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SOBRE O BLOG: Bragança, o seu Distrito e o Nordeste Transmontano são o mote para este espaço. A Bragança dos nossos Pais, a Nossa Bragança, a dos Nossos Filhos e a dos Nossos Netos..., a Nossa Memória, as Nossas Tertúlias, as Nossas Brincadeiras, os Nossos Anseios, os Nossos Sonhos, as Nossas Realidades... As Saudades aumentam com o passar do tempo e o que não é partilhado, morre só... Traz Outro Amigo Também...
(Henrique Martins)

COLABORADORES LITERÁRIOS

COLABORADORES LITERÁRIOS
COLABORADORES LITERÁRIOS: Paula Freire, Amaro Mendonça, António Carlos Santos, António Torrão, Fernando Calado, Conceição Marques, Humberto Silva, Silvino Potêncio, António Orlando dos Santos, José Mário Leite. Maria dos Reis Gomes, Manuel Eduardo Pires, António Pires, Luís Abel Carvalho, Carlos Pires, Ernesto Rodrigues, César Urbino Rodrigues e João Cameira.
N.B. As opiniões expressas nos artigos de opinião dos Colaboradores do Blog, apenas vinculam os respetivos autores.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um inverno - 1º de janeiro


"Anda, vamos ao forno ver se o leitão e carne já estão assados. As pessoas já devem estar a chegar." Levantei-me de um pulo e segui-a. Tinha muita curiosidade em ver o famoso forno da tia Engrácia que tantas vezes a minha mãe havia referido no Brasil.
Depressa alcancei Isaura que já estava à porta do forno a chamar "Ó Engrácia?" "Uuuuuuh! Entra!" Empurrámos a porta rústica, muito rústica, que não tinha chave, apenas existia um trinco de madeira que encaixava numa reentrância aberta na própria madeira da ombreira.
A escuridão invadiu-me. Não imaginava que pudesse ser tão escuro um local onde se fazia pão tão alvo. Aos poucos fui-me habituando e consegui distinguir o verdadeiro forno onde um belo braseiro aquecia o ambiente. Um cheiro muito agradável desprendia-se dos vários tabuleiros que se encontravam dentro do forno. Nossos, eram apenas dois.
"Então, o que achas? Parece que nunca tinhas visto um forno, rapariga! Tantas vezes aqui entraste quando eras pequenina, ao colo da tua mãe!" "Não me lembro de nada tia Engrácia, nadinha!" "É natural, filha. Estava a brincar."
"Esta rapariga levantou-se com os azeites hoje. Agora já lhe estão a passar..." Olhou para mim e sorriu, ao mesmo tempo que falava com a tia Engrácia.
"Então, o que foi que te fizeram? Aposto que foi o teu avô!" "Não foi nada, só tenho saudades do Brasil e as coisas aqui são muito diferentes." "Ah pois são!" "Nunca tinha visto as pessoas irem prá cama antes da meia noite na passagem de ano. Senti muitas saudades dos meus irmãos, dos meus pais, enfim, de todos...Hei-de habituar-me aos poucos..."
A tristeza, que se havia afastado ligeiramente, voltou triste. Não era situação que me agradasse e tentei afastá-la. Insistente, recalcitrante, continuava comigo.
"Ó Isaura! Anda cá depressa." Chamou a minha avó da varanda. A minha tia saiu e foi ver o que se passava. Fiquei. Analisava "o forno" para recordar os relatos da minha mãe. Vi as masseiras, as pás, as vassouras para o varrer, as espátulas para cortar a massa, o lençol de linho para a embrulhar, os cobertores para a cobrir, todos muito bem dobrados dentro de uma canastra... tudo aquilo que a minha mãe nos contava. Não sabia os nomes dos utensílios mas reconhecia-os.
Fui, por alguns momentos, atenta observadora. "É muito escuro." Ouvi-me dizer. "Pois é, filha. Ainda não temos luz no Brito. Andam a falar que a vão por e até já se vê que andam a fazer umas medições. Vamos ver se não demoram muito..."
Entrou esbaforida e apressada com alguns panos na mão. "Já estão os nossos tabuleiros tia Engrácia?" "Já os vou tirar."
Com uma habilidade impressionante, retirou os tabuleiros e colocou-os numa mesa que ali havia. Peguei num pano e coloquei-o por cima do leitão que tinha um aspeto muito apetitoso. Agarrei noutros dois panos mais velhos e ajeitei-os de forma a pegar no tabuleiro e para não me queimar. A minha tia fez o mesmo com o outro e seguimos as duas para casa, não sem algum esforço.
No lar, sentadas nos escanos, estavam três pessoas. Deduzi que fossem os nossos convidados que eu não conhecia. Pousei o meu tabuleiro em cima do fogão e o outro foi colocado na bancada.
"Anda cá que te quero apresentar estas pessoas." Obedeci. "Este é o meu padrinho e tio, irmão da minha mãe. Esta é a minha prima Denérida. Esta é a Fernanda, minha amiga e colega de que já te falei."
A todos cumprimentei com delicadeza. A minha tia estava feliz e via-se que gostava muito daquelas pessoas. A minha avó Maria não tinha querido vir porquê não queria atrapalhar. Não me agradou deixá-la sozinha mas aceitei que não se sentisse bem com pessoas que não conhecia.
A mesa estava posta. O meu avô cortava as carnes e eu e a minha tia fazíamos as travessas. Sentámo-nos e desfrutámos de uma maravilhosa refeição.
O almoço acabou tarde. Levantámo-nos, avivámos a lareira com dois bons toros de oliveira e aproveitámos o calor reconfortante que emanava da lareira.
O padrinho da minha tia não falava muito. Observava. Era muito parecido com a minha avó, os mesmos olhos azuis, os mesmos traços que se repetiam em Denérida que falava muitíssimo, era sobrinha da minha avó, filha de uma sua irmã mais velha.
Fernanda, transbordava energia. Algo mais velha que Isaura, estava habituada a mandar e mandava. Entravam em conflito frequentemente porquê ambas, embora não tivessem laços familiares de nenhuma ordem, tinham personalidades semelhantes.
Ali estava um bom exercício para me afastar das minhas tristezas. Aproveitei a oportunidade e alheie-me tentando entender o que diziam. Continuava a ser difícil, já que me parecia que os portugueses falavam depressa demais.
Por volta das cinco despediram-se. A Fernanda encarregar-se-ia de os deixar em suas casas.
Anoitecia. O gelo tomava o seu lugar na noite, dependurando-se dos beirais, vestindo a nudez das árvores, esculpindo efémeras esculturas nas margens do rio e nas pequenas cascatas do ribeiro que corria célere como se quisesse escapar do artista que insistia em enfeitá-lo de translúcidas imagens.
Era inverno, sentia-o na alma que acordara fria.


Mara Cepeda
in:nordestecomcarinho.blogspot.com

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