sexta-feira, 31 de maio de 2024
BRAGANÇA - Autor: Carlos Gil - Data: Janeiro de 1975
Trás-os-Montes - No tempo em que os sinos dobravam
«Os sinos foram, durante séculos, um valioso meio de comunicação, em especial nas zonas rurais. Davam às comunidades as notícias alegres e tristes, tantas vezes empoladas pelo critério emocionado dos sineiros que imprimiam cunhos pessoais no manuseio dos badalos», afirma o professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
E dá exemplos: «pelas características do toque a finados, sabia-se se era morte de homem, de mulher ou de anjinho. Nos toques a rebate, vinham os alertas de perigo, que se distinguiam caso se tratasse de fogo, de invasão, saqueamento, caça a ladrões ou batida a animais selvagens. Os rebates desesperados dos sinos apelavam a um congraçamento colectivo na defesa dos interesses em perigo».
«Em muitas aldeias transmontanas, no toque a finados, usava-se o sino maior do campanário, na crença de que quanto maior fosse o estrondo, para mais longe iria o demónio naquela hora e não se aproximava do defunto», recorda o etnógrafo, adiantando que «segundo a tradição popular, o demónio ciranda em torno do corpo procurando resgatar a alma».
«Daí os vários rituais de esconjuro que nesses momentos o povo costumava praticar, como é o caso da recitação das “Doze palavras ditas e retornadas”», sublinhou.
Outros toques de grande representação simbólica nas comunidades estão associados aos momentos do parto, refere Alexandre Parafita, precisando que «é tradição serem tocadas nove badaladas quando a mulher está no momento de dar à luz e em alguns lugares é o marido que se ocupa dessa tarefa».
Segundo Alexandre Parafita, também se tocava o sino para afugentar as trovoadas, usando-se aquele que estivesse virado para o lugar onde se pensava que os raios iriam cair, «habitualmente a serra do Marão “por não dar palha nem grão”».
«A crença na eficácia dos sinos em tempos de trovoada é grande entre a população transmontana. Reza a lenda que na Castanheira, aldeia do concelho de Chaves, os sinos da igreja de São João tocavam sozinhos para anunciar as trovoadas, o que permitia aos camponeses regressarem dos campos a tempo de se protegerem e acautelarem os seus haveres. E conta-se também que os galegos de uma povoação vizinha, sabendo dessa virtude dos sinos, foram lá roubá-los, e que estes, depois de recuperados pelos seus legítimos donos, nunca mais tocaram sozinhos», conta.
Alexandre Parafita faz ainda referência a outras «lendas de sinos que narram toques misteriosos sem a presença de qualquer sineiro».
«Aludem, por exemplo, ao dia da restauração da independência no ano de 1640, em que muitos sinos tocaram sozinhos num impulso solidário e patriótico contra os espanhóis, numa altura em que ainda não tinham chegado a terras tão longínquas as notícias do golpe dos conjurados», aponta.
Não faltam também «lendas de sinos que aludem à sua fuga misteriosa das igrejas onde foram colocados, indo aparecer no local onde pretendem que o templo seja construído. Este contexto traduz geralmente conflitos de vizinhança, com constantes transladações dos sinos para diferentes locais em função das conveniências dominantes nas comunidades. E perante questões terrenas desta ordem, importa que haja uma resposta do Céu, traduzida na fuga do sino à revelia da mão humana».
Café Portugal/Lusa
Escutismo celebra um século de existência no distrito com nove agrupamentos ativos
No distrito foram fundados 15 agrupamentos de escuteiros num século, mas atualmente só estão nove em funções. “Alfândega da Fé e Freixo de Espada à Cinta não têm. Outros concelhos, como Mogadouro, chegaram a ter mais do que um. Com um agrupamento na sede de concelho e outro em Bemposta. Miranda do Douro também teve dois, um na cidade e outro em Sendim. Esteve para se fazer um em Vimioso, mas nunca foi possível por várias dificuldades. Em Mirandela houve em Vale de Gouvinhas e Torre de Dona Chama, e atualmente há um no Cachão. Em Vila Flor criou-se primeiro em Freixiel, mas não foi oficializado. Em Macedo de Cavaleiros houve também um agrupamento em Grijó”, explicou Miguel Miranda.
Atualmente existem cerca de 500 escuteiros no distrito. “Só em Bragança coincidiram três agrupamentos, mas houve quatro, contando com o do seminário. O XVIII, mais o 147, 786 e o 940”, acrescentou.
Dia do Comando Territorial de Bragança - 𝗚𝗡𝗥
As Comemorações do Dia do Comando Territorial de Bragança da GNR vão decorrer este ano em Alfândega da Fé, nos dias 2 e 5 de junho de 2024. Assista às cerimónias:
11h30 - Cerimónia Religiosa na Igreja Matriz de Alfândega da Fé
10h00 - Demonstração de meios da GNR
15h00 - Cerimónia Militar (Parque Verde)
21h00 - Concerto do Quinteto de Metais da Banda Sinfónica da GNR (Auditório Manuel Faria - CCA)
Homem detido em Macedo de Cavaleiros por furto em interior de residência
De acordo com a Guarda, em comunicado, após uma denúncia por furto em residência, os militares localizaram e identificaram o suspeito, verificando que os bens furtados se encontravam em sua posse, tendo sido apreendidos de imediato.
O homem foi constituído arguido e os factos comunicados ao Tribunal Judicial de Macedo de Cavaleiros.
BRAGANÇA - Autor: Carlos Gil - Data: Janeiro de 1975
Estrutura Residencial da Misericórdia de Mogadouro considerada a melhor do seu género no país
“Esta unidade é única em todo o país, não há mais nenhuma em Portugal com esta estrutura, que permite, de facto, satisfazer os idosos de forma única. Trata-se de um conceito que não é novo, mas que foi muito bem aproveitado e modernizado”, disse ao Mensageiro o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), Manuel Lemos, à margem de uma visita à instituição, no passado dia 18.
“Trata-se de um conceito de Estrutura Residencial muitíssimo interessante, dada a sua dimensão. A nível arquitetónico [a ERSB] é espetacular”, vincou Manuel Lemos.
A secretária de Estado da Ação Social e da Inclusão, Clara Marques Mendes, disse na sua passagem pela ERSB, “que foi de coração cheio, face ao trabalho aqui desenvolvido de que são um exemplo, do que o que o Estado deve fazer”.
“De facto, aquilo que esta instituição faz, o amor com que todos estiveram envolvidos no passado e que agora estão neste projeto, é notório, naquilo que são estas instituições, na forma como falam para os utentes e a felicidade que está estampada no rosto de cada um. Esta é a casa deles. Isso nota-se. Eu gostaria de deixar aqui este reconhecimento, porque é um verdadeiro serviço público. Porque serviço público é tudo aquilo que é feito na comunidade”, enfatizou a governante.
Trás-os-Montes - Paulo o homem que eterniza rostos
Na Feira Anual de Pinhel, Paulo Patoleia encontrou a Tia Maria dos Passos. «Mulher raiana, acompanhada pelo marido, “contrabandista de pequenos nadas”. Calças de pana espanhola e meias de algodão azul para cá….café e pessoas de salto alto para lá, histórias por contar com cumplicidades e traições, de muitos intervenientes ainda vivos. Um rosto que deixa adivinhar uma vida dura», descreve Paulo no seu blogue «Rostos Transmontanos».
A ela juntam-se António Guedes «Frango», natural de Pocinho, em Vila Nova de Foz Côa, ou o Tio Loureiro, de Torre de Moncorvo, e Alcina de Jesus Lameira, na aldeia de Mós, em Carviçais. São apenas alguns dos rostos e das histórias que a objectiva de Paulo Patoleia captou nos últimos anos.
A ideia surgiu pelo convívio diário que o bloguer tem com as populações e com a proximidade com o povo transmontano do qual Paulo Patoleia também faz parte. Para mais a actividade de feirante leva-o a percorrer o circuito dos mercados da região.
O projecto do blogue «Rostos Transmontanos» desenvolveu-se sobretudo a partir de 2005, quando Paulo percebeu que havia uma geração de velhos «que carregavam ainda a sua indumentária ancestral, com os chapéus de feltro com aba e os eternos lenços pretos, deixando adivinhar sucessivas perdas».
Essencialmente, conta, «começavam a escassear nas feiras tolhidos pela doença ou morte ou o ingresso nos lares de idosos, resultando esta nova maneira de tratar os idosos /isolamento, numa inevitável quebra da passagem de testemunho e valores elementar aos filhos netos e bisnetos».
Aliado a isto, também «o telurismo marcado nestes rostos enrugados, ainda saudáveis e prenhes de sabedoria, foram mais um motivo extra para os imortalizar através da fotografia».
Desertificação:
Do contacto que mantém com as gentes transmontanas, Paulo Patoleia afirma que a região está cada vez mais desertificada, sobretudo «pela falta de emprego e pela carência de jovens, que após a sua formação, acabam invariavelmente por procurarem o litoral e, mais recentemente, o estrangeiro, fazendo lembrar os idos anos de 1960/1970 da imigração a “salto” para os menos formados».
Contudo, frisa, «também os de melhor aproveitamento nas universidades, rumam ao estrangeiro, com os seus conhecimentos, ficando as aldeias apenas com os “velhos”, homens de bom coração e de boa conversa e as crianças. E são estes velhos, que com debilitada saúde ainda cultivam as hortas numa agricultura de sustento», constata.
Para o fotógrafo, a região tem potencial turístico nas suas «variadas paisagens», que vão do Douro Superior ao planalto mirandês passando pelo Barroso e Marão. Contudo, recorda que «apenas as empresas do Douro navegável apostaram forte na compra de barcos e serviços, acabando por não contribuir em nada para a região, ou seja as viagens são vendidas em pack tudo incluído e mais ninguém ganha com isso, pois estão sediadas fora da região».
Outra mais-valia da região, refere, é a gastronomia «rica no fumeiro e carnes, frutas, queijos, azeite e vinho de excelência mas com graves problemas de escoamento, caindo invariavelmente nas mãos das grandes superfícies e seus preços tabelados».
Noutras áreas, como a saúde, por exemplo, a situação «tem vindo a degradar-se» assim como no ensino, «assistindo-se ao encerramento dos centros de saúde e escolas, obrigando a população a um esforço financeiro maior e a trajectos de quilómetros suplementares».
Paulo Patoleia considera que o trabalho que tem feito através da fotografia irá contribuir para dar «a conhecer às gerações vindouras a identidade desta geração que agora definha, mostrando as suas fragilidades mas também as suas tradições e indumentária, deixando como que uma janela entreaberta para a realidade deste povo entregue a si próprio, quiçá algo abandonado».
Considera que «pouco se tem feito para preservar as tradições, o património e a história da região, exceptuando o planalto mirandês, onde se tem promovido a música tradicional, tendo como referência os músicos de sucesso internacional «Galandum Galandaina», a língua mirandesa, originária do velho lionês, as festas dos rapazes e as suas máscaras assim como o cabrito e o borrego “churra” e a carne de raça mirandesa e no barroso a barrosã».
E enumera mais marcos identitários da região que não podem ser esquecidos, fazendo referência ao «São Martinho de Maçores, que mantém a tradição do caldeiro de vinho transportado aos ombros de dois rapazes por onde se bebe o vinho e que acompanha as castanhas assadas na palha». Paulo lamenta, também, o encerramento das linhas do Tua e Sabor, assim como a do Douro que ligava Pocinho a Barca D’Alva.
«Entendo que as expectativas do povo transmontano são de desilusão e abandono, acreditando em ténues tábuas de salvação, tais como as barragens e o nebuloso arranque das minas de hematite da serra do Roboredo, em Moncorvo», diz, em tom de tristeza.
O bloguer tem divulgado o seu trabalho fotográfico através de exposições itinerantes pelo país e estrangeiro. Ainda em 2012 irá reunir, em livro, todo o material que tem publicado no blogue. A obra, intitulada «Rostos Transmontanos» irá reunir fotografias e textos e será editado pela Âncora.
Paulo Patoleia acredita que este trabalho já valeu a pena «pela projecção alcançada». «Mas continuo aberto a mais propostas, sendo que a próxima exposição vai ser num dos mais conceituados museus de Lyon, em França, a convite da universidade local. Acredito que a identidade da minha região sairá promovida neste evento», sublinha.
Ana Clara; Fotos - Blogue «Rostos Transmontanos»
incafeportugal.net
Quem guarda os nossos tesouros?
Quanto vale a bula ‘Manifestis Probatum' certidão do séc. XII que atesta o nascimento de Portugal? Ou o Tratado de Tordesilhas, que em 1494 dividiu o Mundo entre espanhóis e portugueses, hoje reconhecido pela Unesco como memória mundial? Estes são apenas dois dos documentos de extraordinário valor informativo e simbólico, inqualificável em termos monetários, que Portugal se orgulha de guardar nos arquivos centrais da Torre do Tombo, em Lisboa, mas preserva de olhares públicos.
O furto recente do Códice Calixtino, guia dos peregrinos datado do século XII que desapareceu da Catedral de Santiago de Compostela e cujo valor comercial pode rondar os cem milhões de euros, suscitou novos alertas sobre a segurança dos tesouros nacionais. "Nos últimos anos estas obras têm vindo a atrair redes internacionais de crime organizado e Portugal tem peças apetecíveis", nota a inspectora Teresa Esteves, da Brigada de Obras de Arte da Polícia Judiciária.
Oito casas-fortes
No interior da Torre do Tombo, oito casas-fortes, sistemas de videovigilância a funcionar 24 horas por dia e apertada segurança humana guardam a memória do País. "Temos 90 quilómetros de documentos, equivalente a uma estante entre Lisboa e Caldas da Rainha, e várias obras identificadas como tesouros nacionais", explica Silvestre Lacerda, director da casa. Com acesso particularmente controlado, esses documentos - entre os quais se encontram ‘O Livro das Aves', ‘O Apocalipse de Lorvão', os arquivos da Inquisição, a carta de Pêro Vaz de Caminha sobre o ‘achamento' do Brasil e a colecção do Corpo Cronológico (83 mil documentos diplomáticos dos séculos XII ao XVI) - estão catalogados como peças a salvar em caso de catástrofe e a preservar de qualquer tentativa de furto.
A segurança esteve na base da concepção do edifício, inaugurado há 20 anos e visitado por vários investigadores internacionais. Um estudo da European Arcadle Group detectou que grande parte dos furtos deste género de obras ocorre nas salas de leitura. Aconteceu em Santiago de Compostela e em vários países da Europa do Norte, alvo privilegiado destas redes. A Torre do Tombo reage ao perigo. "Seguiram-se critérios de preservação dos documentos e de apenas se aceder a eles em ambiente reservado. Evitar o contacto com a obra é fundamental e o que fazemos é digitalizar os documentos e disponibilizá-los apenas nesse formato. Temos disponíveis 8 milhões de imagens na internet. Mesmo em caso de grandes individualidades, estas são sempre acompanhadas e obrigadas a deixar objectos pessoais, como sacos e casacos, no exterior", adianta Silvestre Lacerda. "Não podemos desconfiar de todos, mas os furtos acontecem e o acesso aos tesouros nacionais tem de ser condicionado. Há cartões que identificam os movimentos desde que a porta se abre, além das câmaras instaladas em vários locais".
Joias da coroa
Alvo de cobiça, o património português perdeu parte das jóias da coroa, furtadas em 2002 quando foram emprestadas para uma exposição em Haia, Holanda. Entre as peças mais valiosas, que nunca foram encontradas, estavam um anel de D. Miguel e dois diamantes em bruto. Nos anos 40 do século passado, 25 Códices Alcobacenses, iluminuras, manuscritos, incunábulos (primeiras edições impressas), livros de horas, de música e de missa, gravuras e peças de numismática foram desviadas pelo então chefe das Secções de Reservados e de Numismática da Biblioteca Nacional. Detectado o autor do roubo - pessoa até então acima de qualquer suspeita -, algumas obras foram interceptadas em antiquários e alfarrabistas, mas muitas tinham sido fragmentadas e vendidas à peça, o que prejudicou o seu valor histórico.
Menos bem sucedida foi a tentativa de roubo, em 2006, da Custódia da Sé de Lisboa, peça de arte em ouro com mais de 4 mil pedras preciosas, cujos ladrões "foram apanhados em flagrante pela polícia, após denúncia de um eventual comprador", explica Teresa Esteves.
Apesar destas peças, pela sua raridade, serem facilmente detectáveis quando chegam ao mercado e, por isso, adquiridas por coleccionadores reservados e previamente dispostos a tal, o perfil do autor do roubo está mais ou menos identificado. "A maior parte dos furtos ocorre em salas de leitura e muitas dessas pessoas identificam-se como investigadores, procuram documentos e tentam detectar as fragilidades dos vários locais por onde passam", explica Maria Inês Cordeiro, subdirectora da Biblioteca Nacional.
Há cerca de dois anos, o roubo em Espanha de gravuras e mapas em incunábulos alertou para a existência de rotas criminosas encabeçadas por indivíduos especializados em Arte e História. "A mesma pessoa esteve em Portugal, nomeadamente na Biblioteca Nacional, apresentou-se como investigador de uma universidade, mostrando papéis falsos. Quando detectamos esse perfil, alguém desconhecido, que tem pouco tempo e vem à pressa consultar documentos raros, ficamos mais atentos e mantemos sempre a vigilância física", adianta Lígia Martins, chefe da divisão de Reservados daquela organização.
Mais procura
O furto de obras e documentos históricos aumentou nos últimos dez anos, abrangendo "peças que não são tradicionalmente material de arquivo, como mapas, autógrafos e também peças iconográficas, com desenhos, o que é mais apetecível pelo coleccionador", adianta Silvestre Lacerda.
Do ponto de vista comercial, estes documentos são adquiridos por pessoas que possuem uma apetência rara por objectos históricos e dispõem de folga financeira para não perspectivar nova venda em mercado, alerta Teresa Esteves. No entanto, a informação neles contida pode ter outra rentabilidade e, à semelhança do que mostram os filmes e livros de ficção, a decifração de códigos em textos históricos pode revelar tesouros escondidos. "O interesse acrescido por mapas de determinada época indicia a tentativa de identificar as alterações nas costas marítimas para detectar eventuais achados arqueológicos", destaca a inspectora da Polícia Judiciária. Por outro lado, muitas destas obras podem ter valor de prova. "Possuímos um mapa do século XVI, de Teixeira Albernaz, que tem indicação dos habitantes à época de umas ilhas em particular que estão neste momento a ser disputadas pela China e o Vietname. Provavelmente será uma das peças levada a tribunal como valor de prova", diz Silvestre Lacerda.
Trancas na porta
Apesar de Portugal ter escapado aos roubos históricos recentes, há um cuidado acrescido em preservar a História. A actual casa Torre do Tombo, instituição que data do século XIV, foi construída para resistir a catástrofes. "A casa-forte central responde em situação de sismo e parte do edifício, construído em T, desmorona e protege essa zona, à semelhança do que aconteceu no terramoto de 1755, quando uma zona do castelo de S. Jorge ruiu, abafando e protegendo do incêndio parte significativa do arquivo nacional", refere o director da instituição, que tem no restauro e recuperação de documentos outra das prioridades.
Acompanhar os leilões e recuperar as peças raras ainda dispersas por colecções particulares é uma das missões da Biblioteca Nacional, onde mais de metade dos nove milhões investidos nas obras que estão a decorrer foram canalizados para a segurança. "Construímos uma casa-forte para os tesouros da biblioteca [em que se inclui uma rara Bíblia Hebraica do séc. XIII] com tectos, paredes e chão em cimento e ferro e uma galeria a toda a volta que permite vigilância em todos os pontos".
A Biblioteca Nacional, em Lisboa, guarda uma cópia do Códice Calixtino, cuja autoria é atribuída ao Papa Calixto II. Datada de 1175, esta versão mais modesta obedece ao mesmo texto, mas não inclui as páginas dedicadas à música e possui menos iluminuras, explica Teresa Duarte Ferreira, responsável pela área de manuscritos. A obra pertencia à Livraria da Ordem de Alcobaça e não está acessível a consulta pública.
CM, 17/07/2011, por Isabel Faria
O que guardamos em nós
(colaborador do "Memórias...e outras coisas...")
Vi no Facebook uma foto publicada por Henrique Martins que me fez abrir o baú de recordações e me transportou para outro tempo que foi para mim marcante.
A primeira reacção foi de nostalgia que se mudou em gáudio por me ser possível rever o local onde nasci, como era nos tempos idos da minha vinda ao mundo. Ainda resta algo das imagens que nos dão a perspectiva de uma cidade velha, quiçá decadente mas pronta para encetar a tarefa que lhe competia de se renovar para o futuro sem renegar o passado.
E a vida na sua máxima expressão estava ali, naquela rua, naquela gente, naquela comunidade que vivia ali e trabalhava dispersa pela cidade em todos os lugares que foram os da minha criação e que hoje estão diferentes mas mais agradáveis pois que aconteceram factos e se fez obra que democraticamente se pode contestar mas que é palpável e concreta com o timbre das nossas forças e da nossa capacidade.
Mas não são as pedras, que contam, pois que elas não falam, foram as pessoas que me ensinaram, me deram carinho e me emendaram, me mostraram a estrada e me prepararam para a caminhada desta vida já quase passada, mas que se fez com os que me acompanharam nos caminhos lisos e nos penhascais, que alguns pisei com os meus iguais.
Essas imagens que hoje revi fazem-me lembrar de muita gente e muitos momentos que ficaram gravados na minha memória e é só destapar um pouco, para surgirem em catadupa e fluírem livres pelos olhos da minha alma.
Sou homem mas foram as mulheres que mais influenciaram o meu carácter, a minha mãe, a minha irmã mais velha e todas as outras, da minha rua ou não, que todas elas foram parte da minha criação. As que viviam no tempo em que eu cirandava pelos quatro cantos da cidade em todas as ruas, umas mais serenas e outras mais loquazes, as que me corrigiam e as que me ralhavam.
Eu era livre como os passarinhos e todos me conheciam, daí eu ter conversa com todos eles, e cedo aprendi que as pessoas sendo todas iguais, umas eram de um feitio e outros de diferente modo. Mas eu já apreendera que todas mereciam o meu respeito, a minha amizade e em lugar cimeiro a minha solidariedade.
E lentamente fui crescendo e assimilando a minha cidade que tinha em si tanta gente boa que trabalhava, estudava, ria e chorava. E a minha alma estava com eles, com os que comigo sentavam nas carteiras da Escola da Estação e obedeciam à ordem imperativa, mas de tom suave da minha querida professora Dª Isabel Belchior, ou comigo jogavam à bola na Cortinha da Albininha Guerra, ou me acompanhavam nos cânticos dolentes de índole religiosa, quando em Janeiro cantávamos à Senhora da Paz. Os que comigo iam ao futebol, ver o Zurdo e o Micá, o Olegário e o Chico Ferreira, o Zé Santana e o João Reis, o Simeão ou o Taiti.
Primeiro foram os tempos da inocência que a minha mãe cuidou e soma dos dias que me despertaram para o grupo de amigos de infância e depois o grupo que fez de mim um homem, mas foi com a geração mais velha a dos meus pais que me fiz capaz de ser quem sou com toda a humildade que seja necessária.
Tenho em outros desabafos mencionado alguns dos homens que me marcaram positivamente, os que me ensinaram com o seu exemplo e palavras certas a acreditar nos homens e a sentir-me seu irmão. O meu pai e o meu irmão mais velho, alguns dos que com eles labutaram na construção de muitas casas nesta cidade, o meu sapateiro, Senhor Malã, o meu amigo, Alberto Garrido, a esmagadora maioria dos comerciantes da Cidade, que nesse tempo eram muitos e sempre prontos a darem uma lição de boas maneiras aos garotos que diziam eram o futuro da humanidade.
As lições que se escutavam na Barbearia Ideal, com gente de palavra escorreita e atitude equilibrada, foram luzes que me aclararam o caminho às vezes escuro que percorri. Não deixarei de mencionar o meu patrão Zé Poças que me ensinou a ser sereno, atento e trabalhador. Foi um homem de Bragança a quem a cidade muito deve e a quem ainda não se fez justiça, pela sua finura de trato e capacidade empreendedora e compromisso para com a Cidade. Um dia cumpriremos com o dever que temos de dizer aos nossos filhos e netos quem foi este homem, a quem nem uma pedra que diga que ele está ali sepultado fomos capazes de levantar.
Vai longo este relembrar de actos de uma vida que uma foto destapou.
Quero dizer-vos que eu como todos os outros tive mestres no meu ofício que foram influentes no construir da minha vida mas os que mais me transmitiram um sentido que me norteou neste tempo longo que se apressa, foram as mulheres que me criaram e os homens que me ensinaram. Eram gente da minha terra e por isso me sinto agradecido e orgulhoso de lhes pertencer. (Sentei-me à mesa redonda/Bebi da malga que esconda/Um beijo de mão em mão/Povo, povo eu te pertenço/Deste-me alturas de incenso/Mas a tua vida não/. (Pedro Homem de Melo).
A. O. dos Santos
(Bombadas)
Promoção da gastronomia brigantina a nível internacional é um desafio que o município quer ganhar
O autarca revelou que em 2025 será apresentada uma nova candidatura àquela rede para fazer novamente todo o percurso. “Vamos modificar o que for preciso e fazer mais parcerias do que na anterior para nos darem apoio, como os confrades aqui presentes de modo a conseguir uma candidatura mais robusta e ter a nossa gastronomia transmontana em primeiro lugar”, referiu Paulo Xavier.
“Queremos promover a nossa gastronomia e os nosso produtos. A nossa diversidade, porque em ternos económicos é um ativo enorme para o turismo. Há pessoas que vêm a Bragança e Trás-os-Montes pela excelente gastronomia, não só na confeção como pelos excelentes produtos, o que é uma mais-valia”, explicou Paulo Xavier que quer fazer do concelho “um centro internacional da gastronomia” .
O autarca prometeu reforçar a aposta na promoção dos produtos locais, como o fumeiro, nomeadamente o butelo, doçaria e “as excelentes carnes, como o cordeiro e o cabrito”, mas também a inovação. “É importante. A tradição mantém-se com aquelas mãos que sabem cozinhar e conservam os saberes e os sabores, mas que transportaram para a inovação com chefes mais a fazer coisas brilhantes”, observou Paulo Xavier admitido que o concelho “tem um desafio relacionado com o todo gastronómico, para realçar os produtos da terra, como a carne que é do melhor que há, ou as trutas, ou a doçaria, tudo produtos de alta qualidade”.
O Jogo do Pião - para quem se quiser recordar
Nº de participantes
Variável
Espaço de jogo
Um círculo com cerca de 1,50m de raio, para onde todos os participantes deverão lançar o seu pião, segundo uma ordem previamente sorteada.
Objectivos
Conseguir lançar o pião de forma a que gire no chão durante algum tempo arredando para fora do círculo o(s) pião(ões) que lá tiver(em) ficado e simultaneamente saindo também para continuar em jogo .
Depois da primeira rodada de lançamentos, começará o jogo, tendo como objectivo deitar fora do círculo, os pião(ões) lá deixado(s).
Preparação e lançamento do pião
O cordel enrola-se à volta do pião, começando a enrolar da ponta até ao meio do pião. sobrando um bocado que chegue para pôr à volta da mão.Depois pega-se na pontinha do cordel e lança-se ao chão, com um movimento de pulso.
O pião irá girar, devido à força e ao jeito com que se puxar repentinamente o cordel, imprimindo-lhe um movimento de rotação.
Desenvolvimento
Depois da primeira rodada de lançamentos, começará o jogo, tendo como objectivo deitar fora do círculo, o(s) pião(ões) lá deixado(s).
O(s) jogador(es) cujo pião ficar dentro do círculo ficará(ão) “de fora”, deixando lá o pião que os outros jogadores, um de cada vez, procurarão atirar para fora do círculo tentando “picá-lo”. O jogador que o conseguir fazer ganhará 50 pontos.
Nota
O pião poderá ser “aparado” (apanhado do chão, com a mão, enquanto gira e mantê-lo a girar na mão) pelo jogador que o lançou, e que depois de o fazer dançar na mão, o tentará lançar novamente, na tentativa de “picar” o(s) que se encontra(m) dentro do círculo, empurrando-o(s) para fora e simultaneamente saindo também, para continuar em jogo.
Regras
1 – Os lançamentos são feitos de acordo com a ordem sorteada e sempre um de cada vez
2 – O jogo é constituído por 3 séries de lançamentos, portanto, cada jogador terá 3 tentativas para “picar” o pião no interior do círculo
3 – Se o(s) pião(ões) que está(ão) “de castigo” não for(em) atingido(s) sai(aem) do castigo ficando “de castigo” o(s) que tiver(em) ficado dentro do círculo.
O pião e a ciência
A física do pião é extremamente interessante e ainda hoje representa um interessante problema a ser resolvido.
Porque não tomba o pião quando está a girar? Já pensou nisso? Note-se que se apenas se segurar o pião sem o girar, soltando-o em seguida, ele tomba.
O pião e a arte
Faz rodar o pião redondo tudo em volta
Atira a primavera e recupera o verão
Terras e tempos tudo assume esse pião
que rodopia e rouba o chão à folha solta
Joga tudo no gesto ríspido de vida
Reergue o braço a prumo arrisca nessa roda
riscada entre parede e tronco a infância toda
Tudo é redondo e torna ao ponto de partida
O sol a sombra a cal os pássaros os pés
o adro a pedra o frio os plátanos… Quem és?
Voltas? rodas? regressas? rodopias? nada
Mas do breve pião levanta ao céu a enxada
e que esta vida extensa para sempre seja
– será? – tão bem coberta que nem Deus a veja
Ruy Belo
Fonte do texto | Jogo do pião, Lisboa, [s.d.] Ferreira da Cunha, Arquivo Fotográfico da CML
quinta-feira, 30 de maio de 2024
A Primeira Professora. Conto II
As aulas começavam a sete deste mês de outubro, que por acaso calhava numa terça-feira e, portanto, era urgente arranjar casa para a professora e o marido.
Para o funcionamento da escola, já há muito que estava destinada uma casa desabitada, cujos donos tinham emigrado para o Brasil, como era moda nesse tempo. A casa que, devidamente autorizada pelos donos, iria agora servir de escola, tinha uma cozinha com uma boa lareira e uma sala grande onde caberiam bem as duas dezenas de garotos em idade escolar, isto é, dos sete aos quinze anos.
Naquele domingo de sol outonal, o povo juntou-se no largo do terreiro, depois da missa das dez, para se arranjar então uma habitação decente para a senhora professora e o marido.
Não tardaram muito em chegar à conclusão de que a casa que reunia melhores condições de habitabilidade, era o palheiro do senhor Benedito que, além de ter uma porta de entrada em madeira, tinha também uma grande janela virada para o terreiro, de onde se avistava grande parte do povoado.
Além disso, o palheiro, que já há alguns anos deixara de servir como tal, era bem construído, com o telhado ainda em bom estado e as paredes eram em pedra miúda de xisto.
Por outro lado, ficava ali na parte mais baixa do largo, bem no centro da aldeia, a dois passos da escola e bem juntinho ao ribeiro que por ali corria todo o ano. Como o chão era térreo, os homens concordaram em construir-lhe um sobrado de madeira no canto onde iria ficar a cama, enquanto as mulheres combinaram em fazer depois um arranjo condigno e uma limpeza geral.
A realidade, é que o palheiro, tornado habitação, nem parecia o mesmo, ao qual não faltava agora uma lareirazita e uma boa braçada de lenha, não apenas para se cozinhar, mas também para as primeiras impressões do frio que em breve bateria à porta, uma pequena arca de madeira para a roupa, um armário para os cacos da louça e uma cama de ferro pintada de azul.
No dia sete de outubro de mil novecentos e cinquenta e dois, a meio da manhã, a abertura da primeira escola da Sobreda foi solene e festiva, com a presença do senhor delegado escolar do senhor padre, do senhor regedor e de um representante da câmara municipal, que assim se juntaram à população local, para festejarem tão importante acontecimento.
Os dois sinos da igreja, normalmente entalados e mudos nas ogivas graníticas da sua torre, repicavam agora freneticamente, como que a quererem acordar a serra de Bornes da sua milenária letargia e que se ergue, imponente, do lado poente da aldeia, escondendo mais cedo o sol do casario, encurtando assim as tardes, antecipando as noites e matando o horizonte como uma enorme e escura cortina.
Muito antes de os sinos parecerem malucos a tocar, logo pela manhã, alguém tinha mandado vir o chicheiro de Salselas para matar um carneiro que mais parecia um vitelo e então o largo encheu-se de gente, a ver sangrar o animal, as mulheres a tirarem-lhe as tripas e a levá-lo numa bacia de lata para o temperar e meter no forno. Só depois é que foram todos à missa.
Quando chegou a hora do meio-dia, mulheres, homens e crianças começaram a chegar ao largo carregados de tábuas e paus e ali improvisaram uma mesa comprida que logo cobriram das mais variadas iguarias, enchidos, presunto, queijo, carnes assadas vindas em tabuleiros de lata à cabeça de algumas mulheres mais jovens. Alguns homens mais velhos e mais atentos à secura das gargantas, traziam cântaros de vinho como quem traz um troféu preparado para conquistar.
Perante tão prometedor cenário, as individualidades presentes foram-se então chegando à mesa do povo, o senhor padre na dianteira, como quem não quer a coisa, e, durante horas, foi um fartote de comida bem regada, enquanto, entre arrotos, se davam vivas à primeira professora da escola daquela singela localidade.
Como tudo estava bem combinado, mais ou menos a essa hora, o fogueteiro de Limãos começou a largar das suas mãos mágicas, fazendo soprar as canas delgadas entre os dedos, num apressado fffssst, antes de subirem aos céus, até se ver um clarão esbranquiçado logo seguido de um pum que fazia estremecer o peito e uma nuvenzinha de fumo ficava a pairar até se desfazer em nada.
Aí a meio da tarde, já depois de as individualidades terem regressado bem empanzinadas a suas casas, a jovem professora fez questão de juntar as crianças na escola, para se apresentar a lhes mostrar os primeiros rabiscos do bê-á-bá das suas vidas, no improvisado quadro negro da sala de aula.
Entretanto, os homens que se tinham acanhado perante as pantagruélicas individualidades na comprida mesa do povo, ficaram agora mais à vontade e foram então comemorar para as adegas a desinquietar o vinho da pipa e despendurando os presuntos para os rilharem em pedaços sobre fatias grossas de centeio, com as navalhas individuais em riste, enquanto as mulheres, de rostos sorridentes, satisfeitas com o dever cumprido e na paz do Senhor, se foram dirigindo para os seus lares, a acender o lume para prepararem a ceia.
(Conto do livro, Terra Parda) de Hélder Rodrigues
“Os Deputados das Novas Eleições” - Loas
Atenção meus senhores, vão haver eleições. Podem ficar descansados, que eu vou nomear os novos deputados, e passo a citar:
O Zé Bumbas de Val d’Abilheira.
O Zé Raba de Negreda.
O Chico da Vila.
O Bandarra das Falgueiras.
O Caililas do Vilar.
O Albino de Cidões.
Estes homens todos juntos fazem parte das novas “Eleições”.
Meus senhores: Indo pelo rio acima com o presidente desta gente.
O presidente desta gente ata-os todos num “bencelho”,
e dali leva-os a Nunes a casa do “Escaravelho”.
O “Escaravelho” lá os viu e lá lhe deu a direcção,
e dali os enviou ao “Faz Pipas” de Ouzilhão.
O “Faz Pipas de Ouzilhão, que por si não era mau,
não quis saber da papelada, foi à Edrosa e entregou-lhos ao Laribau.
O Laribau, que não fez grande atenção,
desceu a Penhas Juntas e entregou-lhos ao Manuel João.
O Manuel João que não percebe nada,
foi a Agrochão entregou-lhos ao “Beiça Rachada”.
O ”Beiça Rachada” que era homem de muita treta,
foi ao lado d’além e entregou-lhos ao “Beiçoleta”.
O “Beiçoleta” que não sabia como era,
desceu a Nuzedo, e entregou-lhos ao “Campanera”.
O “Campanera” que já não tinha papel,
subiu à Soutilha e entregou-lhos ao “Mancalela”.
O “Mancalela” que de eleições já estava farto,
subiu a Ervedosa e entregou-lhos ao “Tomato”.
O “Tomato” que não percebia de nada,
foi à Argana e entregou-lhos ao “Orelha Ratada”.
O “Orelha Ratada” chateado e com uma grande tromba,
não quis saber da papelada entregou-lhos ao Modesto de Lamalonga.
O Modesto de Lamalonga num acto de brincadeira,
foi à Vila Nova e entregou-lhos ao Pereira.
O Pereira num grande rescaldo,
foi a Fornos e entregou-lhos ao Arnaldo.
O Arnaldo que é homem de dinheiro foi,
à Torre e entregou-lhos ao “peliqueiro”.
O “Peliqueiro” que até lhe encontrou graça,
foi ao posto entregar a papelada ao “Má-Raça”.
O “Má-Raça” que é um homem de tostões,
reuniu esta “merda” toda e ganhou as eleições.
A lenda da flor das estevas
Local: Castro Vicente, MOGADOURO, BRAGANÇA
Quando Nosso Senhor ia com a cruz as costas, subindo por um monte acima que se chama Monte Calvário havia muitas estevas floridas de um lado e do outro mas todas tinham as flores brancas sem as pintas vermelhas, como aquela que vimos ali atrás.
Nosso Senhor ia deitando muito sangue da cabeça devido aquela coroa de espinhos que lhe puseram para fazer pouco dele por ter dito que era rei e esse sangue caiu em cima das estevas e manchou as flores.
Mais atrás ia Nossa Senhora chorando muito e caiu uma lágrima de sangue dos olhos dela que também manchou uma flor.
De maneira que as estevas que têm seis “folhas” são as que apanharam o sangue de Nosso Senhor e a lágrima de Nossa Senhora; as que têm cinco só apanharam o sangue de Jesus para nos lembrarmos das cinco chagas; e as que são só brancas, não apanharam sangue nenhum.
Fonte: OLIVEIRA, Casimiro Raízes: Poesia, Contos e Lendas
O tio Manuel Gaiteiro
Havia, como noutras terras vizinhas, quem tocasse viola, guitarra ou bandolim, até rabeca ou concertina e realejo, para animar os bailaricos e as rusgas da mocidade mas uma gaita de foles só mais tarde é que vim a saber o que era e a ouvi-la tocar. Mal comparando, como dizia o Trocas, parece coisa de dinossauros que se afirma terem existido em tempos muito recuados mas que se extinguiram há milhões de anos e de incontáveis espécies que desapareceram devido a alterações climáticas, epidemias, ocupação humana desordenada dos territórios que formaram o seu habitat, introdução de novas culturas e técnicas agrícolas que determinaram mudança de hábitos. Sabemo-lo a posteriori, não por experiência vivida.
Quanto à gaita de foles, o facto de ter deixado de ser usada em determinado lugar não significa, obviamente, que tenha deixado de existir. Sabemos que é elemento importante nos hábitos culturais de certos povos e de certas comunidades regionais. Tratar-se-á, porventura, de um traço da cultura celta que se expandiu no norte do País, sobretudo no Minho, na região de Miranda do Douro com ramificações em terras contíguas e é ainda relevante nas Ilhas Britânicas (Gales, Irlanda e Escócia) e em certas zonas da antiga Gália, hoje França. É natural que, em nossas terras, tenha feito parte dos hábitos lúdicos dos habitantes e se tivesse apagado na geração que nos precedeu. No entanto, jamais ouvi referências quer do meu pai, quer de outras pessoas do seu tempo acerca de episódios em que o referido instrumento fosse mencionado. Restou a alcunha dum homem e vagas informações sobre outro.
Seria matéria de estudo para arqueólogos, antropólogos ou etnólogos mas, em Portugal e nos tempos que vivemos, só parece haver preocupação com algumas ciências e muito especialmente sobre as ditas Novas Tecnologias.
Sabemos pouco dos nossos antepassados, dos povos que habitaram este rincão em épocas mais recuadas. Ensinaram-nos que o território foi ocupado por inúmeros povos desde a pré-história mas fazem parte de um molho de que não parece haver condições para separar e organizar. Fala-se de Iberos e de Celtas, da miscigenação entre eles que deu lugar aos Celtiberos, dos Fenícios, Gregos e Cartagineses, dos Romanos, Vândalos, Suevos e Alanos, dos Visigodos, dos Lusitanos que não sabemos muito bem onde se localizavam, dos Árabes, Moçárabes e Cristãos. De quando em vez, aparecem referências a Lígures, designação que poderá englobar povos com nomes variados, Tartéssios ou “Homens do Mar” que estiveram na parte sul do espaço que hoje é nosso. Quanto a estudos pormenorizados e continuados, os resultados não existem ou são pouco divulgados.
Pois o tio Gaiteiro ou tio Papim, de que já falei na crónica anterior, tinha muitas limitações físicas que lhe cerceavam a possibilidade de trabalhar na terra. Deslocava-se apoiado em muletas, as cajatas, com que tentava afugentar os garotos que atiravam pedradas à amoreira para lhe roubarem os frutos, e passava o seu tempo a fazer ligas para chapéus de palha. Conheci-o já numa idade avançada mas dizia-se que, quando era mais novo, saía para pedir esmola em terras distantes do concelho de Macedo de Cavaleiros nomeadamente em Chacim, onde os Pousa de Vila Boa possuíam um casal e o acolhiam. Era acompanhado pela mulher, a tia Edite, que guiava a burra e lhe aturava os maus modos. O Grilo e a Lhalha, os dois filhos do casal, ficavam com familiares ou amigos, o rapaz acompanhava os filhos mais novos do senhor Alípio Nunes, casa onde havia sempre muita gente de fora, a Lhalha talvez se acolhesse na casa dos primos Gomes. Demoravam sempre alguns dias e, passado breve intervalo, partiam de novo.
Durante a permanência na aldeia, a tia Edite ajudava em casa do senhor Alípio Nunes, ali comia e regressava a casa para cuidar do marido e dos filhos. É provável que trouxesse comida também para os seus. Era ela também que cultivava as poucas terras da família, uns chãos lá para Penas d’Alvos e a pequena cortinha junto da casa. Por isso, eram obrigados a manter-se na aldeia a espaços regulares e, às vezes, por tempo mais dilatado.
O tio Gaiteiro não tinha grande estima pela mulher e muito pouca pelo filho, um rapaz moreno e simpático. A menina dos seus olhos era a Lhalha (Maria do Rosário) ou Quinha, como preferia chamar-lhe, miúda bonita, mais parecida com a mãe, até na cor. Não consta que alguma vez tivessem levado os filhos nos peditórios mas o tio Manuel Gaiteiro chegou a colocar a hipótese de levar só a filha. Ficou na memória das pessoas um suposto diálogo entre os dois, acompanhado pelos gestos característicos do nosso homem:
- O preto não vai, a galarona também não. E tu, Quinha, queres ir?
E, face à recusa ou manifestação de desagrado da moça, concluía:
- Se tu não vais, também eu não vou.
O preto era o designativo desdenhoso dado ao filho pela cor acentuadamente escura que lhe valeu a alcunha de Grilo e o acompanhou pela vida fora. Para enfatizar o pouco apreço que tinha pela mulher dava-lhe o nome de galarona, sem que os estranhos descortinassem qualquer relação do nome com a pessoa.
O tio Manuel Gaiteiro tinha uma irmã que emigrou para o Rio de Janeiro muito nova, ali casou com um joalheiro rico e, quando este morreu, herdou uma fortuna considerável. Tendo perdido o único filho, julgar-se-ia que dedicaria aos dois sobrinhos alguma atenção e os viesse a constituir herdeiros dos seus bens. Concedeu-lhes a “carta de chamada” e escasso apoio até encontrarem ocupação e possibilidade de sobrevivência. Ao Grilo ofereceu-lhe pequena ajuda financeira para adquirir um terreno no subúrbio mais distante da Zona Norte do Rio, onde construiu uma casa modesta, adaptada a café e bar, que mal dava para a sua manutenção. Regressou à aldeia, comprou um altifalante, discos da moda e tornou-se figura popular nas redondezas cujas festas animava. Tem 96 anos e vive num Lar em Bragança. Quanto à Lhalha, empregou-se, casou e nunca mais veio à terra.
Por: Nuno Afonso
Camille Pissarro, um pintor “transmontano”
Camille Pissarro era um personagem fascinante. Amigo e mestre de Degas, Cézanne e Gauguin, Camille Pissarro era visto pelos colegas como um “patriarca” – uma figura generosa, amável e profundamente fiel às suas amizades. “Pissarro foi como um pai para mim: era o homem a quem se pediam conselhos, era como le bon Dieu”, escreveu sobre ele Cézanne. Henri Matisse chamou-lhe “o Moisés da pintura contemporânea, aquele que nos dá a Lei”; Cézanne afirmaria categoricamente: “todos nós descendemos de Pissarro.”
Anarquista convicto, Camille Pissarro não era religioso em termos formais mas, mesmo assim, nunca dissimularia o judaísmo herdado dos seus antepassados portugueses. Pelo contrário, Pissarro orgulhava-se de ser judeu.
Durante o Caso Dreyfus – o paradigma do antisemitismo que dividiu a sociedade francesa dos finais do século XIX – Pissarro, ao mesmo tempo que combatia o ódio irracional contra os judeus, sentiria na pele o antisemitismo de alguns dos seus colegas, mesmo vindo de amigos, como Degas e Renoir. Nessa altura, alguns dos seus colegas mais próximos chegariam mesmo a por em causa a sua relação de amizade, temendo “ficar contaminados” por se associarem a um judeu. “Continuar com o israelita Pissarro é ficar manchado com revolução”, escreveu Renoir, com um antisemitismo tristemente típico da época.
Na última edição da revista Commentary, o crítico de arte Dana Gordon escreve um excelente artigo de cinco páginas intitulado Justice to Pissarro, onde defende que a paternidade da pintura moderna deve ser definitivamente atribuída, não a Cézanne, mas a Camille Pissarro, o pintor descendente de judeus sefarditas de Bragança.
in:ruadajudiaria.com
Miranda do Douro: “Mês das Línguas” deu destaque ao Mirandês
No âmbito do “Mês das Línguas”, os alunos dos 6º e 7º anos da Escola Secundária de Miranda do Douro participaram numa palestra dedicada aos “Chamadeiros”, a designação dos lugares e sítios, em mirandês, um tema que foi explicado pelo secretário da Associação de Língua e Cultura Mirandesa (ALCM), Alcides Meirinhos.
Concerto solidário no Museu do Abade de Baçal
A iniciativa é de Tânia Pais enfermeira na Unidade Local de Saúde do Nordeste, que integra este projeto de voluntariado. Esta missão Humanitária insere-se no âmbito da educação e da promoção humana e consiste em reabilitar a Escola Jardim de Infância, contribuindo assim para um futuro mais risonho para as crianças de Empada.
Livro de António Tiza apresentado em Vinhais
A apresentação, que aconteceu no passado dia 17 de maio, durante a Feira do Livro, no Centro Cultural Solar dos Condes de Vinhais, esteve a cargo de Roberto Afonso.
O também autor e investigador vinhaense referiu que “este livro de António Tiza conduz o leitor numa viagem por todo o distrito de Bragança, uma vez que o autor criou um conto inédito para cada concelho a partir de elementos identitários específicos das localidades escolhidas - mascaradas, gastronomia, organização social, misticismo, quotidiano, música e dança -, conjugados com uma narrativa empolgante que prende o leitor da primeira à última página”.
Tratam-se de 18 contos originais que o autor considera serem “uma homenagem ao nosso povo”, numa edição de 2023, sob a chancela da Editora LeYa, com ilustrações da autoria da bragançana Sara Pereira, uma jovem com raízes em Cidões (Vinhais).