segunda-feira, 1 de junho de 2015

O Pão-nosso de cada dia

O pão é o nosso principal alimento, estando todos os dias na mesa. Por isso, no livro «Mirandelês» a apresentar dentro de pouco mais de um mês, em Mirandela, tem várias referências ao pão.
O pão trigo «abarretado», comprido como o barrete militar, que é o melhor pão que se faz na cidade de Mirandela, merece a primeira referência. Segue-se o pão centeio, «centeio-alveiro» e que a farinha muito fina saía da poética mó albeira. Esta farinha fina consegue-se ao ser peneirada «esbeijada» na peneira mais fina e a deslizar nas «varilhas» por cima da masseira.
Quando a farinha triga não é tão apurada, na mó alveira, peneirada só pela peneira grossa, temos o charrão ou «pão charrão» e do farelo podemos fazer uma «enfarnada» para o cavalo ou para o porco, bastando juntar ao balde de água duas ou três malgas deste fibroso alimento.
Estamos a «escangar» a farinha quando lhe tiramos o farelo mais grosso ou «relão» ou «ralão». E é posta no «missoulo» ou saco pequeno quando é pouca, sendo a maquia cobrada pelo moleiro menor. O pão charrão obtém-se do «relão» (também se chama «pão-ralão» ou «pão-relão») que é a farinha ou farelo mais grossos. Da farinha centeia menos apurada na azenha (maior) ou no moinho (pequeno) faz-se o «pão-preto» (o último que comi foi feito em Pitões – Montalegre) (le pain noir dos franceses) ou pão dos pobres, ou pão que o «Diabo amassou». Hoje só quase temos o pão dos parasitas que recebem e não querem trabalhar.
A «sêmea» ou pão-sêmea, tal como o charrão são feitos de farinha trigo e farelo. Mas, a sêmea é confeccionada a partir de uma farinha de grossura média. Por sua vez, o «pão albeiro» ou «pão coado» é conseguido com a farinha mais fina que se utiliza na regueifa e noutros pãos finos.
O «pão arfado» ou empolado, levantado pela acção do calor brusco é uma característica de algum do nosso pão ou bolos cozidos. Por sua vez, «o pão resinado» é aquele que fica mal cozido e acaçapado. Mesmo assim, quando temos muita fome podemos partir um «benairo» de pão.
Por mais que as pás mecânicas batam a farinha, o melhor pão é aquele é amassado a braços. A farinha não pode ficar «ingrunhada» e sempre que vemos algum «ingrunho» é sinal de que precisa de ser mais trabalhada.
O pão ao ir para o tendal, para a massa não se pegar ao bragal, tem que levar um cheirinho de farinha e estamos a «fingir» ou fangir, isto é, quase fingimos ou fangimos que deitamos. Também se finge o pão quando vai para a pá para entrar no forno. Quando se pedia a alguém para cozer uma fornada de pão pagava-se-lhe com a poia ou pão mais pequeno.
O «molête» ou pão trigo de poucas gramas, como o de três/quatro cantos, é um produto mais da cidade, porque nas aldeias havia mais fartura e o pão era de quilos.
Como diz o ilustre Prof. Adriano Moreira, que «Mirandela é o Poço do Azeite», este precioso e fino «ouro da terra» entra na «bola sovada» (devido à tareia que leva na masseira) ou «bola calcada», na «bola de azeite» e na novíssima bola de azeitonas e em muita da nossa bolaria.
A «painça» ou farinha de milho (tem o seu nome no milho miúdo ou painço, ou pão-de-passarinho, que depois passou para o milho americano ou graúdo) faz um pão mais pesado, fibroso e nutritivo, mais usado no Minho e litoral norte.
Nem todo o pão que se come (ou se comia antigamente) provem de cereal, também se obtém pão moendo a bolota ou a sua prima castanha. Foi o pão mais tradicional da castanha, a «falacha» que me motivou a escrita do livro «Castanea uma dádiva dos deuses».
À guisa de conselhos não «poupa no farelo e gasta na farinha », porque é sinal de pouca inteligência. Este ano, prevejo que vai ser «ano de muito gaimão, ano de muito pão».
Que saudades eu tenho do «bolo molhado» que fazia a minha mãe, quando cozia a fornada, e com um pão centeio mais pequeno ainda quente, em vez de o incertar, escarolava-o para uma panela, juntando-lhe açúcar (escuro) e vinho tinto (também gosto das sopas-de-cavalo-cansado)!
No último Verão a minha irmã mandou-me levantar o testo a uma panela e tinha dentro o bolo molhado!… Fiquei petrificado com emoção húmida e feliz que me encheu a alma!...
Com os nacos ou carolos de pão, ao sair do forno, a minha avó, M.ª Rosa, costumava fazer outro petisco juntando-lhe só azeite e açúcar.
No Verão, com o pão duro ou pão velho, costumo, seguindo os saberes da minha mãe, esfarolar ou esforgalhar o pão e fazer uma «salada de pão», juntando-lhe cebola picada, alcaparras ou azeitonas quartilhadas, azeite e vinagre de lavrador. É tão delicioso que nem uma forgalha deixo no prato.
«Paniegos» ou «pãozeiros» são os que comem muito pão e temos algumas aldeias no concelho de Mirandela com esta nomeada. Quem gosta pouco de pão come só um «tantinho», para não ser desmancha-prazeres.

in:jornal.netbila.net
por:Jorge Lage

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