domingo, 19 de julho de 2015

O Divino Pobrezinho ou o Lavrador da Arada


Vindo um lavrador da arada, 
Encontrou um pobrezinho. 
O pobrezinho lhe disse: 
- Leva-me no teu carrinho. 
Apeou-se o lavrador 
E no seu carro o metia, 
Levou-o pra sua casa, 
Prà melhor sala seria. 
Mandou-lhe fazer a cama 
Da melhor roupa que havia: 
Por cima, damasco roxo; 
Por baixo, cambraia fina. 
Mandou-lhe fazer a ceia 
Do melhor manjar que tinha. 
Sentou-o à sua mesa, 
Mas o pobre não comia. 
As lágrimas eram tantas 
Que pela mesa corriam, 
Os suspiros tão profundos 
Que até a mesa tremia. 
Deitou-o na sua cama, 
Mas o pobre não dormia. 
Lá pela noite adiante, 
O pobrezinho gemia. 
Levantou-se o lavrador, 
Foi ver o que ele teria. 
Deu-lhe o coração um baque, 
E como não ficaria! 
Achou-o crucificado 
Numa cruz de prata fina. 
- Ó meu Jesus, se eu soubera 
Que em minha casa Vos tinha, 
Mandara fazer preparos 
Do melhor que encontraria. 
- Cala-te lá, lavrador, 
Não fales com fantasia. 
No céu te tenho guardada 
Cadeira de prata fina, 
Tua mulher a teu lado, 
Que também o merecia. 

(*) In ROMANCEIRO - LITERATURA POPULAR DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO (5 vol) - Joaquim Alves Ferreira

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