sábado, 23 de março de 2013
Máquina de escrever do Padre Fontes peça de museu e capa de livro
Acaba de ser editado o livro: 60 anos de Jornalismo de Causas e Casos, da autoria do Cor. A. Dias Vieira e do Jornalista João Pedro Miranda. Nas suas 256 páginas metade das quais fac-similiadas com recortes sobre o papel do jornalismo, como arma de combate, pelas grandes causas locais, regionais e nacionais e com comprovativos dessas causas que motivaram a abordagem na imprensa e dos efeitos que surtiram na vida prática da sociedade, sobressai o peso deste factor audiovisual que desde o tempo de Gutenberg mudou a face dos povos, através da denúncia dos erros humanos, das sugestões aos agentes políticos e da clarificação social.
Para capa dessa obra foi escolhida a foto da máquina com que o jornalista a quem esse livro se refere, escreveu nos primeiros anos, incluindo aqueles que passou em Angola. No regresso e antes de ser conhecido pelos congressos de medicina popular de Vilar de Perdizes, o Padre Lourenço Fontes iniciou-se no jornalismo e escreveu os diversos livros que o celebrizaram como autor da área do profano que essas manifestações provocaram. Além dos Usos e Costumes de Barroso em parceria com o signatário e com o amigo de ambos, Alberto Machado, já falecido, o actual Pároco de Vilar de Perdizes, fez a licenciatura em História, fundou e dirigiu o Notícias de Barroso, publicou boa meia dúzia de obras de índole antropológica, inspirou diversas teses de licenciatura e de mestrado e transpôs para o papel imensa informação religiosa, cultural e jornalística. Todo esse espólio deste Padre Barrosão, provavelmente o mais conhecido para além de Frei Bartolomeu dos Mártires que também andou ali pelas Terras de Barroso, quando no Concílio de Trento, defendeu o casamento dos padres, pelo menos para os Barrosões, foi escrito nesta máquina que comprou ao signatário por 1.250$00, quando este regressou de Angola.
Quando a Câmara Municipal de Montalegre fundou e escolheu um patrono para o Ecomuseu de Barroso, lembrou-se – e bem – deste Barrosão que ficará na História desta região fronteiriça. O ilustre patrono que teve a seu lado, o então ministro da Cultura, no dia da inauguração, entendeu oferecer ao «seu» Museu essa máquina que veio de Angola, devidamente acondicionada numa caixa de madeira. Só recentemente o Padre Fontes nos recordou esse episódio que para nós tem uma simbologia muito especial. Serviu-nos de escola de aprendizagem. Acompanhou-nos nas difíceis picadas entre o Grafanil, Cacuaco, Caxito, Pedra Verde, Quipiri, Quibaxe, Cova das Pacaças, Muncondo, Santa Eulália, Ambrizete, Mussera, (de novo em) Caxito, Mabubas, Grafanil, Vera Cruz, Lisboa, Montalegre. Permaneceu quase meio século nas mãos do último dono. Foi ela que deu visibilidade intelectual e científica às ideias, projectos e obras de um dos mais prestigiados agentes culturais da sua geração. Por isso e pelo significado desta peça de museu serve-me de tema a uma das minhas crónicas semanais, de preferência à abordagem de uma sátira política de que me tenho abstido, numa altura em que todos nós somos políticos desolados, enraivecidos sem vontade de defender, mesmo aqueles, a quem apoiámos ou pensamos apoiar. Nunca mais acreditarei na justiça distributiva, na equidade social, na palavra de honra. Jamais as palavras: «ladrão, gatuno, filho da mãe, mentiroso, sacana, aldrabão» e outros que as televisões mostram, as rádios repercutem e os jornais mencionam, podem constituir «crime», seja a que pretexto for. A regra do boleiro Pimenta Machado: «o que hoje é verdade, amanhã pode ser mentira», tem de integrar o conceito de cidadania democrática. Sou um descrente da política partidária. A única que me serve é aquela que bebi no leite materno, que aprendi na escola primária e que a universidade da vida prática me inoculou. Hoje prefiro falar de uma simples máquina de escrever carregada de história.
Li nalguns jornais desta última semana que durante a visita de Cavaco Silva a Trás-os-Montes e na passagem pelo Museu Raul de Sá Correio de Vila Flor, ofereceu a esse Museu Transmontano, a máquina de escrever que usou durante 40 anos e na qual escreveu os seus livros e alguns discursos políticos. Ainda há meia dúzia de semanas li um bonito texto do artista Teixeira Lopes, igualmente, sobre a sua máquina de escrever. É um conceito que vai desaparecer da retina das jovens gerações. Fazem hoje tudo nos mais diversificados meios informáticos. E alguns pretensos intelectuais do futuro, se calhar, não chegam a conhecer essas importantes ferramentas. É por isso que associo esta crónica à repentina invasão da cultura ligth, chegada com as novas oportunidades, com os cursilhos cor de rosa, com os porta-fólios, com os «créditos» da equivalência partidária, cozinhada à mesa de um restaurante, de um comício ou de arranjinho de conveniência duvidosa.
Barroso da Fonte
in:jornal.netbila.net
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