foi sempre centrado numa fórmula muito frágil que é de termos profissionais ou em horas extra ou em prestação de serviços. Isto é muito frágil como estamos a ver”, lamentou.

HN // FPA
Lusa/fim

Decisão Difícil - Na Madrugada dos tempos - Parte 14

 Só quem nunca pensou chegou alguma vez a uma conclusão. Pensar é hesitar. Os homens de ação nunca pensam.

Fernando Pessoa (1888-1935)
Escritor português
Por: Manuel Amaro Mendonça
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")

Naci tomou a dianteira em direção ao pai, logo seguido por todos os outros, a mole de curiosos que se reunia em volta deles, abriu alas para que chegassem ao chefe.

Erem abraçou brevemente o filho e ouviu com atenção o relato nervoso do que acontecera, enquanto verificava que quase todos ostentavam ferimentos, a maioria ligeiros.
Nehir e Zia observaram o jovem que jazia desacordado na padiola a respirar curta e aflitivamente; tinha, como os outros, o cabelo escuro entrançado e decorado com esferas brilhantes, sobrancelhas espessas e o rosto pálido alongado, atravessado por um ferimento que sangrava abundantemente. Envergava uma túnica comprida castanha que lhe chegava aos joelhos e ostentava uma placa reluzente, marcada com traços, ao pescoço. Os pés e as pernas estavam envoltos em várias tiras de couro que seguravam uma mais grossa que lhe protegia a sola dos pés. A curandeira indicou que o levassem para a tenda dela, enquanto a mãe, ajudada por outras mulheres, começou a cuidar dos feridos menos graves.
Erem olhou com desconfiança para os seis altos e silenciosos guerreiros que seguiram o ferido para a tenda. Todos traziam o cabelo igual, com pequenas variantes, vestiam túnicas semelhantes e calçavam sandálias… tudo manufaturado com grande perfeição. Nem os melhores artesãos do clã conseguiriam reproduzir qualquer daquelas peças.
Naci fez tenção de os seguir, mas o pai tocou-lhe no braço e pediu-lhe que explicasse o que acontecera e quem eram os estranhos. Juntou-se de imediato grande parte do clã para escutar.
— Temos dois belos auroques para ir buscar. — Cemil aproximou-se também, sorrindo para o irmão, havia uma nódoa negra na face direita e um corte na testa que eram as suas mais recentes “medalhas” e os dentes avermelhados exibiam um espaço negro onde haviam desaparecido alguns. — Vamos é ter de os dividir com os nossos novos amigos.
— Mas que são eles? — Era evidente a suspeição de todos, verbalizada por Lemi, que, entretanto, se juntara para saber as novidades.
— Dizem que o seu povo se chama Hati e vivem numa grande povoação toda construída em pedra. Para nós, são o povo das cascatas que se localiza a cerca de dois dias subindo o rio. — Esclareceu Cemil limpando um fio de sangue que lhe escorria para a barba. — O povoado chama-se Hatiweik falam como nós, mas há muitas palavras que não entendemos.
— Estávamos escondidos a vigiar uma enorme manada de auroques, havia uma fêmea mais pequena que se distanciava lentamente dos outros. — Começou a contar Naci. — Esperávamos que estivesse longe o suficiente para o apanharmos sem que o resto da manada se apercebesse…
— … quando aqueles malucos apareceram vindos não sei de onde a atacar o animal que nós vigiávamos. — Continuou Cemil rindo com a sua boca vermelha. — Claro que um enorme macho, que estava por perto, investiu sobre eles assim que se mostraram.
— Num instante, a presa, os estrangeiros e o terrível macho corriam todos na nossa direção. — Naci arregalou os olhos e ergueu as mãos simulando as hastes do auroque.
— Aqui o teu filho, — Cemil colocou o braço sobre o filho do chefe —, sem deixar que o medo o vencesse, ergueu-se da vegetação e atirou a lança certeira sobre o pescoço da nossa presa. O pior é que já estavam todos em cima de nós e eu demorei muito a levantar-me.
— Foi uma enorme confusão. — Confirmou Naci rindo-se com vontade. — Assustaram-se todos connosco e o macho, que vinha logo atrás, começou a distribuir cornadas em todas as direções.
— Quando dei por mim, — acrescentou excitadamente Cemil, exibindo mais uma vez a falta de dentes na boca ensanguentada —, voava de cara contra uma pedra.
— Eu levei com um dos Hati em cima. — Continuou o filho do chefe. — Depois o auroque interessou-se por outro deles e ainda lhe deu umas boas pancadas, antes de nós todos juntos acabarmos com ele.
— Ainda bem que os deuses vos trouxeram a salvo a todos. — Erem suspirou de alívio, mas logo acrescentou, batendo nas costas do irmão e rindo: — A uns mais inteiros que outros.
Todos riram com gosto, mas logo o chefe acrescentou: — Falem com Lemi para terem dois grupos a sair às primeiras luzes e trazer as carcaças da vossa excelente caçada. Eu agora verei como está o estrangeiro.
A tenda de Nehir era invulgarmente grande; dava para estar em pé com uma criança às costas e cabiam três homens deitados ao comprido e quatro à largura. As peles de auroque, cozidas umas às outras, eram suportadas por enormes presas de mamute. Fora o primeiro lar de Erem e da família antes do chefe se decidir trocar por uma casa de pedra, mais pequena e logo mais fácil de aquecer. A filha não os quis acompanhar e continuou lá com o irmão Nuri, posteriormente assassinado pelos homens-macaco. Atualmente, aquele era o local onde todos os feridos e doentes recorriam, antes mesmo de ir pedir a Zia que intercedesse junto dos deuses.
Erem, acompanhado de Alim, que chegara, entretanto, informado do que se passara na caçada, aproximaram-se da entrada da tenda. Alguns membros do clã tentavam convencer os dois estrangeiros de que, se alguém podia salvar o seu companheiro, era aquela curandeira. Calaram-se ao avistar os recém-chegados.
O chefe aproveitou para deitar mais uma mirada ao vestuário dos dois jovens que lhe devolveram uma pequena, mas respeitosa inclinação de cabeça, enquanto franqueavam a entrada.
Toda a tenda estava na penumbra, apenas iluminada pela luz vermelha do braseiro ao centro e o pequeno recipiente de argila, com gordura, que ardia na mão da curandeira. O estrangeiro estava deitado no chão, sem a túnica, apenas com um pedaço de tecido embrulhado na cinta.
Nehir, de joelhos, já havia limpado o longo ferimento do rosto do paciente e observava-lhe o pescoço, enquanto ele respirava com dificuldade em inspirações curtas e rápidas. A pele das faces tornava-se azulada e por vezes abria muito os olhos, como um peixe fora de água. Os braços batiam no chão alternadamente e empurrava com os pés, como se quisesse afastar-se de alguma coisa.
A curandeira olhou com preocupação para o pai e depois para o doente.
— Escapa? — Quis saber Erem.
— Não sei. — Ela fez uma careta com os dentes cerrados. — Está muito mal. Não consegue que o ar entre nele e se continuar assim morrerá em pouco tempo.
— Mas não tem furos no peito nem nas costas. — Observou o chefe.
— Pois não. — A filha concordou, tornando a olhar para o estrangeiro que parecia cada vez mais aflito. — Mas tem o pescoço muito vermelho e parece que não o consegue mexer. Acho que o espírito zangado do auroque que eles mataram se agarrou ali e vai sufocá-lo.
Zia entrou na tenda no preciso momento em que estas palavras eram proferidas. Examinou o pescoço do paciente, afastando-lhe as mãos com que se debatia.
— Não podemos fazer uma oração para expulsar o mal? — Sugeriu Erem, torcendo a boca em desagrado. — Um sacrifício com o fígado do animal? O coração?
— Acho que morre antes disso. — Concluiu Zia para os outros dois, antes de se voltar para a filha: — Ainda te lembras, quando estávamos com Birol, de como Nida, a mulher do xamã Gokai salvou o teu tio depois do ataque do urso?
— Eu era pequena, mas lembro-me bem. — Nehir baixou os olhos. — Também já me lembrei disso, mas tenho medo de o fazer.
— Fez um sacrifício com a cabeça do urso e as pontas das lanças dos guerreiros que o mataram… — Erem recordava-se — … ao por do sol!
— Ele não aguenta até ao por do sol. — Sentenciou Zia. — Além disso, não foi só o sacrifício que Gokai fez…
Um gemido alto, apesar de sufocado, fez com que os companheiros do ferido entrassem alarmados.
— … Nida fez-lhe um buraco para entrar o ar. — Concluiu Nehir sem levantar os olhos.
— Um buraco? — Alarmou-se um dos estrangeiros?
— Não consegues salvar Tibaro? — Quase sussurrou o outro, abordando diretamente Nehir.
— Ele tem um mau espírito, possivelmente o auroque que mataram, no pescoço e não o deixa respirar. — Atirou Zia de chofre.
— E tu queres cortar-lhe o pescoço? — O primeiro dos estrangeiros indignou-se.
— Espera, Himono. — Tornou o outro, antes de questionar, desta vez, Zia. — Achas que o salvas? Que pensas fazer?
— Já vimos salvar um parente nosso com o mesmo problema há muito tempo. — Explicou a mulher do chefe. — Não sabemos se resulta, mas, se não fizermos nada, só poderemos confiar nas orações a Swol. Penso que não verá os primeiros alvores.
— Mas… — o chamado Himono continuava escandalizado —… cortar-lhe o pescoço? Estás louco Kiala? Temos de o levar para casa, para Mirsulo, ele saberá o que fazer.
— Não é cortar o pescoço, é apenas um buraco… — tentou esclarecer Nehir.
— Mirsulo é tão curandeiro como tu ou eu. — Sentenciou Kiala. — Teria de ser o curandeiro Savirio e não sei se aguentará até lá.
— São livres de partir quando quiserem, como eram livres quando chegaram cá. — Esclareceu Erem. — O vosso amigo está muito mal e se a minha mulher e filha dizem que não escapa se não se fizer nada, acredito que assim será. Se não quiserem fazer nada, nada faremos. Se quiserem levá-lo ao vosso curandeiro, enviarei alguns homens para vos acompanhar. De todas as formas, faremos um sacrifício no santuário, assim que formos buscar a cabeça e as mãos do auroque, para que Swol ajude a libertar os ares para o vosso amigo.
— São precisos dois dias para chegar lá, com todos saudáveis. Com ele assim, levaremos mais de três. Mandamos dois dos nossos avisar Mirsulo do sucedido com o filho, mas serão dois dias para lá e outros dois para cá. — Concluiu o chamado Kiala. — Também compreendo que ele não aguentará de nenhuma forma. — Baixou os olhos pensativamente.
— O sacrifício deve ser realizado ao nascer do dia ou ao cair da noite. — Explicou Zia. — Não podemos falhar. Se aparecer um pouquinho do sol nas montanhas do nascente antes de começarmos, terá de ser adiado para o por-do-sol. Se, nessa altura, já não houver luz nas montanhas de poente, não se poderá começar e adia-se para o dia seguinte…
Por fim, Kiala exclamou, decidido: — Iremos buscar a cabeça e as mãos da besta. Com a tua autorização, pedirei a ajuda de Naci e mais alguns.
— Podes dispor de tudo o que é nosso para salvar este homem. — Acedeu Erem.
— Sei que Mirsulo ficará furioso, se Tibaro estiver morto quando ele chegar, mas mais furioso ficará se souber que nada fizemos para o salvar. — Kiala falou diretamente para o companheiro. — Agora deixemos os curandeiros trabalhar.

Manuel Amaro Mendonça
nasceu em Janeiro de 1965, na cidade de São Mamede de Infesta, concelho de Matosinhos, a "Terra de Horizonte e Mar".
É autor dos livros "Terras de Xisto e Outras Histórias" (Agosto 2015), "Lágrimas no Rio" (Abril 2016), "Daqueles Além Marão" (Abril 2017) e "Entre o Preto e o Branco" (2020), todos editados pela CreateSpace e distribuídos pela Amazon.
Foi reconhecido em quatro concursos de escrita e os seus textos já foram selecionados para duas dezenas de antologias de contos, de diversas editoras.
Outros trabalhos estão em projeto e sairão em breve. Siga as últimas novidades AQUI.

Miranda do Douro recebe festa do desporto distrital do Grupo Pressnordeste

 O Município de Miranda do Douro recebe no sábado, dia 30, a VIII Gala Prémios Nordeste Desporto do Grupo PressNordeste (Rádio Brigantia e do Jornal Nordeste). Helena Barril, presidente do município, considera fundamental a aposta na prática desportiva.
Cerca uma centena de atletas e colectividades do distrito de Bragança vão passar, no próximo sábado, pelo Auditório Municipal de Miranda do Douro.

Trata-se da VIII Gala Prémios Nordeste Desporto que distingue atletas e clubes que alcançaram títulos na última época nas várias vertentes desportivas.

Ler a notícia completa AQUI.

Pseudo SIMPLEX Ambiental: desresponsabilizar sem desburocratizar

 
MANIFESTO

A crise ecológica está a colocar em risco a civilização tal como a conhecemos. Os relatórios do The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) e do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services (IPBES) não deixam dúvidas sobre a gravidade alarmante das alterações climáticas e da consequente perda de diversidade e que as mesmas tenderão a agravar-se nos próximos anos. Em contraciclo com a necessidade urgente de acautelar os valores ambientais, sentida à escala planetária, em Portugal, o Governo aprovou o SIMPLEX Ambiental, um diploma legal cujo objetivo, legítimo, de simplificação dos procedimentos administrativos para obtenção de autorizações e licenças ambientais, é feito à custa de medidas que prejudicam a sua qualidade e, portanto, podem comprometer o Ambiente em Portugal.

Em vigor, e com efeito desde março de 2023, este diploma configura um retrocesso de décadas, fazendo tábua rasa dos valores fundamentais que a política ambiental e o instrumento da avaliação de impacte ambiental visam proteger, desrespeitando a legislação nacional e europeia nesta matéria e violando o Direito Comunitário e Internacional. Ao adotar o SIMPLEX Ambiental, o Governo está a incumprir os seus compromissos internacionais, nomeadamente a Convenção de Aarhus sobre o acesso à informação, participação do público nos processos de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente.

As entidades abaixo assinadas recusam com veemência o (pseudo-)SIMPLEX Ambiental, em cuja lógica o ambiente é encarado apenas como um entrave à economia. Consideramos que o presente diploma, embora contendo alguns aspetos positivos, em nada resolve os problemas estruturais que prejudicam processos mais céleres e transparentes, limitando-se a encurtar excessivamente prazos e a excluir avaliações, ou eliminar processos de verificação, sem fundamento científico adequado, ou sem a necessária ponderação de todos os interesses e perigos em causa. Mais do que reduzir a burocracia, promove a desresponsabilização face ao interesse coletivo, à proteção da natureza, à biodiversidade, à participação dos cidadãos e a um desenvolvimento sustentável.

As organizações abaixo assinadas desconhecem alguma listagem exaustiva dos documentos, ou procedimentos duplicados e/ou desnecessários, ou que tenham sido identificadas as situações de falta de articulação/comunicação entre serviços, que deveria ser o fundamento deste diploma.

De entre os aspetos absolutamente inaceitáveis, destacamos os seguintes:

  • Redução da obrigatoriedade de efetuar Avaliações de Impacte Ambiental (AIA) e de haver participação pública na tomada de decisão: fora de áreas sensíveis, ficam excluídos da análise caso a caso alguns projetos de piscicultura intensiva e projetos industriais, contemplando instalações da indústria do papel, da alimentação, dos têxteis, dos curtumes, da madeira, da borracha e muitos outros;
  • São particularmente graves as disposições relativas à aplicação do procedimento de AIA ao desenvolvimento de novas grandes centrais solares fotovoltaicas, deixando de ser obrigatório para projetos quando a área ocupada seja igual ou inferior a 100 ha. Esta isenção de AIA ignora os impactes ambientais negativos cumulativos destas centrais solares, e os direitos das populações afetadas que se têm oposto a vários destes projetos. As associações ambientalistas têm alertado que a proliferação de centrais solares está a acontecer sem estratégia de localização, controlo ou restrições;
  • Aumento dos limiares para a realização de AIA, por exemplo a diminuição do controle e redução de resíduos perigosos: a passagem de 100 para 1.000 ton por ano a partir do qual é obrigatória a realização de um plano de minimização da produção de resíduos perigosos é de um laxismo que não tem qualquer justificação e colide com os objetivos de prevenção da produção de resíduos, constituindo um grave risco para a saúde pública e para o ambiente;
  • Recurso ao deferimento tácito (ou seja, aprovação automática) e revisão das normas para a obtenção de licença prévia, sem permitir uma adequada ponderação de todos os interesses em jogo, podendo viabilizar projetos que não cumpram exigências ambientais mínimas. O deferimento tácito nas legislações europeias é o último recurso. O SIMPLEX propõe a redução dos prazos de resposta para apenas 10 dias, sendo que as entidades competentes apenas podem solicitar esclarecimentos uma única vez. Este curto prazo antes da aprovação tácita representa um desinvestimento no serviço público, limitando a participação destas entidades, que têm escassos recursos para responder a todas as exigências;
  • Desvalorização da participação de entidades e verificadores nos procedimentos ambientais, tornando facultativa a verificação por uma terceira parte, o que poderá favorecer a vulnerabilidade à corrupção. A justificação apresentada é que “a utilização de entidades acreditadas significa um custo para as empresas". A questão crucial que se coloca é quem pagará o custo de processos não verificados de forma independente? E a resposta é óbvia: seremos todos nós, gerações presentes e futuras;
  • Automatização da revalidação de licenças ambientais ao fim de dez anos, reduzindo-a a um ato burocrático. Em 10 anos muito evolui em termos tecnológicos, o que demonstra a desadequação e o desconhecimento relativo à modernização e dinâmica das respostas científicas e tecnológicas para a sustentabilidade e os interesses do país a médio e longo prazo, bem como o efeito cumulativo da carga ambiental das atividades;
  • Redução do controlo de efluentes, por exemplo ao emitir licenças para pecuária intensiva mesmo a suiniculturas sem plano de gestão de efluentes;
  • Fraca agilização na utilização de águas residuais: por um lado, a utilização para uso próprio apenas necessita de comunicação prévia (podendo dar azo a potenciais riscos para a saúde pública), enquanto a utilização fora dos locais de produção mantém a obrigatoriedade de licença. Face ao agravamento das situações de seca, seria desejável facilitar a utilização de águas residuais tratadas na rega. Relembre-se que a atual taxa de reutilização de águas residuais tratadas é de 1,2%, sendo que o Governo declara que quer chegar a uma meta de 20% em 2030;
  • Aumento da vulnerabilidade dos recursos hídricos, permitindo o uso abusivo de água no espaço urbano (por exemplo, de um rio que atravesse zona urbana), substituindo a licença por uma comunicação prévia, o que não dá tempo às entidades competentes para se pronunciarem e não dá margem para mudança/diminuição de uso.

Além disso, este Decreto-Lei não acrescenta mecanismos de monitorização e plataformas/ferramentas que permitam aos cidadãos aceder a informação sobre os processos de licenciamento de projetos (públicos e privados), nem avaliar os impactes ambientais e em particular os impactes cumulativos.

Esta tentativa de agilizar licenças e procedimentos e de encurtar prazos administrativos elimina os incentivos ao desenvolvimento de bons projetos que minimizem os impactes ambientais, sem de facto reduzir significativamente a demora dos processos. A AIA é uma ferramenta importante, e única, para ponderar os impactes ambientais de um projeto na sua fase preliminar e, consequentemente, melhorar a sua conceção e definir medidas de mitigação. A resposta a dificuldades e atrasos administrativos não deve ser a eliminação desta etapa essencial mas sim o reforço dos recursos, sejam humanos, técnicos ou financeiros, alocados às várias entidades responsáveis.

Adicionalmente, a AIA é um momento privilegiado para a participação pública, procurando mais transparência na tomada de decisões e mais aceitação social na implementação dos projetos. O (pseudo-)SIMPLEX Ambiental retira aos cidadãos e partes interessadas a possibilidade de participarem do processo decisório, algo que se assume, desde há decénios em países democráticos, como a base das práticas de boa governança.

O (pseudo-)SIMPLEX Ambiental compromete o princípio da precaução e da participação e, consequentemente, a salvaguarda do interesse comum e da integridade ecológica para as gerações futuras.

Não podemos aceitar que os interesses económicos presentes vigorem à custa do futuro da Biodiversidade, das Comunidades e do Planeta. Apelamos à revogação deste Decreto-Lei!

25 de setembro de 2023

SUBSCRITORES

Arméria - Movimento Ambientalista de Peniche
Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF
Campo Aberto Associação de Defesa do Ambiente
GEOTA - Grupo de Estudos do Ordenamento do Território e Ambiente
OnGaia - Associação de Defesa do Ambiente
Palombar - Conservação da Natureza e do Património Rural
PAS - Plataforma Água Sustentável, constituída por:
A Rocha Portugal Água é Vida
Al Bio
Almargem - Associação de Defesa do Património Cultural e Ambiental do Algarve
CIVIS - Associação para o Aprofundamento da Cidadania
Dunas Livres
Ecotopia Ativa - Associação Ambiental e de Desenvolvimento Sustentável
Faro 1540 - Associação de Defesa e Promoção do Património Ambiental e Cultural de Faro
FALA - Fórum do Ambiente do Litoral Alentejano
Glocal Faro
LPN - Liga para a Protecção da Natureza Probaal - Associação para o Barrocal Algarvio
Quercus - Associação Nacional de Conservação da Natureza
Regenerarte - Associação de Proteção e Regeneração dos Ecossistemas
proTEJO - Movimento Pelo Tejo
ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável 

Vimioso: Congresso internacional abriu a bienal dedicada à cultura

 A 1ª Bienal Intercultural, Transfronteiriça e Europeia, iniciou- se em Vimioso, a 28 de setembro, com a abertura do congresso internacional, dedicado a partilhar experiências e aprendizagens, sobre os modos como a cultura pode ser uma alavanca no desenvolvimento social e económico dos território rurais.


No auditório, da Casa da Cultura, o presidente do município de Vimioso, Jorge Fidalgo, explicou que a 1ª Bienal Intercultural, Transfronteiriça e Europeia, resulta de uma parceria entre o município e a associação francesa Inter-Value, cujo presidente é o luso-descendente, natural de Vimioso, Manuel de Lima.

“O objetivo desta bienal intercultural é reforçar o papel da cultura, como elemento fundamental na promoção dos territórios e como fator de desenvolvimento económico”, indicou.

E para definir estratégias e ações neste sentido, o autarca de Vimioso, destacou a presença no evento de personalidades de vários ramos do saber, provenientes de países como Espanha, Itália, França e da Roménia.

“Pretende-se promover trocas de experiências e proporcionar aprendizagens, para que a cultura seja verdadeiramente transfronteiriça e europeia. Ou seja, não podemos ficar fechados no nosso espaço, com as nossas tradições e identidade. Há que promover e divulgar este nosso património além fronteiras. Inicialmente, aqui ao lado, na vizinha Espanha e depois, mais além, no âmbito europeu”, explicou.

Outro participante na abertura do congresso foi César Férnandez, alcaide de Ribadávia, uma localidade espanhola, da província de Ourense, pertencente à comunidade autónoma da Galiza (Espanha).

No seu discurso, o autarca espanhol indicou, que à semelhança de Vimioso, também o concelho de Ribadávia é um espaço rural, onde vivem cerca de 5 mil habitantes.

“Dada a existência de um enorme património histórico e cultural, a cultura é para nós um importante fator de desenvolvimento humano, turístico e económico”, sublinhou.

A par do património, César Férnandez, destacou o papel da sociedade civil, em particular das associações locais, pelo trabalho na dinamização de atividades que promovem a atração turística. E deu como exemplo destas atividades, a Mostra Internacional de Teatro, que atrai anualmente milhares de pessoas à localidade espanhola.

“É fundamental envolver a sociedade civil na promoção do território, em particular, nos períodos de menor afluência de visitantes e turistas, como acontece no inverno”, indicou.

Por sua vez, o jovem espanhol, Manuel Araujo, técnico da Oficina Municipal de Informação Juvenil (OMIX), em Ribadávia, referiu-se ainda ao contributo do voluntariado, no desenvolvimento de projetos, nas localidades rurais.

“Graças ao programa Corpo Europeu de Solidariedade (CES) há jovens de diferentes países a desenvolver projetos e atividades culturais, em Ribadávia. A presença destes jovens é uma lufada de ar fresco e uma oportunidade para as gentes locais receberem novas ideias. E na verdade, há um enriquecimento mútuo entre a população local e os voluntários”, disse.

O congresso internacional da 1ª Bienal Intercultural, Transfronteiriça e Europeia prossegue nos dias 29 e 30 de setembro, com um programa repleto de palestras e mesas redondas.

Paralelamente, estão programadas outras atividades como cinema, exposições, música e dança, apresentação de livros, concertos de bandas filarmónicas e visitas a várias localidades do concelho de Vimioso.

“Com as visitas às localidades do concelho, queremos envolver toda a população e simultaneamente dar a conhecer aos participantes na bienal, a nossa identidade, o património, a natureza e as nossas gentes”, adiantou a vereadora da cultura de Vimioso, Carina Lopes.

Segundo a vereadora, de 28 a 30 de setembro, o parque municipal de Vimioso vai ser o local da Feira de São Miguel, um certame que vai contar com a participação de expositores de todo o concelho.

No Domingo, dia 1 de outubro, o destaque na bienal intercultural é a visita à localidade de Algoso, por ocasião da assinatura da Carta de Compromisso de Adesão à Rede de Aldeias de Portugal.

A 1ª Bienal Intercultural Transfronteiriça e Europeia encerra no dia 2 de outubro, com a Feira do Livro, a projeção do filme “Alma Viva” e um debate com a realizadora Cristéle Meira.

HA

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Almiro Mateus, o médico “especialista em gente”, que dá consultas gratuitas e recebeu uma medalha de ouro de Penafiel

 Saiu de Torre de Moncorvo para estudar medicina em Coimbra. Prometeu que de lá só sairia para um sítio que tivesse cinema e uma equipa de futebol na 1ª divisão. Penafiel recebeu-o bem em 1985 e hoje, mesmo sem uma coisa nem outra, ofereceu-lhe uma medalha de ouro. Almiro Mateus, que presidiu ao Conselho Clínico e de Saúde Tâmega II do Vale do Sousa Sul, traz em cada conversa dezenas de histórias do que viveu nas consultas. E diz que “cada vez temos mais doutores e menos médicos”.

Rui Oliveira - Fotojornalista

Foi em dezembro de 2021, depois de uma conversa algo embaraçosa à mesa e com um bom prato de javali, que Almiro recebeu o convite para um “desafio maravilhoso”. O padre de Boelhe, sentado ao seu lado, aproveitou que saiu da mesa para fumar um charuto para o seguir e lhe pedir um favor em privado. “Tenho tanta gente aqui que não tem acesso ao centro de saúde, ou porque lhe falta médico, ou porque ninguém atende os telefones... Pedia-lhe que passasse umas receitinhas aos meus idosos”.

O médico disse-lhe que sim, que ele mandasse à secretária uma lista com as necessidades das pessoas e logo ele devolvia com as respectivas receitas. E voltou para a mesa.

Mais um bocado de javali, mais um copo, quando o padre voltou ao assunto. “Sabe, doutor, eu ando um bocado exausto porque, durante o confinamento, os idosos não tinham ninguém com quem falar. Tinham medo, isolavam-nos nos quartos, e eles estão perturbados. Se o doutor lhes pudesse dar uma palavra… Sabe o que é que eu fiz no tempo do confinamento? Semanalmente, eu acendia uma lamparina em todas as campas do cemitério de Boelhe”.

Almiro Mateus diz que saber do gesto do padre mexeu consigo. Saber que naquela aldeia de Penafiel havia a quem acudir ainda mais. E respondeu-lhe. “Ó padre, escreva aí: a partir de janeiro, eu venho cá de 15 em 15 dias, faço uma consulta gratuita ao sábado e não quero nem vinho, nem presuntos, nem salpicões, nem cabritos, nem queijo... não quero nada. Caso contrário, da mesma forma que entrei, eu saio”.

A partir de então, Boelhe preparou-se para receber Almiro, com um consultório improvisado dentro da associação de desenvolvimento e até placa com o seu nome na porta. No começo de janeiro, lá estava.

Um senhor de 84 anos era o primeiro paciente. “Ó doutor, eu sou diabético. Estas caixinhas de comprimidos sem receita custam cem euros. Queria ver se me podia passar umas receitas, porque a minha filha já ligou para o centro de saúde e ninguém atende; o meu genro já perdeu um dia de trabalho para lá ir e o médico não estava”.

Almiro passou três receitas, mas sentiu um certo desconforto no homem, olhando para os papéis e já caminhando no sentido da porta como quem tinha algo mais para dizer. “Sabe, doutor, eu tenho uma vergonha em mim”. Explicou-lhe que devia dez receitas à farmácia localizada mesmo ao lado de sua casa e, para não enfrentar os farmacêuticos, nos últimos meses já ia dar uma volta grande, com as pernas a ressentirem-se, até à segunda farmácia mais próxima.

Passou-lhe todas as que tinha em atraso, sob um olhar de orgulho do homem. Percebeu que tinha ali um novo fã, mas longe de si pensar no que aconteceria ao final da tarde. De carrinha mal estacionada e com alguma pressa, o genro do senhor chegou-lhe com batatas e cebolas para levar para casa. “Eu disse que não quero nada!”, repetiu Almiro. “Não, o senhor padre disse que não queria nem presuntos, nem coelhos, nem vinho, nem salpicão, nem leitões… Eu trago-lhe aqui umas batatinhas e umas cebolas”.

Almiro anuiu. Não tinha como ripostar um argumento assim. Estava ali explanada a razão pela qual aceitou o desafio de dar consultas aos idosos de Boelhe – e ainda o continua a comandar, mas também para os netos desses idosos, tios, emigrantes e até para pessoas de outras aldeias que sabem das consultas pro bono e lá vão. Encontrara ali, mais uma vez, o porquê de ter querido seguir medicina.

Rui Oliveira - Fotojornalista

A PALAVRA CURA

Depois de uma infância passada em Torre de Moncorvo e da juventude vivida na cidade dos doutores, Coimbra, onde chegou a morar numa república e a ter aulas de neurologia no Jardim da Sereia, Almiro queria assentar num sítio próximo do Porto – “tinha de ter cinema e um clube de futebol na 1ª divisão”.

Em 1985, Penafiel parecia-lhe bem para ficar com a esposa e a primeira filha, já nascida. “De facto, tinha um clube na 1ª divisão, tinha um cinema e estava próxima do Porto”, características que viria a perder dois anos depois de chegar.

O novo médico vinha motivado para romper com as formalidades que eram esperadas pela sua posição social na cidade. De sapatilhas e camisa “com a fralda de fora”, como ainda hoje, gostava de almoçar nas tascas olhadas de lado pelo seu superior, por considerar que “não eram sítio onde os doutores pudessem comer”.

QUERIA SER MÉDICO E NÃO DOUTOR. E QUE DIFERENÇA É ESSA, AFINAL?

Sentado no consultório da clínica Medifala, onde é diretor clínico depois de jubilado do Serviço Nacional de Saúde, Almiro diz que aprendeu em Coimbra que “se um médico não puder ajudar, ao menos não faça mal” e que “há uma enorme diferença entre ser médico e ser doutor e nós cada vez temos mais doutores e menos médicos”.

Das paredes do consultório sobressaem quadros, muitos deles oferecidos, e presépios, porque faz coleção. Um deles tem Maria, José e o menino Jesus de máscara – recordação dos tempos difíceis que Penafiel viveu com a pandemia de covid-19, quando ainda era presidente do Conselho Clínico e de Saúde Tâmega II do Vale do Sousa Sul. Se houve coisa que Penafiel lhe deu foi reconhecimento: a medalha de ouro também, mas sobretudo o respeito dos penafidelenses. E se houve coisa que pensa ter trazido a Penafiel, foi “a relação próxima para com as pessoas, o hábito de vestir a pele de cada doente”.

Os gatos estão por todo o lado. Percebemos que, mais do que por gostar de felinos, os doentes enchem-lhe o espaço com figuras destes animais por ser conhecido pela expressão “nem tudo o que mia é gato”. Isto é, “nem toda a tosse é pneumonia, mas pode ser. Nem toda a falta de menstruação é gravidez, mas pode ser”, explica. E a diferença da medicina geral e familiar, que sempre foi para si a primeira escolha, está em entrar no mundo do doente. Não lhe dar medicação para dormir antes de perceber o que é que lhe tira o sono. E ouvi-lo, porque a experiência diz-lhe que por vezes, só de falarem, os doentes já saem mais aliviados da consulta.

Dos 40 anos de medicina, as histórias saem-lhe de cor. Chegou a safar um idoso quando até o padre já lhe tinha ido a casa fazer a unção. “Estava com uma pneumonia mas ainda demorava a morrer e só morria se a família não o levasse ao hospital”. Desde então, todos os anos o senhor entregou-lhe um cabrito numa cesta de verga. “Marque este dia, 20 de julho. Enquanto eu for vivo, todos os vintes de julho eu vou trazer-lhe um cabrito. Eu sou o homem que o doutor visitou e estava morto”, recorda das palavras do idoso.

Chegou a abrir a USF de Castelo de Paiva no fatídico dia de 2017 com mais incêndios em Portugal, com a cidade toda em chamas. “Falei com um taxista amigo, atravessámos a serra a arder, abrimos o hospital, atendemos 40 pessoas e transferimos 20. E a população aderiu: vieram enfermeiros da zona ajudar, veio um colega médico. Aí é que se vê o que é ser solidário”, lembra também.

Rui Oliveira - Fotojornalista

DIAGNÓSTICO: O SNS PADECE DE UMA “HOSPITALITE”

Almiro diz que a medicina como a aprendeu está em vistas de extinção, com a especialidade de medicina geral e familiar a perder perceção de importância social e as pessoas a dirigirem-se cada vez mais à urgência.

“O dia em que um senhor doutor for à urgência e estiver lá nove horas sem que ninguém lhe diga nada, vai começar a perceber que vai ter de tratar melhor as pessoas”, envageliza. “Agora [o sistema] envia uma mensagem. “Aguarda análise”. Eu creio que não pode ser. Tem de haver alguém que venha à sala e diga que está mais demorado porque entretanto chegou um acidente. Perdemos tudo no dia em que o interface humano for substituído pelos ipads”.

Segundo o médico, as novas gerações são tecnicamente ótimas mas “fizeram a medicina em cruz”, respondendo a testes de escolha múltipla, e por isso, “têm uma visão de funil do diagnóstico”. Se uma “dor de barriga é na fossa ilíaca esquerda, então é apendicite”.

Mas nem tudo o que mia é gato. E por isso teme qual o futuro da medicina em Portugal.

“Esta cultura da malta nova, muito hospitalocêntrica, vai dar um rombo ao SNS”, acredita o médico jubilado. “A “hospitalite” não promove a relação próxima que as USF ainda vão mantendo com os doentes, de serem gestores desde a pré-concepção, ao bebé, ao adolescente, ao adulto, até ao idoso”.

Por isso, na consulta que ainda mantém no privado, grande parte das pessoas que lhe aparecem no consultório apenas querem uma segunda opinião. Muitas vezes, o médico não conseguiu dispensar os minutos suficientes para explicar o porquê de estar tudo bem.

Aos 66 anos, Almiro continua a ter agenda cheia. Todos os dias a secretária imprime uma folha A4 com as horas das consultas e dos compromissos e ele corta a tabela e cola-a na agenda. Não pensa abandonar a consulta a não ser à quarta à tarde, o pedaço de dia que reserva para cuidar das mais de 150 navalhas transmontanas ou para aparar as pontas aos Bonsais – e que desta vez destinou a receber o Expresso.

Joana Ascensão - Jornalista

Carlinhos da Sé e do Bairro São João de Deus! - Parte I

 A 10 de setembro de 1986, o Carlinhos desapareceu das vistas e dos dias. Inquieto na manhã desse dia, rezou na linha (hoje Av. Sá Carneiro), voltado para São Bartolomeu, como lhe era hábito. Depois, quando o sobrinho Zé saía para o trabalho disse-lhe que ia ter com a morte. «E tu a dar-lhe Carlos, sossega homem». E foi. Na noite daquele dia foi avistado em Castro Avelãs, a passar a ponte de Ariães e subir Formil acima. A família procurou e desesperou, o Bairro questionava-se e as autoridades intrigavam-se. Falava-se da Serra da Nogueira, onde as novenas tinham terminado dois dias antes, sem a sua presença. Foi passada a pente fino. Ter-se-ia perdido pela floresta e sido atacado pelos lobos, ou morrido de frio no Inverno que se assomava? O mistério permaneceu e passados meses as autoridades, à míngua de pistas, deram o caso como encerrado e o Carlinhos como desaparecido em parte incerta. O semanário Mensageiro de Bragança noticiou: «desapareceu João Carlos Pereira, figura muito conhecida em Bragança pelo nome de Carlinhos da Sé».
Na cidade o desaparecimento foi lamentado, a Praça da Sé, coração de Bragança, foi definhando com a perda do seu filho dileto e o encerramento do Snack-Bar Cruzeiro, e até as paredes da igreja entraram em pranto. Passou-se ano e meio até que, a 29 de Abril de 1988, foi encontrado um esqueleto na Serra. A GNR acorreu ao local e depois a família, que identificou o cadáver. Estava próximo da casa do guarda, numa ravina coberta de matagal, em direção a uma linha de água, no que parecia um sarcófago paleolítico. De novo o semanário Mensageiro de Bragança informava: «foi encontrado o esqueleto do Carlinhos da Sé, perto da aldeia de Formil, numa zona de difícil acesso. Foi um guarda-florestal que fez a descoberta. Pelas roupas foi possível identificar o cadáver». Há coisas inacreditáveis: Três pedras grandes definiam uma espécie de Dólmen, aconchego de um esqueleto intacto, deitado e vestido, em repouso na mansão dos mortos; uma camisa aos quadradinhos, por baixo de uma grossa camisola de lã, agasalhava o tronco, e calças com cinto castanho a rodear as presilhas; os ossos dos pés tinham uns quantos pares de meias a servir de aconchego; o casaco estava pendurado numa fenda da rocha e as sapatilhas alinhadas numa pequena plataforma; o boné repousava ao lado do corpo. Estava tudo em boa ordem. Pendurado no pescoço, o sempre presente crucifixo da avó Inês, no bolso do casaco a célebre meia de lã, pesada de moedas, e no das calças uma carteira de plástico com uma nota de 100 escudos do Camilo e uma de 50 escudos da Rainha Santa Isabel. E a sua navalhinha, claro.
O Carlinhos padeceu naquele local porque para ali foi chamado por vontade Divina. Na sua hora, o corpo foi depositado na Terra e a alma subiu ao Céu, em paz e perfeito sossego. Deus depositou-o dignamente, beijou-lhe a fronte, confortou-o e acolheu-o no Seu Reino. O Carlinhos era um inocente e um puro de coração, e se Deus ainda nos mantém ligados à Terra aos Carlinhos deste mundo se deve! Os restos mortais foram levados para a Igreja da Sé e ali foi velado. Não há memória de um funeral tão concorrido em Bragança. Novos e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, da cidade e das aldeias acorreram a prestar a última homenagem ao icónico conterrâneo. A celebração da Missa de corpo presente foi feita pelo cónego Luís Ruivo, coadjuvado pelo primo, o padre António. Uma missa que durou hora e meia e onde o elogio feito pelo celebrante lembrou a graciosidade e simplicidade do Carlinhos, a carismática figura de um brigantino de referência e a devoção e pobreza de um irmão de São Francisco. O próprio cónego Ruivo recordou, nessa altura, uma história pessoal: saiu um dia da igreja da Sé e encontrou o Carlinhos encostado nas arcadas, que lhe disse: “o sôr cónego já comeu o mata-bicho? Nã me parece, venha daí comigo ao Poças que eu lho pago, co corpo tamém precisa de alimento”.

… Continua no próximo número …

Abílio Lousada