quinta-feira, 24 de maio de 2012
Bragança: Novas estradas roubam clientes e deixam fruta nas árvores para os pássaros
As novas estradas transmontanas roubaram os clientes a pequenos produtores que durante anos viveram do negócio da beira da estrada e que agora temem ter de deixar fruta e outros produtos a apodrecer nas árvores e na terra.
A estrada nacional 102, que atravessa o distrito de Bragança, era o ponto de venda direta aos automobilistas que paravam para se abastecer junto a caixas repletas de produtos agrícolas.
Desde Bornes, em Macedo de Cavaleiros, até ao fértil Vale da Vilariça, há de tudo, a começar pela cereja que abre a época, no mês de maio, ao figo, pêssego, melão, melancia, favas, pera ou frutos secos.
O que falta agora é quem compre, porque o IP2 desviou o trânsito e os clientes e são poucos os que insistem na sinuosa 102 em vez da nova via rápida.
Estas são as primeiras vendas depois da abertura da nova estrada e Fernanda Gomes já sentiu os efeitos. "Nem uma alma", nem um quilo de cereja conseguiu vender à porta de casa, em Bornes, na berma da nacional 102.
Quando vê aproximar um carro ainda pergunta à vizinha Joaquina Rodrigues "a quanto se deve vender?", mas nem tempo tem para fazer o preço do quilo e já é tomada pela desilusão. É que agora só passa ali quem é obrigado e os que passam também eles têm cereja e outros produtos que não conseguem vender.
Um conhecido para o automóvel do outro lado da estrada e manda em jeito de provocação: "a quanto é que está a cereja?". Ambos sabem que raramente vão voltar a ouvir a pergunta dos automobilistas.
A nova estrada é um dilema para estas gentes. Era aguardada há décadas, junto com outras, como o IC5, que também está pronto, e que aproximaram estas gentes de tudo. Para levar a mãe ao médico, Joaquina demora agora "cinco minutinhos". Agrada-lhe também poder "andar mais à vontade", sem o movimento e a velocidade do trânsito que ainda há meses atravessava a aldeia.
Já para Fernanda ficou "tudo mais triste".
"Esta é uma aldeia muito rica: temos azeitona, castanha, cereja, só que não há gente", observam, nem para comprar, nem para trabalhar porque "está tudo velho".
A maior parte destes vendedores são reformados que conseguiam um rendimento suplementar.
"Aqui vendia-se muita coisa", garantiu à Lusa Manuela Herdeira, que chegou a ter clientes à espera enquanto colhia mais fruta nos cerdeiros e agora não vende nada e não compreende o apelo nacional ao regresso à agricultura.
"Como é que se pode regressar à agricultura se ninguém procura nada", questiona-se esta mulher, que até fica "doente" de pensar que vai ter de deixar as cerejas nas árvores para os pássaros.
É este o futuro que vaticinam para a cereja e outros produtos que vão acabar por cair de podres das árvores ou apodrecer na terra, numa altura em que a situação do país faz lembrar os tempos difíceis de necessidade, que Manuela e outras companheiras de conversa, como Maria Herdeira e Valentina Coropos, passaram.
"Quando éramos pequenas, queríamos comê-las (cerejas) e não tínhamos. A gente passava por um cerdeiro e até cegava".
Agora dão e sobra de tudo e estas mulheres perguntam porque é que alguém não cria "para aí uma fábrica que recolha isto tudo".
A nova estrada volta à conversa para se queixaram dos terrenos que perderam e dos preços que lhes pagaram.
Manuela anima-se com a surpresa do dia: o único cliente da manhã regressou. Manuel Novo, de Torre de Moncorvo, foi ver os filhos a Bragança e levou-lhes cerejas. No regresso, voltou a parar em Bornes para comprar mais.
É cliente habitual deste comércio e mesmo com os elogios à nova estrada não deixou de fazer o desvio inverso da maioria. Manuel reconhece que a nova via prejudica este comércio e outros locais, como os restaurantes e cafés.
Manuela despachou uma caixa de cereja e ganhou os primeiros dez euros da tarde.
HFI.
Lusa
Concerteza que é uma inevitabilidade e sempre assim foi. As grandes vias acabam sempre por desviarem-nos dos trajetos tradicionais, prejudicando quem vivia de negócios sustentados pelos passantes.
ResponderEliminarCada terra tem de encontrar motivos para fazer com que nos desviemos do eixo principal para ir ao encontro daquilo que gostamos.
O exemplo da Bairrada é um caso desses. Grande parte das pessoas desviam da A1 para lá irem comer o leitão à Bairrada.
Também passa por outras formas de organização dos nossos agricultores. O associativismo, promovendo e colocando os produtos nos grandes centros.
A evolução da humanidade sempre se fez, criando actividades novas e matando outras.
Os transportes acabaram com as antigas diligências.
A indústria têxtil, acabou com o artesão..... e por aí fora.