quinta-feira, 28 de maio de 2015

Museu da Terra de Miranda - Preservar uma identidade, sentir a região

O museu da Terra de Miranda é espaço para a defesa da identidade e etnografia do planalto mirandês. Mais de um milhão de peças constituem o acervo de um museu que representa um modo de estar ancestral. Sérgio Gorjão, director da instituição faz-nos uma visita guiada pelas terras de Miranda.
Café Portugal - O Museu da Terra de Miranda partiu da iniciativa do padre António Mourinho em 1982. Qual a origem do material em exposição?
Sérgio Gorjão - Em 1945 deram-se as celebrações do centenário de Miranda e, nessa altura, surgiu uma Comissão para o Ressurgimento de Miranda. Desde logo esta comissão percebeu a importância da existência de um museu. Por outro lado o padre Mourinho estava muito ligado e influenciado pela figura do Abade de Baçal (sacerdote e arqueólogo). Desde início também alimentava a esperança que pudesse ser constituído um museu. Muitas pessoas colaboraram neste projecto, mas seria o padre Mourinho que entre 1945 até 1982 faria várias recolhas de material e avançaria com a ideia de criação do museu. As recolhas foram feitas por ele, quer a nível de epígrafes que fizeram parte de habitações como material reaproveitado, que se centram mais na esfera da arqueologia. Também foi ele que fez a recolha de etnografia, embora posteriormente a colecção tenha sido aumentada por outras doações pontuais.
C.P- Pode-nos falar do acervo presente neste museu?
S.G - Neste momento estamos a rever todo o inventário. Mas posso avançar que o museu conta pelo menos com um milhão de peças. Com este novo inventário chegámos à conclusão que há peças que estavam inventariadas como conjunto mas que precisam de ser catalogadas individualmente. Mas há outros casos, por exemplo, temos uma outra colecção de um legado do Tenente-coronel Francisco Esteves Pereira que curiosamente é uma colecção orientalista. Nada tem a ver com a região a não ser o facto deste tenente-coronel ter nascido em Miranda acabando por legar todos os seus estudos sobre o Próximo e Médio Oriente a Miranda do Douro. É uma colecção que nunca foi estudada ou exibida e que neste momento também está em fase de inventário.
C.P- De que maneira o acervo do museu nos ajuda a entender a vida do mirandês?
S.G -O Museu da Terras de Miranda é essencialmente um museu etnográfico e, como tal, representa a memória daquilo que foi a vivência do povo de Miranda, desde uma época muito ancestral, ou seja, desde a ocupação romana. Acentua também aspectos ligados às tradições, aos usos e costumes, às questões do dia-a-dia e às profissões típicas da região de Miranda. Nos últimos 20 ou 30 anos houve porém muitas alterações. Hoje em dia as pessoas não lavram a terra apenas com o arado, muitas das vezes incluem o tractor, máquina que ainda não temos no museu por falta de espaço. Mas já faria sentido termos peças dessa natureza na nossa colecção representando o do quotidiano actual. O museu dá a conhecer, então, o que foi a história antiga e a história muito recente do povo de Miranda e, em particular, conserva aspectos muito importantes da identidade mirandesa, nomeadamente, questões ligada ao traje e questões ligadas à música (instrumentos musicais) e dança. Estamos a trabalhar para que também a língua tenha uma expressão mais forte dentro do próprio museu.
C.P- O museu tem alguma compilação ou publicação sobre o material que expõe? Considerando que este acaba por ser uma mostra da etnografia de um povo?
S.G - Não há neste momento um catálogo geral do museu. Mas está a ser preparado para vir a ser lançado com a reabertura do museu após as obras a que vai estar sujeito a curto prazo. Pensamos que as obras possam começar ainda este ano e prevê-se que dure entre um ano a ano e meio. Actualmente temos algumas publicações pontuais referentes a exposições temporárias que temos vindo a fazer. Estamos a tentar trabalhar, também, no domínio do imaterial, cuja formação de um catálogo clássico não é tão fácil. Estamos a desenvolver o domínio dos documentários do registo de vídeo.
C.P- As exposições rotativas existentes no museu estão, também elas, relacionadas com a etnografia de Miranda?
S.G - As exposições estão sempre ligadas às Terras de Miranda, não necessariamente a Miranda do Douro. O nosso objecto de estudo é esta região alargada do planalto mirandês. Todos os trabalhos e exposições que têm vindo a ser desenvolvidos no museu ou são relativos à componente científica da instituição ou à questão do património cultural e ambiental da região da Miranda.
C.P- Para além das exposições, de que maneira o museu chega à população?
S.G - O museu tem tido uma política de não concentração apenas no seu espaço físico, mas sobretudo tentar criar e estabelecer pontes com outras instituições. Esta é a nossa forma de chegar à população. Em muitos casos é o museu que vai ter primeiro com a população. Temos ido às escolas, estamos integrados em projectos no qual estão incluídos lares, IPSS, e a Santa Casa da Misericórdia. Temos projectos também com as câmaras e juntas de freguesia e até estamos ligados a outros museus, nomeadamente o de Zamora. Em termos práticos, estes projectos traduzem-se por exemplo no trabalho com as escolas na observação de cerâmica e trajes típicos. Fazemos também a aprendizagem dos objectos que estão no museu em língua mirandesa junto das crianças. Temos concebido exposições que nos levam a acompanhar, por exemplo, determinadas pessoas durante um ano inteiro na sua actividade. O exemplo disso foi a exposição «Como se faz uma capa de honras» com a presença de um alfaiate a fabricar uma capa, mostrando o ciclo desde que a lã é extraída até o chegar da peça ao tear onde é talhada para fazer a capa de honras (peça de vestuário para proteger os «boieiros» e pastores). Fizemos uma exposição sobre o pastoreio em que nos foi oferecido uma cabana de pastor, que no fundo é um equipamento de paisagem. Traduz-se numa actividade muito característica de Miranda do Douro.
C.P- No serviço educativo do museu nota-se uma acção concertada no que toca as crianças e jovens. Este público sente-se identificado com a etnografia de Miranda?
S.G - Acho que as crianças e os jovens se sentem identificadas com a etnografia. Este público tem uma vantagem muito grande relativamente à maior parte das crianças que vivem em centros urbanos muito maiores. Sendo crianças, que também tem acesso a tudo aquilo que a modernidade lhes dá, tem ainda oportunidade de aprender a cantar música tradicional, a língua mirandesa, a dança dos pauliteiros, ou a tocar instrumentos tradicionais como a gaita-de-foles. No museu estão muitas das referências com as quais elas lidam no que diz respeito à sua identidade. As crianças que estão a ser ensinadas a prezar e defender a sua identidade encontram no museu muitas referências e estão perfeitamente à vontade naquele ambiente.
C.P- Existem actividades no museu que reúnam os mais velhos, que vivenciaram os costumes e os mais novos?
S.G
- Neste momento não temos um programa ou projecto específico para o diálogo inter-geracional. No entanto achamos que é fundamental que venha a ocorrer. Nem sempre é fácil conciliar os horários escolares com a disponibilidade dos idosos. Nem sempre é fácil fazer um projecto que faça confluir estes dois públicos ao mesmo tempo. No entanto temos possibilidade que ambos os público estejam presentes e transmitam uns para os outros coisas importantes. Houve um restauro de um tear no museu, quando a tecedeira esteve a instalar a teia, convidámos as escolas que tiveram oportunidade de perceber como é que a «avó» trabalhava. É uma actividade que algumas crianças ainda têm memória. Desta maneira têm possibilidade de entrar em contacto com a sabedoria dos mais velhos.

C.P- Que actividades decorrem neste momento no museu?
S.G
- Estamos a entrar em época de férias, mas estamos em preparação das actividades para o próximo ano lectivo. O utente comum ainda poderá ver, para além da exposição permanente, uma exposição de carácter temporário «la sinta de la raposa», uma expressão mirandesa que quando traduzida para o português quer dizer arco-íris, que faz o balanço de actividade de três anos entre a escola e o museu.


Por: Carlos Santos

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