São pessoas do tempo em que a emigração era dolorosa. Sangue, suor e lágrimas. Partiam sem saber uma palavra de francês, inglês ou alemão numa altura em que havia um apertado controlo de fronteiras. Alguns não tinham papéis. A maioria abandonava Portugal porque aqui só havia fome e miséria.
Chegaram a Ausburg, na Alemanha, em 1970. Pela frente tinham vários desafios. Os piores eram a língua da qual não entendiam uma palavra e a desconfiança dos alemães para com os estrangeiros. “O começo de vida foi muito difícil. Não sabíamos falar alemão. Para ir às compras ou aos médicos era muito complicado. Não se sabia exactamente o que estávamos a comprar, não entendíamos as explicações dos médicos. Ia-se para comprar um champô e trazia-se tinta para o cabelo. Assistimos à história de uma senhora que entendeu mal as indicações do médico, tomou o medicamento em vez de o esfregar no corpo, morreu envenenada”, recorda Maria Antunes, de 64 anos, natural da Lameira, freguesia de Fátima. Junto a si está o marido, José Antunes, actualmente com 67 anos. Maria estava grávida de seis meses. Começou por fazer limpezas num hospital. Mais tarde viria a trabalhar como assistente no laboratório do mesmo hospital. Em termos de trabalho teve sorte. “Estive lá 40 anos”, conta.
Outra dificuldade com que se depararam no princípio de vida na Alemanha foi arranjar casa. “Não se vendiam casas a estrangeiros”, lembra José Antunes. “Até porque era necessário fazer crédito no banco e os estrangeiros não tinham tanta facilidade. Mas não se conseguia casa sobretudo porque éramos estrangeiros e pronto”, recorda. Bacalhau também não havia. Os produtos de origem mediterrânica eram escassos ou muito caros e fazer comida tradicional portuguesa era difícil. Agora só vêm a Portugal nas férias. “Temos lá tudo. Os nossos filhos nasceram e cresceram lá. Hoje gosto muito do ambiente alemão. É diferente, é mais calmo. Não há o stress que há em Portugal. E a pontualidade, os cuidados médicos a que temos acesso, todas essas coisas”, explica Maria Antunes.
Regressar à vida de emigrante
Na Atouguia, também no concelho de Ourém, está a passar umas semanas de férias Maria Vieira, 52 anos. Está há 28 anos no Canadá. Partiu com 23 anos, após o casamento. Em Portugal deixou o emprego de cozinheira para ir trabalhar primeiro numa fábrica de costura, depois numa fábrica de peças de automóvel. Os portugueses que encontrou eram açorianos e não entendia quase nada da sua pronúncia. “Quando cheguei só sabia falar português. Trabalhava com pessoas dos Açores, de Rabo de Peixe, mas não as conseguia entender”, conta.
“As nossas raízes estão em Portugal, mas foi lá que formámos tudo. Temos lá tudo, a casa, os filhos, temos boa assistência médica porque temos bons seguros de trabalho. Por cá só nas férias”. “Recordo-me que a adaptação foi difícil, mas porque aqui era uma rapariga livre e lá era uma mulher casada que em pouco tempo teve um filho”. Em certas condições, acaba por conviver melhor com canadianos que com portugueses. “A nível de trabalho os canadianos são mais amigos, confiáveis. Entre os portugueses há muita competição e nem sempre são os mais amigáveis”, comenta.
Clementina Silva de 54 anos, está de volta à Suíça. Depois de lá ter estado 15 anos voltou e ficou por Portugal outros 15 anos. Há quatro anos voltou a partir. Não se adaptou à vida no seu país e o aumento das dificuldades ditaram a decisão. Hoje, com os filhos já criados, torna-se até mais fácil, confessa. Há 30 anos deixou o trabalho nos restaurantes e hotéis de Fátima e foi com o marido. Já tinha vivido dois anos em França, pelo que a língua francesa não foi problema. Nos primeiros tempos trabalhou no campo, limpando terrenos enquanto estava grávida, ou a tomar conta de vacas.”Estávamos sozinhos num beco, só ao fim de oito meses descobrimos portugueses”.
Não se queixa. “Adaptei-me bem, sempre gostei do estrangeiro”. “Tive logo amigos suíços que gostavam muito da gente e nunca notei que fossem racistas. A comida é diferente, mas gosto daquela comida deles à base de cremes. Tenho pena de não a saber fazer”. A motivação naquele tempo foi arranjar dinheiro, fazer uma casa. Lá fora, tinha mais liberdade, era independente. Hoje enumera as vantagens de voltar a viver num país como a Suíça: “vive-se melhor, trabalha-se menos e como já não tenho os filhos a meu cargo até é melhor. Os meus filhos estão lá e não têm projectos de fazer vida em Portugal”, diz.
Mirante, 2011-08-19
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