quinta-feira, 17 de setembro de 2015

No Ciclo do Feno - O Outono


Por último, depois da segada do feno com a gadanha, da acarrêja para o palheiro e do empalheirar do feno a que nós em crianças estávamos atentos e participativos, havia todo um tempo que o lameiro era um apoio para pasto ou para outono.
Por isso, vamos tentar fechar o ciclo do feno e do lameiro como sustento. Porque um lameiro era uma sorte que se pagava bem e bem apetecida, para sustento da cria e do gado.
Cria era o gado graúdo: os bois, os cavalos, os machos e as mulas e as burradas. Burradas pode ser uma parelha ou um conjunto de burros. Os machos e as mulas são inférteis, sejam eles egueiros ou burreiros, não inseminam, nem criam, embora copulem. Diz o povo que machos e mulas são amaldiçoados. Os primeiros, mais corpulentos, resultam do cruzamento ou acasalamento da égua com burro. Os segundos, mais baixos e rijos para o trabalho, os burreiros, provêm da cobrição de um cavalo a uma burra. O gado, para os lavradores e pastores, eram as ovelhas ou as cabras (estas mais raras).
Depois do feno segado, seco e ajuntado, todo o lameiro era engaçado, como quem diz, penteado com o engaço, à procura das repas de feno que ficavam no restolho do terrão, porque toda a beta que se juntasse fazia jeito ao sustento da cria.
A seguir, viam-se os picanços repimpados na ponta dos escrambunheiros, freixos ou carvalhos, atentos ao saltar ou bulir dos insectos, desalojados do seu meio natural. E, aí vão eles em voo picado, regressando com o cibaco para os filhotes já em canudos ou ainda encourachos, mas com uma grande goela e os tenros bicos amarelados bem abertos, prontos a larparem tudo o que os pais lhe chegavam. Também as raposas procuravam no restrolho do feno do lameiro os saltões e os ratos para servirem de parva ou de merenda ligeira, já que Maio é o mês da fome.
Se o terrão estava ressequido o restolho do feno adormecia até às primeiras chuvas do Outono. Mas, se estava mimoso e assoado deixava despontar dos toros do feno uns rebentos herbáceos que, a pouco e pouco, iam cobrindo o lameiro de um mimoso e apetecido tapete verdejante. É só esperar que cresça uns dois palmos para se segar à seitoura ou à gadanha o outono para a cria. O que costumava acontecer no mês de Setembro. Lameiros havia que, depois de segado o feno, ainda dava duas andadas de outono. Estes lameiros, bastante raros, valiam muito mais que os demais.
A erva, principalmente a milhã e outra de terrenos lamacentos, crescia no restrolho do feno e os coelhos e lebres não se faziam rogados. Bastava o cair do sol e um silêncio ensurdecedor para eles saltarem para a merenda ou ceia, muitas vezes ao luar. Por perto havia sempre a pala duma fraga, o cano duma parede, um buraco, uma toca, ou um bardo de silvas onde se refugiarem sempre que eram importunados ou surpreendidos pelos lavradores, pastores e os seus cães.
O lameiro segado pelo final do mês de Maio ou início de Junho, podia ser destinado a pasto da cria ou do gado ou a dar outono. O pasto que fosse para o gado não podia, também, em simultâneo, ser para a cria. Principalmente, os bois não gostam de pastar em prado derroído pelo gado.
Quando entrava Outubro, ou ainda nos últimos dias de Setembro, os bois deixavam o lameiro porque, na década de cinquenta do século XX, a faina da sementeira era longa, não havendo palmo de terra que não fosse semeado (os mais pobres de Contins vinham cavar as fragas da Ponde da Formigosa ao sacho). Toda a sementeira do trigo, do centeio e das forragens (cevada e aveia) tinha que ser feita, espalhando com mão firme o adubo e o grão, embelga a embelga e depois acoberto ou acobilhado pela charrua ou arado.
Assim, o lameiro, pelo menos a partir desta época era mais para pasto das ovelhas, próprias ou de outrem. Neste último caso era negociado um valor. Por exemplo, tinha de dar um cordeiro de tantos quilos para a Páscoa ou para a festa da aldeia. Podia ser complementada com uma ou mais arrobas de lã e queijos. Às vezes, em vez de ceder tantos quilos de queijo, o lavrador, dono do pasto, tinha dreito a tantos dias de leite na Primavera e, até ao acancelamento do gado para produzir estrume.
Era espantosa a economia de troca directa das nossas aldeias! Mas, nada se perdia. O Estado era visto mais como o parasita ou o ladrão que apenas tentava tirar algum dinheiro ao agricultor e só quando chegaram os apoios pecuniários à agricultura e pecuária, a par da pequena pensão instituída pelo Marcelo Caetano aos idosos, se passou a ter uma ideia mais positiva da intervenção do Estado.
O ciclo do feno fechava-se, no início de Janeiro, como um aro anual de tempo, ficando, a partir daqui, o gado interdito de entrar no lameiro. Tinha que se deixar crescer a erva para feno e a Primavera podia vir seca. 
Diz o provérbio: - Em Fevereiro, rego cheio. Até Maio, as águas dos ribeiros, dos regos de auga, as nascentes e fontelas regavam o terrão do lameiro à manta.

Por: Jorge Lage

in:jornal.netbila.net

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