Por: Fernando Calado
(colaborador do Memórias...e outras coisas...)
Chegou como quem não quer a coisa. Mordiscava duas azeitonas sentado pacientemente na beira do tanque junto da minha casa. Depois falou do tempo…do frio …das cerejas que já foram com as geadas…sim que é um modo de dizer…
Mas, em boa verdade, não era disso que ele queria falar…
E depois dum breve silêncio abriu a conversa com um prolongado: …pois é!...e logo acrescentou:
- Pois ouvi dizer que o senhor fez um livro… que é como a conta do outro…é a sua vida!
- Pois escrevi…um livrinho…gosto de escrever!
- Pois… a mim não mo vende…sou pobre!
Senti no coração toda a pobreza da minha aldeia…em tempo de fome e na ausência dos livros.
Mas eu tenho muito gosto em lhe oferecer um livro! Disse quase envergonhado.
Não!... Diga-me quanto custa!
Cinco euros…disse receoso!
Pois eu quero um livro e quero pagar…que o senhor também me paga quando me chama à jeira.
Concordei…afinal somos dois jeireiros. Um cava a terra, outro cava, timidamente, as palavras.
Fui pelo livro. Peguei nos cinco euros com todo o respeito e guardei-os demoradamente na carteira como se se tratasse de um bem precioso.
Ora assim é que está bem…os bons negócios fazem os bons amigos. Disse o homem da minha aldeia...com um sorriso sereno.
Feliz, com o livro na mão, dirigiu-se a casa para comer o caldo. E eu fiquei ali…orgulhoso…com os olhos quase em lágrimas…por finalmente …ser um jeireiro…como os homens idosos da minha aldeia.
Fernando Calado nasceu em 1951, em Milhão, Bragança. É licenciado em Filosofia pela Universidade do Porto e foi professor de Filosofia na Escola Secundária Abade de Baçal em Bragança. Curriculares do doutoramento na Universidade de Valladolid. Foi ainda professor na Escola Superior de Saúde de Bragança e no Instituto Jean Piaget de Macedo de Cavaleiros. Exerceu os cargos de Delegado dos Assuntos Consulares, Coordenador do Centro da Área Educativa e de Diretor do Centro de Formação Profissional do IEFP em Bragança.
Publicou com assiduidade artigos de opinião e literários em vários Jornais. Foi diretor da revista cultural e etnográfica “Amigos de Bragança”.
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