terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A vida de Natália


Natália não guarda boas recordações da sua infância. Quase tudo foi doloroso. Não que não tivesse uma mãe presente. Tinha-a, meia sem jeito para fazer carinhos, mal preparada pela vida para desempenhar o papel, cumpria-o, no entanto, com desvelo e preocupação. Encarregava-se de suprir o sustento da filha e dos sobrinhos o melhor que podia e sabia.
Natália não passava muitas fomes. Não. No entanto, tendo sido bafejada por uma inteligência acima da média, apercebia-se das coisas mais facilmente e com maior intensidade do que a maioria das outras pessoas.
O que, aparentemente, seria um benefício, transformava-se-lhe, às vezes, num pesadelo. Tentava, de todas as maneiras, não entender o que se passava à sua volta, mas não conseguia. 
Revoltava-se com a mãe, com os vizinhos, com os primos, com a pobreza extrema em que se vivia naquela sua miserável aldeia. 
Ali nascera, zorra. Ali tivera de sentir todos os olhares velados e as conversas camufladas quando passava. 
O pai, que ela detestava por não a ter perfilhado, todo se comprazia de dizer aos quatro ventos que ela era sua filha. Exibia-a como se de um troféu se tratasse. 
Com as parcas posses da mãe, vestia em dias nomeados, um simples vestido de chita. Brilhava. Queria morrer quando ouvia o pai, estridentemente, gritar que fora ele que lho comprara. Nunca soube o que fosse receber algo do progenitor. Doía-lhe aquela presunção que muito a envergonhava. 
Sabia que era bonita. A mais bonita da aldeia e de todas as outras em redor. Ninguém contestava a sua beleza tão fustigada pelos rigores dos invernos e pelo calor inclemente dos verões transmontanos. Nela, não se notavam. 
A pele continua branca e pura, mesmo quando, afogueada dos muitos trabalhos do campo, regressava a casa, exausta. O corpo, perfeito e proporcional, fazia suspirar muitos corações. Os cabelos, negros como azeviche, brilhavam como se nele morasse uma constelação de estrelas. As mãos, sacrificadas, mantinham a pureza de uma dama nunca tisnada pelos sóis de março.
Quando ela passava, só ou em alegre chilreada, na companhia das outras raparigas da aldeia, com o cesto da roupa à cabeça, em direção ao rigueiro, o sol perdia o seu brilho e concentrava nela a sua intensidade.
Aquela sua aura de tristeza, tornava-a inatingível. Ninguém se atrevia a faltar-lhe ao respeito. Ninguém lhe dirigia uma palavra mais rude. Muitos rapazes morriam de amores por ela e ela morria de amor por um, apenas.
Por todas as razões, exigia de si, ser um exemplo para todos. Conseguia sê-lo e, embora as suas noites fossem tormentosas, repletas de pesadelos e desgostos, nunca se lhe notava. A todos sorria e ajudava. A todos encantava com a sua capacidade inata de encantar.

(Continua...)

Maria Videira (Mara Cepeda)
in:nordestecomcarinho.blogspot.pt

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