quarta-feira, 24 de abril de 2013

Adivinhas recolhidas pelo etnomusicólogo Michel Giacometti chegam ao digital


Ao todo são 233 as adivinhas guardadas em arquivos de papel, recolhidas nos anos 70 do século XX por Michel Giacometti. Agora, chegam ao digital numa iniciativa designada «Adivinhário da Tradição Oral». Um arquivo on-line que preserva este património oral e os registos do etnomusicólogo, deixando-os ao alcance de qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo.
Numa época em que a tecnologia pertencia à esfera dos filmes de ficção científica, os tempos livres eram ocupados, por exemplo, com adivinhas. As perguntas ambíguas, muitas vezes iniciadas com «qual é coisa, qual é ela», enquanto jogo, tinham uma função lúdica, ou seja, «a adivinha enquanto evento “performance”, passatempo e entretenimento nos tempos de lazer», explica Filomena Sousa, coordenadora do projecto Arquivo Digital do Adivinhário da Tradição Oral.
As adivinhas, segundo Arnaldo Saraiva, autor de «Enigmática e poética das adivinhas populares portuguesas», são «textos verbais breves que impliquem um jogo de pergunta e de resposta, sendo que esta, claro, está contida naquela de modo cifrado, velado ou inesperado». 
Além da componente lúdica, as adivinhas representavam também «costumes e modos de vida e, enquanto prática sociocultural, é possível identificar outras funções da adivinha. Entre essas outras funções destaco: o jogo da adivinha como instrumento didáctico e pedagógico; a componente ritual, a utilização da adivinha em rituais de iniciação ou morte, e o jogo da adivinha como instrumento de corte, por vezes com conotação sexual», acrescenta Filomena Sousa. 
O Arquivo Digital do «Adivinhário da Tradição Oral» reúne as 233 adivinhas do Fundo Michel Giacometti que se encontram depositadas e disponíveis para consulta no Museu da Música Portuguesa, em Cascais.
«No Adivinhário publicam-se todas as adivinhas transcritas “à letra”, ordenadas e classificadas de acordo com a classificação estabelecida por Michel Giacometti, e tal como estavam agrupadas no Museu», adianta Filomena Sousa.
As adivinhas agora disponíveis on-line foram inicialmente recolhidas, em 1975, pelo etnomusicólogo corso que se radicou no nosso país no âmbito do Plano «Trabalho e Cultura».
O «Adivinhário da Tradição Oral» visa trazer para a «“oralidade” as adivinhas recolhidas e registadas num tempo passado, em que se fez uso dos instrumentos de recolha e registo existentes na época», refere Filomena Sousa. Trata-se, agora, de preservar essa memória, utilizando as vantagens das modernas tecnologias, como o arquivo digital, «proporcionando, assim, a divulgação de toda a riqueza cultural, histórica e educativa destes registos», conclui a responsável.
Os registos das adivinhas derivam de recolhas realizadas em 13 distritos, 27 concelhos de Portugal continental, que tiveram por base entrevistas com 57 informantes, 23 do sexo masculino e 34 do sexo feminino, a maioria com idades entre os 45 e os 70 anos.
Nos registos há adivinhas «idênticas, mesmo tendo sido registadas em diferentes zonas do país, também encontrámos adivinhas que só foram registadas num concelho, mas não podemos afirmar que sejam apenas características daquela comunidade. Outras adivinhas adequaram-se a referências locais, modificando-se de forma mais ou menos acentuada», comenta a coordenadora do «Adivinhário da Tradição Oral».
Este projecto além de contribuir para a preservação do património torna estes registos mais acessíveis. «Assegura-se assim o aumento da visibilidade do acervo em causa, permitindo a sua divulgação a um público alargado, como investigadores, estudantes, professores e qualquer interessado, localizado em Portugal ou em qualquer outro lugar do mundo. Qualquer pessoa pode aceder ao adivinhário e, desde que referencie a fonte, pode utilizar da forma que achar mais conveniente os conteúdos que ele disponibiliza», explica Filomena Sousa.
O arquivo digital de adivinhas é um trabalho em parceria do projecto Memoria Media, com o Museu da Música Portuguesa/Câmara Municipal de Cascais e o Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Sara Pelicano
in:cafeportugal.net

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