segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A Sociedade de Bragança em 1721


Não nos é possível, através das Memórias de Bragança, captar a estrutura social deste burgo por 1721-1722, a qual não seria muito diferente da que se registava nas outras cidades e vilas do interior com média dimensão, no Portugal do Antigo Regime.
O que podemos é verificar que Cardoso Borges conferiu uma supremacia esmagadora à nobreza, que tratou de forma rigorosa e minuciosa, já que, ele próprio, pertencia à mesma, dando assim pouco relevo ao clero e nenhuma importância às classes populares.
Nobreza
As Memórias de Cardoso Borges têm, no que diz respeito às famílias nobres de Bragança e da região, um dos elementos mais valiosos e distintivos quanto comparada com outras memórias ou notícias da época. Com efeito, os cargos de escrivão da Câmara e de sargento-mor de Bragança, o facto de ser fidalgo da Casa Real, o exercício de funções junto a uma das principais instituições religiosas da cidade deram a José Cardoso Borges um amplo conhecimento da documentação da cidade e da região, quer oficial quer privada, o que lhe permitiu traçar com segurança muitas das genealogias que apresenta, nomeadamente quanto aos diferentes morgadios existentes na cidade e no seu entorno, não fora ele e a sua mulher os instituidores do último morgadio que refere.
Não nos alongaremos demasiado sobre este tema, profundamente tratado por Francisco Manuel Alves e outros genealogistas que, de Cardoso Borges, citando-o ou não, retiraram muitas das informações relativas às famílias nobres e enobrecidas de Bragança e sua região.
Cardoso Borges começa por chamar a atenção para o facto de a cidade ter “muitas casas nobres” que conservou “em todo o tempo”, desde os primeiros reis de Portugal, sendo alguns “da primeira nobreza do Reino”.
É muito interessante, quanto aos senhores de Bragança da Alta Idade Média, ou seja, os Braganções, a forma como Borges articula uma suposta tradição sobre a origem da família e a sua vinculação à região, transmitida oralmente pelas aldeias circunvizinhas de Bragança, nomeadamente em Castro de Avelãs, com as informações veiculadas pelo Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, que assim confere àquela tradição os foros da veracidade. Destaque-se, a este propósito, o facto de Cardoso Borges citar o referido nobiliário não só pelas referências contidas na Monarquia Lusitana, mas também pela primeira edição impressa da mesma fonte, de 1641, levada a cabo por João Baptista Lavanha, em Madrid, e que durante quase um século serviu os genealogistas ibéricos. Prova clara, por outro lado, de que à data da elaboração da Descrição, ainda António Caetano de Sousa, ilustre membro da Academia Real da História e confrade de José Cardoso Borges, não tinha publicado a História Genealógica da Casa Real Portuguesa, onde, nas respectivas Provas, seria pela primeira vez editado em Portugal aquele importante nobiliário.
Para além de Lavanha ou dos Brandões da Monarquia Lusitana, são igualmente citados autores que eram então considerados autoridades, como Lope de Haro, autor de um bem conhecido Nobiliario Genealógico de las Casas Ilustres de los Reyes de España (1620), ou a Nobiliarquia Portuguesa (1676), de Villas-Boas e Sampaio, o que revela a preocupação do rigor erudito que Borges impôs ao seu trabalho.
É verdade que também incorreu em alguns deslizes típicos dos genealogistas dos séculos XVII e XVIII: considerava o nome Mendes como um apelido e não como um patronímico, e originário em Fernão Mendes de Bragança, aceitando ingenuamente que alguns indivíduos Mendes documentados para os séculos XIV e XV estavam ligados àquele; a proposta que faz para a origem dos Ferreiras de Moncorvo; ou a cronologia que aceita para a origem da Heráldica. Mas não se pode negar a preocupação de José Cardoso Borges em utilizar documentação de arquivo, que indiscutivelmente sobrepõe em importância às informações de tradição oral ou genealógica.
Neste sentido, a sua obra contém inúmeras referências a documentos desde então perdidos, que se preocupou em transcrever, pelo menos em parte, e que são ainda hoje informações importantes para os historiadores.
Clero
Se em primeiro lugar nos surge a nobreza, em segundo lugar, mas bem afastado da primeira classe ou ordem, vem o clero.
Neste grupo social, Cardoso Borges praticamente ignora o clero secular, o que se compreende, uma vez que ele tinha conhecimento dos inquéritos da Academia que se destinavam às paróquias da diocese de Miranda do Douro. Não indica os nomes do vigário do arciprestado de Bragança, do abade da freguesia de São João Baptista de Bragança, ou de quaisquer outros presbíteros.
Refere, sim, os nomes dos priores da Colegiada de Santa Maria do Sardão (a freguesia mais antiga da cidade), desde 1579, e dos restantes beneficiados desta, em 1721-1722. E menciona que a irmandade de São Pedro, uma das cinco irmandades da Igreja de Santa Maria, era constituída por sacerdotes.
Em compensação, dá-nos uma informação rigorosa quanto ao clero regular da cidade, distribuído por quatro casas, duas para frades e duas para freiras.
O Convento de São Francisco, o único de origem medieval (século XIII), tinha 25 religiosos. O Colégio dos Jesuítas ou Companhia de Jesus, do século XVI, com 16 religiosos, os quais garantiam as quatro classes de alunos, teologia moral, duas de latim e uma de escola propriamente dita, e dispunha de livraria própria.
O Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição, das Clarissas, ou Ordem de Santa Clara, de origem quinhentista, com 120 religiosas de véu preto, duas de véu branco, oito noviças e seis educandas. Tinha como padroeira a Câmara de Bragança e, por carta régia de 1715, passou a estar reservado apenas para as filhas e netas de bragançanos, sem exceção.
Finalmente, o Mosteiro de Santa Escolástica das beneditinas, do século XVI, com 140 professoras, quatro conversas e 11 noviças.
Ou seja, até 1560, Bragança registou apenas um convento de religiosos, para fundar em 30 anos (1560-1590) mais três casas de clero regular. Por 1721, o número de membros dos quatro conventos e mosteiros, professando a vida religiosa ou preparando-se para a mesma, era de 332.
Povo
Em terceiro lugar, praticamente ausente das Notícias de Cardoso Borges, temos o povo, uma entidade que o nosso memorialista designa por “moradores”, “particulares”, “vulgo”, “fogos”, “vizinhos”, “povos” e “povo” propriamente dito. Sobre o povo, apenas um ou outro costume, com particular relevo para as “danças e folias” praticadas em dias de festa.
Os mesteres apenas são referenciados a propósito da obrigação de se incorporarem nas procissões.
A burguesia de negócios, os letrados a não ser que pertençam à nobreza, lavradores, jornaleiros, oficiais mecânicos ou trabalhadores vilãos, não existem na Bragança de Cardoso Borges, apesar de, nessa época, trabalharem na cidade numerosos fabricantes e torcedores de seda, tintureiros, moleiros e artistas de outras profissões.

in: Memórias de Bragança
Publicação da C.M.B.

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