“Agora, ao fazer 50 anos de ordenação, começo a olhar para trás, para aminha vida, fazendo um retrospectiva e sinto que Deus me conduziu, me ajudou e emparou, colocando à minha volta um conjunto de pessoas trabalhadoras, generosas, dedicadas, que realmente têm sido o apoio fundamental para alguma coisa se fazer aqui nesta freguesia” – refere o Padre Armando Azevedo, numa entrevista ao jornal «Rostos».
“O mundo Ocidental, principalmente a Europa, pelo menos os dirigentes deste mundo, entenderam que o paraíso se pode construir na terra prescindindo de Deus” - refere.
Padre Armando Azevedo, um homem de Trás-os-Montes, concelho de Mirandela, freguesia de Avidagos, onde nasceu no dia 21 de Março de 1934 – “posso dizer que tenho 79 Primaveras em cima de mim”, diz-nos com um sorriso, - “nasci no primeiro dia da Primavera”.
Recorda que as condições de vida na sua aldeia, no seu tempo de infância – “era um ambiente ainda do estilo medieval, que só mudou os costumes após a Grande Guerra e a chegada da televisão, com alterações na situação económica. Hoje existe um padrão de vida normal. Mas lembro as dificuldades do tempo da guerra, nomeadamente o racionamento dos géneros alimentares. Era uma vida difícil.”
Aguentávamos tudo porque já estávamos habituados
Para frequentar o Ensino Primária, refere que tinha que se deslocar cerca de 4 km, da sua aldeia até ao centro da freguesia.
“Era a pé que íamos e vínhamos, mesmo com neve, sobretudo gelo e o frio pela manhã, essa era a grande dificuldade. Mas aguentávamos tudo porque já estávamos habituados” – recorda.
Disse à minha mãe que gostava de ser Padre
“Eu andava na 3ª classe e recordo ainda hoje, perfeitamente, o local, o momento, quando disse à minha mãe que gostava de ser Padre. O Pároco da freguesia teve uma grande influência na minha decisão. Era um homem bom, com um grande prestígio na aldeia, nós tinhamos uma simpatia muito grande. Talvez, por isso, Deus serviu-se dessa circunstância para chamar-me ao sacerdócio” – refere.
Terminado o Ensino Primário ingressou no Seminário – “entre na Congregação dos Salesianos, em Poiares da Régua. Entramos nesse ano 72 crianças, chegámos ao fim, ao sacerdócio oito, desses oito estamos vivos três, os outros já faleceram e um deixou o sacerdócio”.
Fui ordenado sacerdote em Angola
Armando Augusto Azevedo é o seu nome de baptismo. Nome que manteve. No seu último ano de Teologia deixou a Congregação dos Salesianos, transferindo-se para a Diocese de Luanda.
“Fui ordenado sacerdote em Angola, onde estive durante treze anos, donde saí no período da descolonização, no ano de 1975 vim para o Barreiro.” – refere.
Uma guerra que estava a ser preparada
O Padre Armando Azevedo viveu a guerra colonial – “na zona onde estava fazíamos uma vida normal, existiam umas bolsas de guerrilha, que estavam perfeitamente localizadas, a população vivia a sua vida normal” – refere.
“Após o 25 de Abril é que tudo se modificou, a guerra generalizou-se por toda a Angola. Na terra onde eu estava, onde era Pároco – Dondo, no Quanza Norte – ali começou a Guerra Civil entre o MPLA e o FNLA. Recordo foi precisamente no dia 30 de Junho de 1975, às 9h35 da manhã, foi disparado o primeiro óbus que foi o despoletar de uma guerra que, notava-se perfeitamente, estava a ser preparada.” - refere Armando Azevedo, sentindo-se emoção nas suas palavras.
Estive 32 horas debaixo de fogo
“Estive 32 horas debaixo de fogo, sentindo o tiroteio e andar a correr de um lado para outro, a salvar pessoas e levá-las para um local combinado. Era um hotel, de 48 camas, onde estavam cerca 800 pessoas, sem água, sem alimentação. Passámos dias difíceis” – refere com emoção.
“Ali, um grupo do MPLA, comandado por um jovem de uns 16 anos, foi incomodar-nos e foi preocupante e um caos” - salienta.
Cerca de 550 pessoas que participam nas Missas aos domingos
Regressou a Portugal nos «comboios aéreo da descolonização». Refere que veio directamente para o Barreiro porque, aqui, vivia uma sua irmã.
“Em 27 de Março de 1977, o Bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, convidou-me para tomar conta de Santo André. Nesse dia rezei a primeira Missa em Santo André.” – recorda.
Recorda que a sua integração inicialmente foi difícil – “no tempo do PREC, quando celebrei a primeira missa estava 26 ou 27 pessoas, começámos, nunca desanimámos, e Deus deu-nos a graça de abrir um caminho, com as comunidades da Paróquia, que foi um recomeço”.
“As coisas foram acalmando também e hoje pudemos dizer que temos cerca de 550 pessoas que participam nas Missas aos domingos, com regularidade” – salienta.
Não sou de nenhum partido
Na nossa conversa recorda que viveu algumas situações conflituosas, refere um dia, quando acompanhou um funeral de um militante do Partido Comunista Português – “eu sabia quem era a pessoa e a sua ideologia e fui fazer o funeral, mas quando chegámos ao cemitério, houve todo um aparato de exaltação do Partido Comunista, então, eu entendi, que tinha acabado as minhas funções. Não sou de nenhum partido, não podia estar a colaborar naquela situação, até porque se estava num tempo de eleições. Terminadas as minhas funções, fiz a encomendação e retirei-me, da parte de algumas pessoas, naquele clima de exaltação e entusiasmo, caiu mal, ao ponto de o Chefe Mira, tomar a decisão de vigiar a Capela, para evitar situações dado que existiam ameaças. Mas, não aconteceu mais nada”.
Ajudámos muitos jovens a procurar emprego
“Nós, ao longo dos anos temos procurado ter uma actividade regular na freguesia. A preocupação primeira foi encontrar instalações para desenvolvermos alguma actividade. Começámos aqui na Casa dos Rapazes, onde funcionava o Lar de Crianças e Jovens. Esse foi o nosso ponto de partida” - refere.
“Em 1984, criámos o Centro Social e Paroquial de Santo André, juridicamente instituído, depois começámos a pensar na construção de uma Igreja.
Fomos a primeira instituição, no Distrito de Setúbal, a promover Formação Profissional, no período após a entrada de Portugal na União Europeia. Durante quatro anos formámos jovens. Passaram por aqui 348 jovens, que aqui fizeram a sua formação profissional. Depois, perante as exigências legais, pois tínhamos que garantir emprego a metade dos formandos e não era possível. Terminámos essa actividade. Mas ajudámos muitos jovens a procurar emprego e a preparar-se para o mundo do trabalho.” – salienta Armando Azevedo.
Na Páscoa do próximo ano a Igreja deve estar concluída
“Em 1986, recebemos através do Centro Paroquial Padre Abilio Mendes um terreno que agora está ocupado pelo Parque da Cidade, fizemos então uma permuta de terrenos com a Câmara, em 1996, onde ficámos com o terreno onde estamos a construir a nossa Igreja Paroquial.
Tem sido um processo difícil, com avanços e recuos, mas agora está a avançar a sua construção. Em 24 de Junho de 2012 foi lançada a 1ª pedra, na Páscoa do próximo ano deve estar concluída, no que diz respeito ao edifício, ficará a faltar a parte do mobiliário e artística do interior. Essa será a segunda fase.” – refere.
Apoio de um conjunto de pessoas trabalhadoras, generosas, dedicadas
“Hoje, sinto um motivo muito forte interior para dar graças a Deus, porque tenho a consciência muito profunda que isto não é obra minha, foi Deus que se serviu de mim para construir esta comunidade humana e cristã, e, agora, completando com a construção da Igreja que é uma aspiração profunda.
Agora, ao fazer 50 anos de ordenação, começo a olhar para trás, para aminha vida, fazendo um retrospectiva e sinto que Deus me conduziu, me ajudou e emparou, colocando à minha volta um conjunto de pessoas trabalhadoras, generosas, dedicadas, que realmente têm sido o apoio fundamental para alguma coisa se fazer aqui nesta freguesia” – sublinha o Padre Armando Azevedo.
Galardão «Barreiro Reconhecido 2013»
A entrega do Galardão «Barreiro Reconhecido 2013» ao Centro Social e Paroquial de Santo André – “é o reconhecimento do trabalho e de uma obra que temos feito em beneficio da juventude e também da terceira idade”, sublinha.
Recorda que o Centro Social e Paroquial de Santo André garante 54 postos de trabalho – “estamos equilibrados e com o necessário para viver, procuramos manter esses postos de trabalho”.
A Igreja tem que se renovar e contribuir para se renovar a Europa
No final da nossa conversa pedimos ao Padre Armando Azevedo para nos transmitir o seu olhar sobre o mundo de hoje, onde as questões de fé se afastam das vivências quotidianas.
“Tenho reflectido sobre isso e chego a duas conclusões. O mundo Ocidental, principalmente a Europa, pelo menos os dirigentes deste mundo, entenderam que o paraíso se pode construir na terra prescindindo de Deus. A Europa pôs como meta e objectivo construir o bem estar económico e social, em que tudo estava pensado e organizado na economia. Este ídolo tem pés de barro, tremeu e está a cair por completo.
Eu creio que o nosso mundo Ocidental tem que rever todos os objectivos e começar de novo a pensar nos valores fundamentais, porque houve uma rejeição de tudo o que é Cristianismo. Observo que há uma tolerância, até simpatia com certas religiões, e tudo o que soa a Jesus Cristo e ao Cristianismo é rejeitado. Cristo para o Homem moderno tornou-se um adversário a abater, quando isso não é verdade, porque a Europa foi construída com os seus objectivos, com os seus valores, com a sua dinâmica, partindo de Jesus Cristo, no respeito pela pessoa humana, respeito pelo lugar que o homem deve dar a Deus, respeito pela Fraternidade, já que somos todos filhos do mesmo Pai que é Deus, nós podemos trabalhar como irmãos em fraternidade. Despindo-se dessa ideia, não há nenhuma força que seja capaz de aglutinar os homens, de os unir numa fraternidade e construir a Paz, sem Cristo soa a vazio.” – salienta.
“A Igreja tem que se renovar e contribuir para se renovar a Europa, porque a Igreja presta um grande serviço à sociedade.A história prova que sempre que o homem se afastou de Deus, surge a violência gratuita que não conduz a nada.” – acrescenta o Padre Armando Azevedo.
A fé não é uma ideologia
Viver numa terra com a cultura comunista como força dominante cria dificuldades a ser Cristão? – perguntámos.
“Eu julgo que não. Temos muita gente que partilha a Igreja e vota no Partido Comunista, pelo menos votar. Quanto a ideologia o Marxismo choca com o Cristianismo, mas as pessoas vivem em torno do ambiente social e colocam de lado a ideologia.
As ideologias mudam, desaparecem, a única coisa que não desaparece é a verdade, porque a fé não é uma ideologia, é aderir a Cristo, que ama o homem e quer o bem do homem.
Uma graça que Deus me deu foi ter-me dado Santo André
“Hoje sou um homem do Barreiro. A maior parte da população do Barreiro é de fora. Uns mantêm laços com as suas terras. Outros sentem-se como pertencendo aqui, eu sou dessas pessoas que diz que Santo André é hoje a sua terra. Esta é a minha terra.
Uma graça que Deus me deu foi ter-me dado Santo André, uma terra magnífica, onde tenho amizades e sinto-me acarinhado como pessoa de cá” - sublinha.
“Aproveito para agradecer às autoridades e à população que nos tem ajudado a construir uma obra que começou do nada e hoje está a crescer” – refere o Padre Armando Azevedo ao fechar a nossa entrevista.
S.P.
in:rostos.pt
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