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SOBRE O BLOGUE: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blogue, apenas vinculam os respetivos autores.

domingo, 4 de setembro de 2011

Cuscos

Os cuscos de Trás-os-Montes, feitos a partir do trigo Barbela, são outro exemplo da transformação de um recurso local num alimento que pode conservar-se durante largos meses, e que no passado substituía produtos como a massa e o arroz, mais pesados para a economia familiar, e por isso consumidos sobretudo em dias de festa.
Os cuscos de Trás-os-Montes, feitos a partir do trigo Barbela, são outro exemplo da transformação de um recurso local num alimento que pode conservar-se durante largos meses, e que no passado substituía produtos como a massa e o arroz, mais pesados para a economia familiar, e por isso consumidos sobretudo em dias de festa.   
Os cuscos chegaram à Península Ibérica pela mão dos conquistadores muçulmanos, que os trouxeram do Magrebe, onde eram um alimento importante das tribos berberes. É com alguma perplexidade que os vamos encontrar hoje em Trás-os-Montes, uma região que quase não sofreu influências da cultura muçulmana. Contudo, se pensarmos que nas suas terras isoladas se refugiaram muitos judeus herdeiros das tradições alimentares andaluzas e magrebinas, talvez estejamos no bom caminho para desvendar esse mistério.
Sabe-se que no século XVI eram vendidos nas ruas de Lisboa e que serviam para aplacar a fome dos plebeus, embora também seduzissem os paladares dos nobres e da realeza. D. João III foi um dos reis que não lhe resistiu e o neto, D. Sebastião, chegou a legislar contra o seu consumo excessivo.  
Os cuscos começaram por acompanhar as rotas da islamização, mas aos poucos seguiram o rumo de outras conquistas, expansões e emigrações e espalharam-se pelo mundo. No Brasil, em Cabo Verde, em Macau e em Moçambique há pratos de cuscos, preparados com os ingredientes locais, como a mandioca, o inhame, o milho ou o arroz. Muito diferentes entre si, estes cuscos, ou cuscuz, como mais frequentemente se chamam, escondem retalhos de história comuns, a que os portugueses, nalguns casos, não são alheios.
 Dos cuscos se pode dizer que são grãos carregados de memória. Mas não são grãos simples, nascidos da terra. Antes resultam de gestos hábeis, suaves e pacientes de mulheres que acariciam a farinha até a transformarem em pequenos flocos brancos.    
 Gestos que guardam as memórias onde muitos reconhecem a sua identidade e que a outros permitem descobrir sabores que não reconheciam como nossos.  
Acabados de cozer a vapor, os cuscos chamam-se «carola», e são comida de refeições rápidas e frugais, como o pequeno-almoço ou o lanche, simples ou acompanhados com açúcar e mel. Ainda quentes, costumavam ser a tentação da criançada, que tentava sempre surripiar um pouco, para satisfação da sua gulodice.  
Quando secos, os cuscos transmontanos cozinham-se de forma semelhante ao arroz e associados aos produtos locais, como os enchidos ou os cogumelos silvestres. Também se preparam cuscos doces, cozidos em  leite e enfeitados com canela, numa receita idêntica à do arroz-doce sem ovos.
Versáteis na adaptação aos produtos e ao receituário da região e de sabor inimitável, os cuscos sobreviveram em Trás-os-Montes durante séculos. Hoje são, para muitos, surpresas que descobrem nas feiras e nos mercados locais ou nas mesas hospitaleiras dos transmontanos. Produto antigo mas inteiramente actual, os cuscos avivam memórias para uma história a refazer, para uma actividade tradicional a renovar.
Receita 
Ingredientes:
5 kg de farinha de trigo barbela «tipo 65»
Água morna q.b.
Sal grosso q.b.
Acessórios:
Uma cuscuzeira, um pote de ferro, uma «criva» (peneira com fundo de fios de arame), um «crivo» (peneira com fundo de metal perfurado), um pano de linho e um lençol.
Confecção:
Coloca-se a farinha na masseira do pão e espalha-se.
Ao lado, tem-se um recipiente com água morna bem temperada de sal e, com a ajuda de uma vassourinha de fibras vegetais (erva da linhaça ou, popularmente, «mata-pulga»), começa a salpicar-se a farinha. Nesta fase, chamada «molhar os cuscos», deve ter-se o cuidado de não exagerar na quantidade de água, pois se a farinha empapar torna-se impossível fazer os cuscos. Salpica-se 3 ou 4 vezes e gira-se a farinha com ambas as mãos, em gestos suaves, sem a calcar. Repete-se esta operação de «torcer os cuscos» até toda a farinha apresentar um aspecto granulado.
Passam-se os cuscos por uma «criva», girando-a energicamente, sempre para o mesmo lado. No final, ajuda-se com uma das mãos. Os grãos demasiado finos voltam a molhar-se e a «torcer-se».
Depois deixam-se repousar durante um quarto de hora e repete-se a operação de «torcer». Volta a peneirar-se, agora num «crivo», procedendo como na passagem pela «criva». Os grãos tornam-se mais homogéneos.
Espalham-se os cuscos sobre um pano limpo e sem odores e põem-se a secar (cerca de duas horas se for colocado ao sol e uma noite se ficar dentro de casa).
Quando secos, submetem-se a uma pré-cozedura a vapor. Para começar, coloca-se um pote de ferro ao lume com água e introduz-se a cuscuzeira, um recipiente de lata em forma de balde com o fundo perfurado (atenção: a água não deve tocar no fundo da cuscuzeira). Faz-se uma massa com farinha e água e, com a ajuda de uma espátula, aplica-se na junção entre o pote e a cuscuzeira, para evitar a perda de calor. Quando a água começar a ferver, introduzem-se os cuscos envolvidos num pano de linho limpo e cobrem-se com um prato de esmalte (se a cuscuzeira ficar muito cheia, os cuscos não cozem bem, pelo que é preferível dividi-los em várias porções e cozer uma de cada vez).
Deixam-se os cuscos ao vapor durante cerca de um quarto de hora – sabe-se que a cozedura está terminada quando começa a sair vapor pela cuscuzeira.
Retira-se o pano e voltam a colocar-se os cuscos na masseira. Nesta fase, os cuscos chamam-se «carola» e já podem comer-se, ao natural ou polvilhados com açúcar ou mel e canela.
Se quiserem secar-se, devem ser «torcidos» de novo, para se separarem todos os grãos. Depois voltam a dispor-se sobre um lençol, até estarem bem secos, pois de contrário ganham bolor. 
Tradicionalmente guardavam-se em saquinhos de pano, que se armazenavam em locais secos. Hoje há quem prefira os sacos de plástico e a arca frigorífica.
 Na altura de se cozinharem, usam-se como o arroz ou a massa. Para se prepararem cuscos com cogumelos ou enchidos, faz-se primeiro um refogado com cebola e o ingrediente escolhido, junta-se água, tempera-se com uma pitada de sal e quando começar a ferver deitam-se os cuscos, que cozem durante uns minutos.

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