segunda-feira, 13 de junho de 2011

Testemunhos Sobre o Padre Miguel

Foto do Blogue-Colheita de 63
Lembro-me bem apesar de ter sido em 1945. Tinha eu seis anos de idade quando ajudei pela primeira vez à missa, das 11 horas na Igreja de S. Vicente, celebrada pelo Padre Miguel. Éramos vizinhos. Morávamos na Costa Grande a caminho do Castelo, e pouco mais de trinta metros separavam a casa de meus pais e a do Padre Miguel. Vesti uma batina vermelha. A missa era em latim. Foi uma estreia desastrosa. Quando tive de mudar o missal do lado direito para o esquerdo, o meu corpo franzino não resistiu ao peso do livro. Estatelei-me no chão. Levantei-me num ápice ao mesmo tempo que o Padre Miguel me acariciava passando-me as mãos pela cara. Alguns não resistiram, e mesmo levando as mãos à boca não conseguiram esconder a graça que lhes proporcionou o meu humilde tombo.
Em 1962 passei então a colaborar no ensino da catequese que funcionava na Rua Direita, local onde também ensaiava o Grupo Coral “Pardais da Montanha”, que tinha sido criado pelo Padre Miguel antes da minha saída do Seminário. Fui durante algum tempo o responsável por este grupo. Cantávamos a Sra. do Almortão a quatro vozes, Barqueiro do Volga entre outros temas. Participámos em alguns concursos na cidade de Bragança sempre com a grande concorrência à perna, Colégio do Sagrado Coração de Jesus, Liceu Nacional de Bragança etc. O Padre Miguel queria vencer sempre, e, perante um “injusto” terceiro lugar obtido nos primeiros anos da década de 60, num concurso que decorreu no Seminário de Bragança, cancelou uma pequena peça de teatro que era levada à cena por quatro elementos dos Pardais da Montanha. Peça que tinha sido ensaiada durante algumas tardes na sacristia da Igreja de São Bento.
O dia de Páscoa era esperado com grande ansiedade. Meia dúzia de garotos como eu, com a cruz, a campainha, a caldeirinha, as lanternas e um saco para o dinheiro, algum metido dentro de envelopes, acompanhávamos o Padre Miguel na visita Pascal que decorria domingo e segunda de Páscoa. Na casa dos pobres era entregue o dinheiro que tinha sido recolhido junto dos mais abastados. E toca a andar para o vizinho do lado.Na noite do dia 15 de Janeiro de 1973 o Padre Miguel jantou comigo em Lisboa. Por aqui permaneceu uns dias, em casa do Padre Videira Pires que vivia em Santo Amaro de Oeiras, para tirar a carta de condução. Uma refeição com muito diálogo sobre a Paróquia de S. Vicente. Com aquela cara de bonacheirão que transbordava alegria disse-me: «Zé, já temos carro para ir aos acampamentos».
Passados dois dias morreu em Bragança.


Um Pároco nunca esquecido
«Cerca de dez mil pessoas tributaram ao Rev. Pe. Miguel a mais grandiosa e emocionante manifestação de pesar e saudade de que há memória nesta cidade, em todo o distrito e diocese de Bragança, ocupando, desde o templo de S. Vicente toda a grande e ampla rua do Conselheiro Abílio Beça, a Praça da Sé e grande parte da rua Almirante Reis.
Era, na verdade, um mar de gente jamais verificado nesta cidade; nem mesmo, para assinalar ou festejar os acontecimentos de mais projecção nacional e internacional. E Milhares de pessoas não resistiram ao pranto, tão grande e sentida foi a sua dor».
Assim se referia o nº1.145 Mensageiro de Bragança ao funeral do Rev. Pe. Miguel João de Almeida ocorrido no dia 19 de Janeiro de 1973.
E foi assim mesmo. Os que estivemos presentes podemos testemunhar a verdade da narração jornalística, mas não podemos deixar de nos interrogar, como o fizemos nessa altura, dos porquês deste «fenómeno».
Políticos ilustres, sacerdotes e capitulares insignes, brigantinos de estirpe e condição tinham tido os seus séquitos fúnebres. Mas nenhum deles, nem de perto nem de longe, igualaram o do Pe. Miguel.
E a pergunta surge então de novo: Porquê?
Porque é que toda a gente desceu à rua e viveu emocionada o trânsito do Padre Miguel para a vida do além?
É certo que fora Pároco de Santa Maria desde 15 de Agosto de 1947 (26 anos portanto); mas outros o foram por mais tempo.
É certo que fora professor do Liceu e da Escola Industrial.
É certo que naqueles tempos de penúria chegou a abrir uma cantina na sua Paróquia onde distribuía gratuitamente leite e pão com manteiga às crianças mais pobres; mas isso o faziam também grande parte dos Párocos da Diocese com o auxílio da Caritas internacional.
É certo que fundara os famosos «Pardais da Montanha» que deliciaram os ouvidos musicais de tanta gente.
É certo que mantinha vivos, com a sua presença assídua, um sem número de grupos e movimentos apostólicos como a Cruzada Eucarística, as Guias de Portugal, o Apostolado da Oração, as Conferências de S. Vicente de Paulo, a Legião de Maria, etc., etc.
É certo que a sua morte foi súbita e inesperada.
Mas tudo isto, e até porque a Paróquia de Santa Maria era a irmã pobre da cidade, lado a lado com a vetusta e portentosa e capitular Paróquia da Sé, não justificaria que a cidade inteira «ajoelhasse» na hora da sua morte.
A explicação deverá pois ser encontrada noutra linha, noutra esfera, noutra dimensão.
E não andaremos longe do «mistério» se dissermos que a sua visível simplicidade, aliada à sua consciente e assumida pobreza, por mais paradoxal que pareça, foram o marco de prestígio impar que granjeou entre os brigantinos.
A sua proverbial bonomia, associada ao desprendimento de tudo quanto significa projecção social e opulência eram o seu carisma, o seu «estilo de vida» que calou profundamente em tudo e em todos, desde os mais novos aos mais velhos, dos mais pobres aos mais ricos.
E a partir dele a Paróquia de Santa Maria de Bragança não foi mais o que era.
O povo, como sempre, tinha razão e deu uma lição clara e solene à Igreja Hierárquica naquele dia 19 de Janeiro de 1973.


in:www.ospm.pt

Obs* Desconheço a quem pertencem os testemunhos.

1 comentário:

  1. Ninguém era igual ao padre Miguel e o porquê pode ser dito em quatro palavras:

    ERA UM HOMEM BOM

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