O final de um jantar ou uma conversa entre amigos no século XVII eram momentos acompanhados, frequentemente, por um licor. De frutos ou de ervas, esta bebida de sabor adocicado permitiu, num tempo em que às mulheres era proibido consumir álcool, o acesso a este. Curiosidades, história e estórias contadas no livro «Licores de Portugal (1880-1980)», de Ana Marques Pereira.
De poejo, de ginja, de alfarroba, de canela. É variada a matéria-prima oferecida pela natureza prestando-se à confecção de licores produzidos artesanalmente em casa, mas também em destilarias que comercializam esta bebida de baixo teor alcoólico. Um produto arreigado às tradições e história de Portugal.
Os licores começam a entrar nos hábitos lusos no século XVII e tornam-se uma bebida social, rematando um jantar ou boa companhia nas tertúlias entre amigos. Os primeiros licores consumidos no país chegavam de França.
Volvidos dois séculos, surgem os primeiros registos sobre a produção de licores com carimbo nacional. «Os licores eram de ervas e frutos da região porque se aproveitava o que a terra dava», explica Ana Marques Pereira, autora do livro «Licores de Portugal (1880-1980)».
A obra, em edição de autor, aborda a origem dos licores conventuais, caseiros e comerciais, da ginjinha, de antigas marcas de licores, entre outros temas distribuídos por 300 páginas. «O livro é resultado de uma investigação feita ao longo de três anos», esclarece a autora.
Nesta viagem, Ana Marques Pereira descobriu, por exemplo, que o licor trouxe alguma liberdade às mulheres, tornando-se das primeiras bebidas alcoólicas que as senhoras consumiam. «Por ser uma bebida com pouco álcool, era permitido que as senhoras bebessem porque não ficariam alcoolizadas, o que não era de bom-tom», comenta.
Os rótulos das garrafas de licores revestem-se, também, de curiosidades. Pormenores que a investigadora descobriu e aprofunda no livro. «Enquanto os rótulos dos vinhos, por exemplo, são maioritariamente sóbrios e sérios, os rótulos dos licores de finais do sáculo XIX, princípio do XX, são coloridos, ingénuos, com características de humor», diz Ana Marques Pereira.
O livro «Licores de Portugal (1880-1980)» partiu de um desafio do Centro de Artes Culinárias, em Lisboa, para que Ana Marques Pereira preparasse uma exposição sobre um tema ligado à capital. A ginja, «que é lisboeta», seria a protagonista dessa exposição. «Mas quando comecei a pesquisa, considerei que seria escassa a informação e uma perda de tempo não me debruçar sobre os licores em geral», relembra a autora.
E assim fez. Pesquisou, coleccionou peças relacionadas com o tema e o resultado desse trabalho está no livro, mas também na exposição «O Espírito dos Licores», patente até Fevereiro de 2014, no Centro de Artes Culinárias, localizado no Mercado de Santa Clara, em Lisboa. Um local para ver garrafas, utensílios ligados à produção e consumo dos licores e rótulos.
A ginja lisboeta integrou assim um trabalho mais amplo, mas ficou com um capítulo próprio. «Lisboa estava rodeada de ginjais que se estendiam até Sintra, daí a existência de muitos locais onde a ginja era tradicional. Era o aproveitamento daquilo que a terra dava». Os ginjais foram desaparecendo com a construção, mas restam ainda casas típicas para consumir este licor «típico de Lisboa».
Ana Marques Pereira encontrou ainda muitas empresas que se dedicam à produção de licores, «mas deparei-me com um sector muito fechado. Tive dificuldade em chegar às pessoas», diz. A autora sugere, por isso, que os produtores se unam «e comuniquem mais uns com os outros para dinamizar o sector. Há muitos países que consomem e imenso os licores e onde poderíamos exportar», afirma.
Médica de profissão, Ana Marques Pereira desde muito cedo se interessa pela cozinha portuguesa, sendo autora de diversos livros como «A Manteiga em Portugal», «Mesa Real, Dinastia de Bragança» e «Cozinhas - Espaço e Arquitectura».
Sara Pelicano
in:cafeportugal.net
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