sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Bragança - Forno Comunitário vai ser recuperado




Forno Comunitário
  Equipamento, com origens na Idade Média, foi utilizado até há cerca de 35 anos atrás. A reconstrução do equipamento está inserida num projecto que pretende revitalizar a zona histórica.
Actualmente em completa ruína, o forno comunitário situado, precisamente, na Rua dos Fornos, junto à Ponte dos Açougues, que dá acesso ao Bairro de Além do Rio, na zona antiga da cidade, vai ser recuperado pela Câmara Municipal de Bragança, que o adquiriu em 1991. O objectivo é que volte a ser funcional e a Associação dos Amigos do Forno, constituída como o apoio da Junta de Freguesia de Santa Maria, promete pô-lo em funcionamento, novamente.
A Câmara Municipal de Bragança, no âmbito do projecto “Bragança Activa – Requalificação e Dinamização do Centro Histórico”, adjudicou a obra de recuperação desse forno no passado dia 27 de Janeiro. A conclusão dos trabalhos está prevista para o final de Julho. Para Jorge Nunes, presidente do município, este investimento de 109 mil euros, co-financiado por fundos comunitários, permitirá preservar a história, a memória, através de um equipamento que cozeu o pão para todos os aquartelamentos militares existentes em Bragança, para as instituições e também para os cidadãos, uma vez que cozia à maquia.
A informação é baseada num artigo de Belarmino Afonso, Padre, etnólogo e antropólogo, datado de 1982, segundo o qual este era o maior forno que existia, na altura, em Portugal e teria sido edificado para cozer o pão aos trabalhadores das obras de construção do Castelo de Bragança. Mais tarde, cozeu para os diferentes aquartelamentos militares que existiram no Castelo. Segundo o mesmo artigo, cozia também para o Seminário, o Hospital velho e aldeias dos arredores, trabalhando de noite e de dia. O forno levada 96 pães, com 2,5 quilos cada.
Em estado de ruína quase total, a recuperação procurará reconstruir o forno, o mais semelhante possível com o que era originalmente, tendo em atenção novas preocupações ambientais, nomeadamente ao nível dos revestimentos e eficiência energética, de modo a minimizar o consumo energético do edifício. Depois de recuperado, o equipamento será cedido à Associação “Amigos do Forno”, mediante um protocolo a realizar. O objectivo é que a Associação ali dinamize actividades de carácter didáctico e pedagógico, promovendo a visita de alunos de escolas, para lhes explicar esta confecção tradicional do pão que, durante séculos, constituiu a base alimentar da população.
Segundo Fernando Olegário, presidente da Associação “Amigos do Forno”, logo que a obra esteja concluída, a inauguração do espaço ficará marcada por uma festa em que o pão será cozido nesse antigo forno, até porque naquela zona da cidade há ainda muitas pessoas que sabem amassar e cozer o pão, à moda antiga.
Para a Associação, o forno irá, desde logo, levar jovens àquela zona bastante despovoada, com a promoção de visitas das escolas. Por outro lado, existe a intenção de que a comunidade de residentes e outras pessoas, que queiram utilizar aquele espaço para cozer o seu próprio pão, o possam fazer e que os jovens aprendam também essa arte da padaria que, há uns anos atrás, constituía quase um dos conhecimentos básicos que qualquer mãe de família deveria ter.

Memórias dos tempos em que o forno ainda funcionava.


Foto: Ana Preto:  Maria do Céu e Regina Queirós,
duas vizinhas que ainda sabem
 como se faz o pão, à moda antiga.
 Regina da Conceição Queirós, hoje com 81 anos, passou toda a sua vida naquela zona antiga da cidade e lembra-se ainda, tal como consta dos relatos de Belarmino Afonso, da Senhora Glória, ou “Ti Glória”. Naqueles tempos, “a gente vinha a pedir companhia, que era para vir a cozer, porque coziam cinco ou seis pessoas ao mesmo tempo. O forno era grandito”. Depois do pedido à responsável pelo forno comunitário, ela dava um bocadinho de fermento, que depois era devolvido, após amassada a nova fornada. “Cozia a gente o pão ali e pagávamos a “poio”, que era dinheiro que tinha que se dar”, explicou-nos a senhora Regina. “O forno funcionava todos os dias, vinham as cargueiras de Gimonde, com a estevas, para o fazer arder”, acrescentou e apontou para outra zona da rua, onde havia outro forno.
Afinal trata-se da “Rua dos Fornos”. “Era do Alcino Lopes e era com gás. Ali não, era tudo com estevas. Vendiam depois as brasas, e davam braseiras de brasas. Eu, quando me casei, ia buscar muitas vezes uma braseira de brasas para me aquecer...”. Eram outros tempos, a cargueiras de Gimonde não levavam apenas lenha para o forno, mas também para muitas casas. Não havia gás e as pessoas cozinhavam com lenha. “Toda agente cozia, não havia pão extra, por fora. Tudo cozia, ia a moagem do Loreto, comprar a farinha, e pronto. Não havia padarias naquela altura”, acrescentou Regina.
Entretanto muita coisa mudou, mas Olinda, uma das mais jovens do bairro, que se lembra ainda do cheirinho que havia, quando se descia a rua, na altura da Páscoa, a folares caseiros, refere que, talvez, este forno, nos tempos que estamos, ainda venha a ser útil. “Está tudo tão caro, se calhar temos que nos habituar outra vez a cozer, não sei. Isto está mau, toda a gente quer modernices, novas tecnologias e acho que temos que ir para o antigo. Pode ser que seja útil, para as pessoas. Ainda me lembra, na altura da Páscoa, começava-se a descer ali, e era um cheirinho a folares”, disse-nos. Maria do Céu, que vive há cerca de 30 anos no bairro e já não se lembra do forno funcionar, preferia não interferir na conversa, mas lá vai dizendo que esse pão e esses folares “tinham outro sabor”.
Nascida numa aldeia, veio para a cidade há muitos anos, mas ainda aprendeu cozer o pão com a sua mãe e diz que, se encontrasse o forno quente, não se importaria nada de lá fazer alguns pães, com esse sabor que os das padarias de hoje já não têm.
Outro dos vizinhos, Fernando Costa, de 59 anos, contou-nos que a sua mãe também trabalhou como padeira, neste e noutros fornos. Chamava-se Germana. Fazia o pão e depois ia vende-lo pelas portas. Havia muitos moinhos, ao longo do rio, naquela altura, e falou-nos de um outro pormenor: o processo de preparação do trigo, que era lavado e colocado a secar ao sol, antes de ser moído para fazer a farinha que seria depois usada pelas padeiras. Naqueles tempos, bem “difíceis”, sublinhou Regina, “naquele cantinho, ali em baixo do forno, criaram-se nove filhos. Dormiam uns em cima dos outros, numa espécie de beliches”.

Mais jovens na zona histórica.


O futuro
 Tudo isso passou. Os jovens são poucos. As casas estão velhas e custa muito dinheiro reabilitá-las.
A maioria dos jovens procura apartamentos, nas zonas novas da cidade. O forno é um pormenor, no âmbito do projecto do município que pretende, precisamente, revitalizar, com mais juventude, aquela zona antiga de velha cidade de Bragança. O projecto “Bragança activa” envolve diversas acções, como a ciclovia, uma escola de dança, a ampliação da Casa da Seda, a construção de um jardim na zona da Coxa e conclusão da infra-estrutura desportiva do Instituto Politécnico de Bragança e o projecto “Domus Universitária”. “Avançaremos proximamente e faremos uma abordagem pública, apresentado esses projectos, no momento em que assinarmos um protocolo com o Politécnico de Bragança”, explicou Jorge Nunes. No âmbito do “Domus Universitária” pretende-se construir na zona histórica residências de estudantes em situação de mobilidade, ao abrigo do programa Erasmus, ou de outros programas, desenvolvidos pelos Instituto Politécnico. “Estamos a desenvolver os procedimentos técnicos, administrativos, para avançar de forma consolidada e consistente com esse projecto e pensamos poder avançar até ao mês de Abril”, acrescentou o presidente da Câmara.
Para Jorge Nunes, construir residências universitárias é uma das formas mais interessantes de revitalizar o centro histórico, porque irá atrair actividades económicas. “Trazer estudantes para o centro histórico é a forma mais segura de atrair actividades económicas, uma vez que a nível de espaço público, de infra-estruturas e edifícios públicos, tudo está renovado”, sublinhou. Neste momento o Politécnico tem cerca de 300 estudantes na área de intercâmbio de alunos com outras instituições de ensino da Europa e dos países lusófonos. A dimensão dessa residência, ou residências, ainda não está definida.

Por: Ana Preto

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