domingo, 29 de maio de 2011

Terra de Miranda - Trazer o Burro para o século XXI

Em vias de extinção o Burro de Miranda tem na Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino (AEPGA) a esperança para a continuidade futura de uma raça oriunda das terras do Planalto Mirandês. A organização de passeios de burro; encontros entre os amantes do afável animal; o apadrinhamento de burros nascidos nos centros de acolhimento, são alguns das actividades da AEPGA, focadas por Miguel Novoa, responsável da associação.
Café Portugal - Gostaria que começasse por nos apresentar a espécie, o Burro da Terra de Miranda, e a sua ligação e importância no contexto da região?
Miguel Novoa - O Burro de Miranda sempre esteve historicamente ligado à economia da região porque a sua aptidão principal é a produção de mulas e machos, o cruzamento entre o burro e uma égua. Estes são animais de trabalho que representavam os tractores de antigamente. Há 20 anos, o Burro de Miranda era um animal muito importante para a região. Desde 2003, com o nosso trabalho para o estudo e protecção do gado asinino e com o apoio da Direcção Geral de Veterinária foi possível reconhecer uma raça, o Burro de Miranda, um animal forte e corpulento de pêlo comprido, de fácil trato e manutenção. O facto de o reconhecermos como uma raça, com uma história, vem valorizá-lo.
C.P. - Um dos objectivos da Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino é preservação e aproveitamento da raça autóctone de asininos das Terras de Miranda - Burro de Miranda. Nesse sentido qual é a vossa actuação?
M.N. - Informamos sobre as utilizações do burro no passado embora procurando encontrar para o animal um papel na sociedade actual. Esses novos usos passam pela valorização como animal doméstico, onde tem enorme potencial, mas também a sua utilidade no ecoturismo com a realização, por exemplo, de passeios de burro por rotas de especial interesse natural. Procuramos, também, a valorização da raça como «animal terapêutico». Estas valências trazem o burro para os dias de hoje. É necessário inovar e trazer à sociedade novas iniciativas para recuperar a importância destes animais no presente.
C.P. - A raça Asinina de Miranda encontra-se em perigo de extinção? O que levou a que se chegasse a esse ponto de risco para a continuidade da espécie?
M.N. - Foi definido internacionalmente que populações com menos de mil fêmeas reprodutores activas se encontram em perigo de extinção. A diminuição drástica destes animais parte da mecanização da agricultura, que tornam o burro menos importante na sociedade. Para constatar a sua importância actualmente temos de visitar países como Marrocos, Etiópia e Somália entre outros, nos quais os burros são utilizados diariamente para a recolha de águas e outros bens. Em Portugal esperamos poder continuara a trabalhar para um aumento da raça que neste momento se situa entre 800 animais, ou seja, 800 fêmeas reprodutoras. Irá diminuir este número drasticamente nos próximos anos, porque apenas conseguimos ter cerca de 80 nascimentos por ano dos quais apenas 50% serão fêmeas. Devido à idade avançada dos animais existe um maior número de mortes do que nascimentos. Há que continuar a trabalhar para que futuramente consigamos inverter esta tendência
C.P. - Como se pauta a vossa dinâmica em termos práticos?
M.N. - Em primeiro lugar no apoio concedido aos nossos criadores, sócios para a gestão do plano de melhoramento da raça. Conseguimos, através de fundos europeus, um apoio monetário para a manutenção da raça. A dinâmica que criamos também passa pela organização e promoção do Burro de Miranda e as suas actividades a nível nacional e europeu. Podemos citar os passeios organizados pela associação como exemplo. O «Festival Sons e Ruralidades», organizado na vila de Vimioso, unindo a música com a ruralidade e tendo o burro como protagonista. No final de Julho um passeio de burro leva-nos por aldeias e caminhos tradicionais. Também temos as feiras do Azinhoso que reúnem os criadores para a realização de uma festa com convívio e eleição dos melhores exemplares. A nossa actividade passa pela implementação de iniciativas pioneiras que possam desenvolver o sector económico desta região sem recurso à indústria mas sim o reconhecimento daquilo que existe de melhor como a gastronomia, agricultura, a tradição nas terras de Miranda do Douro. Acreditamos que existe um enorme potencial e crescimento para iniciativas de cariz de turismo de natureza e ecoturismo.
C.P. - Existem três centros vocacionados para actividades específicas. Que actividades estão envolvidas e quais as condições para os animais?
M.N. - No Centro «O Palheirico», da aldeia da Atenor, recebemos visitantes para conhecer a estrutura, os animais e suas características, realização de passeios. Existe, ainda, um programa de educação ambiental direccionado para as escolas e para as crianças e para aqueles que quiserem organizar uma visita ao planalto transmontano. Já o centro de Acolhimento da aldeia de Duas Igrejas está vocacionado para o alojamento, albergue e resgate de animais de terceira idade que dada a idade avançada são abandonados. Com o conhecimento da associação algumas pessoas mais idosas contactam-nos para recolher o seu animal em fim de vida. Por fim temos também o Centro o Palheirico da aldeia de Pena Branca onde se realizam sessões de terapia.
C.P. - O programa de adopções e donativos é muito importante na manutenção destes centros…
M.N. - Chamamos a esse programa campanha de apadrinhamento. É uma forma virtual dos nossos sócios poderem contribuir para o trabalho que temos vindo a desenvolver. Tudo o que realizamos, seja a manutenção das fêmeas, seja o trabalho de campo ao nível do bem-estar animal, ou até mesmo a recolha de animais em fim de vida e abandonados, exige um recurso financeiro para o qual todos devemos contribuir. Os apoios não são muitos e através desta campanha de apadrinhamento podemos recolher alguns fundos essenciais para a resolução do nosso trabalho. A partir daí as pessoas tornam-se madrinha ou padrinho de um dos animais que poderá visitar e acompanhar. É curioso que um animal adoptado por uma criança recém-nascida, se tudo correr bem, vai evoluir em conjunto com o padrinho até aos trinta anos. A média de idade destes animais, no nosso país, ronda os 25 anos.
C.P. - Quantos associados tem a associação neste momento?
M.N. - Neste momento temos cerca de 2300 associados, cerca de 500 são criadores de burros. De resto são pessoas interessadas ou que já tinham participado nas nossas actividades.
Colaboram com organizações congéneres nacionais e estrangeiras. Qual tem sido o trabalho desenvolvido a esse nível?
A troca de experiencias a nível internacional é muito importante. Algumas associações têm um conhecimento científico muito grande das raças que defendem. Com o contacto com eles a AEPGA ganhou, em pouco tempo, uma enorme experiência de valorização do animal na sua promoção. Desta forma poderemos também promover o Burro de Miranda a nível internacional.


Carla Santos; fotos - AEPGA
in:cafeportugal.net

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