sábado, 21 de abril de 2012
A melhor bússola do Mundo
Orientação é uma palavra-chave para todos os viajantes, mas neste domínio quem mais impressiona são as aves. Capazes de percorrer milhares de quilómetros de forma orientada, têm suscitado muitas questões ainda por responder.
As aves reúnem indubitavelmente um conjunto de características que têm desde sempre cativado a imaginação dos Homens. Destas características destacam-se duas: a mestria do voo e a capacidade de orientação. A conjunção destas duas permite às aves efectuarem longas migrações anuais, regressando ano após ano ao mesmo local. Mesmo muito antes de se conhecerem os mecanismos de orientação das aves, já os Homens tiravam partido desta capacidade. A utilização de pombos correios para transmissão de mensagens era já uma prática corrente na Roma antiga.
Esta capacidade de orientação tão fina não é, no entanto, exclusiva das aves. Também alguns peixes conseguem após vários anos no mar, regressar ao exacto regato onde nasceram. Por sua vez, os Homens desde cedo encontraram na orientação um desafio fundamental, quando das suas viagens por terra ou mar. Alguns povos, bastante virados para a vida no mar, como os Vikings, ou os Maori do Pacífico Sul, desenvolveram um conhecimento bastante apurado dos astros celestes que lhes permitia navegar com alguma segurança sem terra à vista. Os povos nómadas do deserto associaram ainda a este conhecimento um mapa mental riquíssimo da paisagem em constante mudança que os rodeava. Mais tarde, durante os Descobrimentos e para fazer frente ás dificuldades de viagens de maior dimensão, os Homens desenvolveram e aperfeiçoaram instrumentos de navegação, como a bússola, o sextante ou o astrolábio, sendo este último inventado por Portugueses. Com a ajuda destes instrumentos foram-se aperfeiçoando mapas, mas mesmo assim os erros de navegação eram frequentes. Cristovão Colombo acabou por morrer convencido que encontrara efectivamente o caminho marítimo para a Índia, quando afinal tinha chegado às Caraíbas.
Desde esta época até aos nossos dias, os sistemas de navegação evoluíram muito. Actualmente, existem sistemas de posicionamento global por satélite (GPS) cujo rigor é quase absoluto. O desenvolvimento destas tecnologias é o produto de uma longa caminhada e não deixa de ser irónico que mesmo assim a fiabilidade destes dispositivos seja por vezes inferior às capacidades naturais de outros animais, que ao longo de milhões de anos têm cruzado os céus e oceanos do planeta.
Para compreender a complexidade dos mecanismos de orientação das aves foram necessários muitos anos. Efectivamente, uma das primeiras dificuldades consistiu em apurar se as aves que voltavam ano após ano ao mesmo local eram de facto os mesmos indivíduos, ou apenas outros da mesma espécie. Em 1803, Audubon marcou a pata de um pequeno passerifome (Sayornis phoebe) com uma fita de seda e constatou que este regressou na Primavera seguinte ao mesmo local. Esta foi, provavelmente, uma das primeiras aves "anilhadas" da história e o princípio de uma série de experiências que conduziram ao ainda escasso conhecimento de que hoje dispomos nesta área.
Durante anos pensou-se que as aves possuíam um super sentido que lhes permita orientarem-se nas condições mais adversas. Actualmente sabemos que o que efectivamente possuem é a conjunção de uma série de sentidos apurados, que em alternativa ou em conjugação lhes permite, por exemplo, encontrar uma mesma árvore no meio de uma floresta, após um ano de ausência e milhares de quilómetros de viagem.
Apesar das aves possuírem sentidos específicos para a orientação, é pela visão que se guiam na maior parte das vezes. Naturalmente que esse tipo de navegação exige não só um conhecimento prévio do local, como também condições climatéricas favoráveis. De uma forma geral, as aves migradoras procuram seguir a linha de costa, ou cursos de água que lhes sejam familiares. A uma escala mais reduzida, quando se aproximam do destino, o reconhecimento visual da paisagem parece ser também preponderante para encontrar o local onde nidificaram no ano anterior. Também a navegação apoiada na posição do Sol, ou das demais estrelas e planetas, depende da visão. Para além disso, para que a posição do Sol possa revelar efectivamente uma direcção é necessário saber em que hora do dia nos encontramos. Experiências feitas em cativeiro revelam que as aves podem compensar o movimento aparente do Sol, com uma percepção exacta do ciclo circadeano. Uma outra experiência levada a cabo na Antárctida, com Pinguins de Adélia que foram transportados para o interior do continente, provou que em dias encobertos os pinguins se deslocavam ao acaso e em dias de sol na direcção correcta, corrigindo a sua rota em 15º graus por hora em relação à posição do Sol. Frequentemente o disco solar está encoberto por nuvens mas, mesmo assim, desde que haja uma parte do céu visível é possível para as aves, através da polarização dos raios solares na atmosfera, prever a posição do Sol. A navegação apoiada nas estrelas é aparentemente mais simples, uma vez que alguns astros, como é o caso da Estrela Polar no hemisfério Norte, se mantêm ao longo da noite com a mesma orientação. Mesmo assim, verificou-se através de experiências feitas em planetários que diferentes espécies ou indivíduos se apoiam em diferentes estrelas ou constelações.
Estas estratégias de navegação estão fortemente apoiadas na visão. No entanto algumas experiências efectuadas com pombos correios, demonstraram que após uma viagem de 170 Km eram capazes de encontrar o seu destino, mesmo com lentes de contacto que não lhes permitiam ver para além de 3 metros.
A explicação para este facto pode estar na sensibilidade das aves para o Geomagnetismo, ou seja, a mesma força que atrai as agulhas das bússolas para o Norte. Durante as tempestades solares, quando existem perturbações no magnetismo da Terra, verificam-se padrões aberrantes de migração. Também algumas experiências revelaram que pombos com campos magnéticos criados artificialmente em redor do seu pescoço não conseguiam em dias encobertos encontrar o seu destino.
Também o olfacto e a audição, embora não sendo sentidos muito apurados pelas aves, podem em alguns casos desempenhar um importante papel na sua orientação. Algumas aves marinhas desenvolveram um olfacto apurado que lhes permite encontrar o ninho durante a noite e recentemente descobriu-se que as aves são sensíveis a ruídos de baixa frequência, como o barulho das ondas, e suspeita-se que esta possa também ser igualmente uma ajuda importante.
A aprendizagem tem um papel fundamental na potenciação destes sentidos inatos. São geralmente aves mais velhas e experientes que lideram os bandos durante as migrações. Numa experiência foram deslocadas centenas de estorninhos, durante a sua migração da Escandinávia para o Reino Unido. Foram trazidos da Holanda para a Suíça e quando libertados, os adultos corrigiram a sua rota e prosseguiram em direcção ao Reino Unido. Os jovens mantiveram a orientação da rota inicial e terminaram em Espanha.
Os dados que se obtiveram com toda a investigação levada a cabo nas últimas décadas ajudaram a compreender os mecanismos de navegação das aves, mas efectivamente o que elas fazem vai muito mais além. Vejamos o caso de uma Pardela que, nos anos cinquenta, foi deslocada da sua toca numa ilha ao largo do País de Gales para ser libertada a quase 5000 quilómetros do outro lado do Atlântico, perto de Boston. Em apenas 12 dias regressou para a sua toca, tendo inclusivamente chegado antes da carta que os investigadores tinham enviado para o Reino Unido a avisar da libertação da dita ave. Para fazer este percurso foi necessário, para além de conhecer o local do seu ninho e a orientação dos pontos cardeais, conhecer a localização exacta do ponto de partida.
O mecanismo pelo qual algumas espécies de aves conseguem localizar com exactidão o ponto do globo em que se encontram, mesmo que nunca lá tenham estado, permanece ainda obscuro. Apesar do rigor e precisão da capacidade de localização e navegação de algumas aves, dos biliões que anualmente migram algumas acabam por se perder. Todos os anos, por exemplo, a Europa é visitada por migradores Neárticos que se afastam das suas rotas no continente americano. Mesmo assim, destas a maioria são aves juvenis ou imaturas e por isso menos experientes.
A dificuldade do Homem em apreender conceitos que não podem ser experimentados pelos seus 5 sentidos lança um enorme desafio aos investigadores, que incessantemente procuram respostas para este enigma.
in:naturlink.sapo.pt
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